Fiquei de bebé . Ia a Nampula de vez em quando ao médico para saber se estava tudo bem comigo e com ele. Numa dessas viagens encontramos uns primos do meu marido. Levaram-nos a almoçar e começaram a lançar a ideia do meu marido ir trabalhar com ele, ou seja, ser sócio de uma “machamba”, larga quantidade de hectares de terra que o Governo concedia a quem quisesse cultivar. Era mato cerrado que tinha de ser desbravado!
Casa, comida e mais vencimento era a promessa feita, enquanto ele preparava o terreno. Depois de começar a cultivar, os lucros seriam em partes iguais.
Eu não queria ir mas o meu marido ficou seduzido com a hipótese pois ia ganhar mais e em pouco tempo podíamos ter uma vida melhor.
Faltava um mês para o bebé nascer. Fui para Nampula para casa do hidrometrista porque não era aconselhável estar tão longe do hospital. O bebé nasceu, voltei para casa e tinha ele dois meses quando fomos para casa do primo, por mal dos meus pecados...
Tinham uma cantina e um bar. Eles estavam na cantina e eu fui para o bar.
O meu marido foi para a “machamba” derrubar toda aquela floresta, com montes de pretos atrás dele.
Tinham-nos prometido uma casa. Quando lá cheguei deram-me um quarto na casa deles, perdi logo uma “quinhenta”, nunca gostei de lá viver!
Quando a “machamba” estava limpa e lavrada começaram a cultivar arroz, abacaxi, mandioca e milho. Fizeram uma casa, currais porcos, dois anos para terminar tudo isto.
O meu filho nunca gatinhou. Tinha um criado para o trazer ao colo pois todas as quartas feiras vinham os leprosos das redondezas buscar medicamentos ao chefe de posto e depois vinham para as cantinas e bares.
Era impressionante ver aquelas mãos, pés e caras meio comidos. Por esse motivo não era capaz de deixar o meu bebé andar no chão!
O que mais me impressionou na vida foi receber dinheiro daquelas mãos diminuidas, roídas pela lepra!
Alice (Sobral - Espaço Net)