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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Passeio por África... (parte IV)

Fiquei de bebé . Ia a Nampula de vez em quando ao médico para saber se estava tudo bem comigo e com ele. Numa dessas viagens encontramos uns primos do meu marido. Levaram-nos a almoçar e começaram a lançar a ideia do meu marido ir trabalhar com ele, ou seja, ser sócio de uma “machamba”, larga quantidade de hectares de terra que o Governo concedia a quem quisesse cultivar. Era mato cerrado que tinha de ser desbravado!

Casa, comida e mais vencimento era a promessa feita, enquanto ele preparava o terreno. Depois de começar a cultivar, os lucros seriam em partes iguais.

Eu não queria ir mas o meu marido ficou seduzido com a hipótese pois ia ganhar mais e em pouco tempo podíamos ter uma vida melhor.

Faltava um mês para o bebé nascer. Fui para Nampula para casa do hidrometrista porque não era aconselhável estar tão longe do hospital. O bebé nasceu, voltei para casa e tinha ele dois meses quando fomos para casa do primo, por mal dos meus pecados...

Tinham uma cantina e um bar. Eles estavam na cantina e eu fui para o bar.

O meu marido foi para a “machamba” derrubar toda aquela floresta, com montes de pretos atrás dele.

Tinham-nos prometido uma casa. Quando lá cheguei deram-me um quarto na casa deles, perdi logo uma “quinhenta”, nunca gostei de lá viver!

Quando a “machamba” estava limpa e lavrada começaram a cultivar arroz, abacaxi, mandioca e milho. Fizeram uma casa, currais porcos, dois anos para terminar tudo isto.

O meu filho nunca gatinhou. Tinha um criado para o trazer ao colo pois todas as quartas feiras vinham os leprosos das redondezas buscar medicamentos ao chefe de posto e depois vinham para as cantinas e bares.

Era impressionante ver aquelas mãos, pés e caras meio comidos. Por esse motivo não era capaz de deixar o meu bebé andar no chão!

O que mais me impressionou na vida foi receber dinheiro daquelas mãos diminuidas, roídas pela lepra!

Alice (Sobral - Espaço Net)


Um final feliz!

Dia 25 de Janeiro de 2010, era dia marcado para o exame do 9º ano de escolaridade nas novas oportunidades, às 16h.
O dia amanheceu radiante com bonitos raios de sol que embelezavam o horizonte distante, tal era o azul do firmamento que de um ponto alto nos permitia contemplar a paisagem num raio de 360º.
Nesse dia como em tantos outros tive que correr para poder fazer tudo o que tinha de obrigação, aumentando assim o stress que já existe em mim há muito tempo. Primeiro tinha que acabar um carro que se tinha avariado e que me tinha sido confiada a sua reparação O dono, pessoa bem-falante mas mau pagante, acha que os carros antes de avariarem já deviam de estar reparados. Com algum sacrifício lá o consegui acabar a horas de poder estar em Lisboa no Hospital de Santa Maria para uma consulta de cardiologia que me estava marcada para as catorze e trinta.
Como é do conhecimento público todos os operários têm o dever de estar nos seus postos de trabalho à hora definida pela entidade patronal; porque será que os senhores doutores estão excluídos dessas obrigações? Será que não são também trabalhadores? Pois o Sr. Dr. que me consultou e que devia estar no seu consultório às 14h, apareceu às 15h para meu desespero porque se aproximava a hora do exame e eu por escala era o segundo participante.
A saída do Hospital foi feita a correr em direcção ao meu carro estacionado no parque local em sistema de via verde, que embora sendo um estacionamento caro, resolve o problema de andarmos à procura de estacionar e de ficarmos à mercê dos arrumadores e dos caçadores de multas que abundam nas nossas cidades.
Como um mal nunca vem só, algo mais teria que me acontecer. A saída do parque a viatura que me antecedia ficou bloqueada e não deixava sair os carros à sua retaguarda enquanto o seu proprietário não pagou o estacionamento com prejuízo para os outros utentes que tiveram que aguardar. E assim continuei a viagem treinando o que tinha estudado para fazer a minha apresentação oral no exame que se aproximava. Como pessoa de sorte que sou e os males tendem em acompanhar-me, ao entrar na auto-estrada outro problema me aconteceu dificultando deste modo a minha marcha. Um enorme plástico, que me tapava toda a frente do carro, levantou-se e pousou na frente da minha viatura fazendo-me companhia até à saída da via rápida onde pude parar para o retirar. E assim pelas 16.30 h cheguei à Junta de Freguesia do Milharado, local do exame.
Já com o primeiro aluno em prova, depois de uns breves momentos de descontracção e de um bom e reconfortante copo de água ingerido, fui chamado para fazer a minha prova numa situação incómoda por não ter tido oportunidade de aperceber no exame de outros alunos como é que o caso se processava. Enfim, como me intitulo homem de barba dura fiquei à espera do que viesse. Foi com enorme satisfação que ouvi o Dr. José Sampaio avaliador do programa R. V. C. C. dar-me os parabéns por eu ter tido a coragem de aos 64 anos frequentar a escola, o mesmo é dizer: nunca é tarde para aprender. E assim depois de pedir ao Dr. que não fosse muito rápido nas suas exigências, porque eu que até já não oiço muito bem por vezes preciso de certo tempo para compreender o que me explicam, concluí o meu exame com distinção o que mais uma vez me veio provar que todos nós nascemos com capacidades mas infelizmente só alguns têm oportunidade de as desenvolver.

Carlos (Sapataria)

percorrendo a vida!

Este é um relato da parte da história da minha vida.

Nasci em Setembro de 1947 na Vila do Sobral de Monte Agraço.

Sou a mais nova de três irmãos.

Andei na Escola João Luís de Moura em Sobral de Monte Agraço até à 4ª classe. Tive pena de deixar de estudar mas as dificuldades eram muitas. Para estudar tinha que ir para Torres Vedras. Nessa altura a minha mãe dizia que se alguém tinha que estudar, seria certamente o meu irmão, por ser rapaz...

Quando deixei a escola, aos 10 anos, fui aprender a bordar à mão. Pagavam-me dez tostões ao dia!

Mais tarde, já com treze anos fui para um alfaiate aprender a costurar. Mantive-me alguns anos.

Posteriormente concorri para o cargo de Auxiliar de Educação no 1º ciclo, onde trabalhei 36 anos.

Aos 62 reformei-me...

Luísa (Sapataria)


recorte de vida...


Foi muito atribulada a minha vida, com pais muito pobres que muito trabalharam para me dar uma vida melhor!
Fui para a escola, criança, fiz a 4ª classe, não me puderam dar mais, os meus pais.
Tive uma professora muito boa que me ensinou a ser alguém na vida, honesta e trabalhadora para também poder ajudar os meus pais.
Aprendi a costurar e outros trabalhos, lide doméstica e também trabalhei na agricultura.
Um dia encontrei o meu príncipe encantado, com quem casei. Tive filhos, fui feliz!
A vida a certa altura do nosso percurso prega-nos algumas partidas. Umas engraçadas outras dolorosas!
O meu marido teve um acidente de viação com um tractor e faleceu.
Já com filhos casados, fiquei sozinha na minha casa, sem pais, sem o grande amor da minha vida, sem filhos comigo...
Estou só, mas tenho ainda o meu trabalho que me ajuda a passar o tempo...até ao final da vida!

Fátima (Sapataria)

embaraçoso...


No dia 3 de Janeiro de 2010 ouvi dizer que na minha terra Natal tinha falecido uma senhora idosa, perguntei quem era, disseram-me que era a dona MARIA LUISA. A aldeia é uma povoação pequena onde quase todos são primos e primas. MARIA LUISA só conheciam uma por quem eu tinha uma grande amizade. Resolvi acompanhá-la à sua ultima morada. Quando entrei na capela para cumprimentar a família da defunta vejo repentinamente levantar-se de onde estava sentada a minha melhor amiga de infância. Dirigindo- se a mim diz olá Mariana, estás aqui! Eu respondo-lhe muito contente olá Cristina há quanto tempo nós não nos víamos que saudades, então conta-me lá como estás? Perguntei-lhe se mãe estava boa. Houve um silêncio da parte da minha amiga olha para mim fixamente sem dizer uma palavra com ar de tristeza. Naquele momento senti que havia algo de errado, perguntei-lhe, o que é que aconteceu? Não me digas que a tua mãe já não está entre nós? A Cristina responde a minha mãe, Mariana! A minha mãe está ali dentro do caixão. Pedi-lhe desculpa. Foi um momento horrível para mim, senti-me aterrorizada, mais pequenina que uma formiga. Quando ela olhou para mim com aquele ar de misericórdia acredito que imaginou que eu devia estar num estado de demência muito avançado.

Para a próxima tenho de me informar melhor porque há muitas Marias na terra.

É uma história verídica que veio ao meu encontro num domingo à tarde.



Mariana (Biblioteca - Sobral)

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Como é bom saber...


Longe vão os tempos em que na minha aldeia quando concluí a instrução primária e os meus vizinhos analfabetos em amena cavaqueira nas tabernas existentes, saboreando o seu copito ora pagas tu ora pago eu, que era o ponto de encontro depois de mais um dia de azáfama nos campos circundantes aonde trabalhavam arduamente de sol a sol para terem que comer e dar sustento às suas famílias, me pediam para ler algumas noticias que por lá apareciam em jornais já velhos e que até serviam para o merceeiro embalar certos produtos como bacalhau e outros bens alimentares. E eu, então na minha tenra idade e com as ilusões próprias de quem tem 11 anos ficava muito satisfeito porque me sentia diferente daqueles que nem ler sabiam.

Os anos foram passando e foi com muita tristeza que um dia em África mais exactamente na Guiné Bissau aonde cumpri serviço militar do qual muito me orgulho apesar do que de mau lá passei, ter percebido que afinal eu era analfabeto como os meus vizinhos já velhotes, de quem eu me despedi aquando do meu embarque. Muitos já não se encontravam entre nós, quando regressei.

Ao estudar um livro de mecânica que era e continua a ser a minha profissão e aquilo que eu gosto de fazer, não consegui interpretar determinadas informações contidas tendo que recorrer a determinada pessoa que embora não percebesse nada de mecânico, mas com formação escolar, soube entender o conteúdo do livro e transmitir-me o que o mesmo queria dizer.

Por esse e outros motivos me matriculei na escola Novas Oportunidades aonde concluí a certificação de equiparação ao 9ºano de escolaridade e continuo enquanto possível a frequentar as aulas de informática para seniores promovidas pela Câmara Municipal do Sobral, sempre na expectativa de saber mais.

Carlos (Sapataria)

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

coisas simples...com afecto

Chamo-me Maria Elvira, sou casada, mãe de um filho casado, avó de duas gémeas de doze anos.
A minha vida é muito simples mas ainda assim muito feliz, pois também nunca pedi “à vida mais do que ela me pode dar”.
Nasci numa família pobre, pai, mãe e seis filhos. Aos cinco anos de idade, o meu pai faleceu. Não fosse a minha querida mãe trabalhar tanto e fazer tanto sacrifício teríamos passado muito mal. Por isso todos nós, acabada a quarta classe fomos trabalhar. Bordar foi o princípio. Depois aos doze anos fui aprender a costura, coisa que não gostava nada. Com catorze anos fui para um escritório onde me mantive até aos dezoito. Gostava muito de lá estar mas, como precisava de ganhar mais, tendo surgido a oportunidade mudei. Aí senti a necessidade de saber mais do que sabia. Tirei o curso de Guarda Livros no Externato Lusitano do Comércio e fiquei no escritório 36 anos, até que por motivo de doença me reformei.
Hoje, aos sessenta e três, sentindo-me com um pouco mais saúde resolvi aprender informática. Estou a gostar muito!
Nunca tive umas férias a que pudesse chamar férias de sonho. Mas tenho feito férias no campo ou praia como a maioria das pessoas No entanto e por incrível que pareça, as férias que mais recordo são as que passava na casa de uma tia na Feliteira, tinha oito ou nove anos. Porquê? Porque corria livremente pelos campos, acompanhava a minha tia apanhando erva para os coelhos, dando comida à criação...lavando a roupa no rio. Tinha a sensação de liberdade!
Recordo ainda as bonecas de trapos com cabelos de lã que a tia Conceição fazia. Adorava!
Coisas simples, todas elas mas que me deixavam tão feliz!

Elvira (Sapataria)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

passeio por África...(parte III)


Os cabritos e os porcos andavam à solta, iam ao mato pastar mas à noite voltavam. Uma noite os porcos não voltaram. Foram comidos, pensámos nós. Mas não. Apareceram de manhã os quatro porquinhos, estavam intactos. A mãe, trazia a parte de trás toda abocanhada. Tratamo-la e conseguimos salvá-la. Aprenderam a lição, nunca mais foram tão longe.
Os coelhos e as galinhas estavam fechados mas de vez em quando faltavam duas ou três galinhas. Cheguei a duvidar do guarda, ele come-as, pensei.
Um dia o guarda apareceu-me a correr, bofes de fora, pedindo uma enxada. Quando voltou trazia duas senhoras jibóia arrojando o chão, eram elas que comiam as galinhas...
Tínhamos uma horta com tudo o que nela se pode cultivar e também árvores de fruto: bananas, papaias, mangas, anonas, goiaba e pêra abacate.
Peixe, apanhavam os pretos no rio, chegavam ainda vivos. Água, iam as mulheres buscar ao rio. Luz era de petromax, geleira a petróleo, rádio a pilhas e uma lanterna de cabeça para ir à caça.
O meu marido não gostava de caçar mas os pretos diziam “patrão, nosso não tem as comida”, vamos ao mato buscar impala. E lá iam...
Traziam duas ou três impalas, galinhas do mato, levavam para a cozinha que era fora da nossa casa, limpavam e depois dividíamos irmãmente.
Embora no meio do mato, tínhamos tudo o que necessitávamos para viver!
Quando chovia tínhamos a casa sempre cheia. O rio enchia, a água saltava a ponte e ninguém podia passar. Vinha tudo para a nossa casa! Lá comiam e dormiam. Quartos cheios, muitas vezes as salas também serviam. Estava calor. Deitava-se um cobertor e um lençol no chão... estava uma cama feita. Escusado será dizer que cada uma dessas pessoas fica amiga para sempre. África é assim!
Os vizinhos que moravam a três quilómetros tinham uma vacaria. Os leões começaram a atacar, levavam todas as noites uma ou duas vacas.
Então os homens resolveram fazer uma batida.
O meu marido levou a caçadeira, um senhor que tinha muita experiência de caça grossa levou a mauser (esta arma tinha um defeito, tanto podia dar dois ou três tiros como dar um e encravar), os outros dois cada um levou a sua arma.
Feriram a leoa. O senhor da mauser atirou ao leão e a arma encravou... fugiram todos para a carrinha. O meu marido na fuga caiu, partiu a arma a meio.
Como o leão não dava sinais, foram procurá-lo. Estava morto. Colocaram-no na carrinha e trouxeram-no para casa. Foi assim que eu consegui ver um leão. Era um lindo animal. A leoa apareceu morta no dia seguinte.
Apesar de abaterem estes, os que passavam à minha porta continuaram...


Alice (Sobral-Espaço Net)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

passeio por África...(parte II)


Que veio o meu marido fazer para terras tão distantes? Veio orientar os operários na manutenção da ponte do rio Mucubur e troço de estrada. Mucubur era o nome do nosso “acampamento”.
Na zona da nossa casa havia leões, leopardos, hienas e muita caça como impalas, galinhas de mato etc.
Os leões dia sim dia passavam rente à janela do nosso quarto mas iam tão caladinhos que nunca conseguimos vê-los. Quando entravam no mato davam cada urro que parecia que a casa tremia. Afirma-se como rei da selva!
Nós só sabíamos que eles tinham rondado a casa porque nas manhã seguintes víamos as enormes pegadas. O leopardo não se aproximava das casas, vigiava-nos à distância por detrás de um morro de “meixã” (formigas) em frente à nossa casa. Daí observava-nos. As hienas eram muito matreiras, choravam como crianças a provocar a nossa proximidade. Cobras, havia de todas as “raças”.
A casa tinha portas de madeira e outras de rede. Durante o dia, as de rede estavam fechadas e as de madeira abertas. Uma noite fui fechar a porta de madeira e atrás dela estava uma enorme cobra. Fugi a bom fugir e chamei o guarda. Matou-a, era uma “surucucu”. Uma mordedura era morte certa.
Estávamos há duas semanas instalados, apareceu-nos a tropa portuguesa. Perguntaram-nos se tínhamos armas se sabíamos lidar com elas. O meu marido sim, disse, eu não. Se não sabe, vamos aprender, precisa de estar preparada para se defender caso precise.
Ensinaram-me a atirar com a caçadeira, pistola e mauser. Graças a Deus nunca foi preciso pois nunca ninguém me atacou, animais ou homens!
Mas gostava de fazer tiro ao alvo, era o meu “hobby”!
Estava ainda há pouco tempo naquelas paragens, resolvi explorar os terrenos da vizinhança. Havia uma picada, meti-me a caminho, encontrei lá em baixo um rio. Aquária que sou, voltei a casa equipei-me com fato de banho e deliciei-me com uns mergulhos no rio.
Quando vinha para casa, encontrei o cozinheiro que me perguntou, senhora, foste tomar banho no rio? Sim, fui, xiiii...., disse ele, com as mão na cabeça, senhora, não podes fazer isso, aquele rio tem jacaré!
Nunca mais mergulhei, com pena minha!

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Alice (Sobral-Espaço Net)