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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Soldados e…Soldados


Nas datas festivas gosto de ir ao cemitério visitar as campas dos meus familiares e dos amigos, e percorro sempre o lugar onde cada um … descansa.

Raramente visito os talhões que existem no lado esquerdo do cemitério; mas, desta vez, por ser Natal, demorei mais a minha visita: primeiro fui ao talhão destinado àqueles que foram Combatentes na 1ª. Grande Guerra, e depois ao talhão dos Bombeiros Voluntários, dos bombeiros que morreram no activo.

Parada em frente da campa de cada um dos soldados da paz, revejo-os um a um, formados na parada, vestidos a rigor e a responder à chamada: Manuel Monteiro Patrício… Duarte Amadeu Leandro… Álvaro Virgílio Branco, e um que na altura ainda era menino, Carlos Alberto Quitéria Ribeiro, e tantos outros.

Recordo: quando constava que havia fogo (não havia sirene), não eram só os bombeiros que corriam ao quartel, as mulheres e filhos também corriam atrás, para assistirem à partida e saberem o que era e onde era… Regressavam a casa, mulheres e filhos, apreensivos, com medo que acontecesse algum acidente e só descansavam quando eles, bombeiros, chegavam a casa, a maior parte das vezes exaustos… mascarrados, umas vezes tristes e outras mais alegres, conforme tivesse corrido a operação.

A família era um apoio forte para quem se levantava tantas noites da sua cama para socorrer quem precisasse, e tudo sem qualquer compensação, a não ser a do dever cumprido. Lindo … para quem viveu anos a fio este envolvimento, este desapego à vida a favor da vida de outros. Foi um ensinamento de solidariedade e de amor pelo próximo, o que transmitiram às gerações mais novas.

Av. Brasília - Lisboa
Depois voltei ao talhão dos Combatentes, dos militares da 1ª. Grande Guerra. Nenhum deles tinha perecido na Guerra, foram combatentes que regressaram às suas casas vivos, alguns lembro-me bem deles, outros morreram antes de eu nascer; no entanto lembro-me de ouvir falar dos seus nomes. Já me ia a retirar quando reparei na fotografia de um jovem, e volto atrás para ver melhor, era um jovem com apenas 21 anos, que morreu na Guerra do Ultramar. Como ele tantos lá pereceram, tantos pais ficaram “viúvos” de filhos, e tantos filhos órfãos de pais… que nem conheceram. O José Quirino, que era assim o seu nome, foi um dos muitos jovens que teve a infelicidade de não regressar. Foram uns longos treze anos de guerra e essas gerações, que não eram rasca, viviam “à rasca”, com o medo de serem recrutados para a guerra e de morrerem nela.

Então construí um paralelismo entre os dois talhões, num os bombeiros voluntários, combatentes pela paz, que praticavam o bem sem olhar a quem, e como o nome indica faziam-no voluntariamente; no outro, os combatentes da guerra, estes a cumprirem o serviço militar obrigatório, vítimas eles próprios de uma sistema que obrigava a fazerem parte de um guerra que não era sua, e tudo por culpa de os homens não terem a capacidade de se entenderem.

E, concluí que a todos tinha de respeitar, embora com as suas diferenças. No meu pensamento fiz a chamada para a formatura… nome a nome…e assim enchi a “parada” da amizade, com o respeito e o reconhecimento que todos me merecem.
Maria Alexandrina


6 comentários:

  1. Querida amiga Alexandrina
    Felicito-a pela sua Homenagem aos "Soldados e ... Soldados", tendo todos eles, embora de formas diferentes, sacrificado as suas vidas pelas dos outros. Também o meu Pai foi um "Soldado" que veio acabar os seus dias em Portugal por não ter condições físicas para continuar a lutar na Guiné. Por isso, quero dedicar esta Homenagem que a minha amiga fez também ao meu Pai, apesar de não se encontrar nesse talhão que visitou. Obrigada.
    Um abraço da
    Lourdes.

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  2. Alexandrina,
    O seu apontamento transportou-me décadas atrás.Quando miúdo,em casa do meu avô, dia de Natal era almoço de família e, depois do cacau em vez de café (nunca soube explicar porquê),o clã caminhava pachorrentamente e em amena cavaqueira até ao cemitério.Era o momento da evocação dos ausentes (que eu nunca conhecera) mas que se integravam no momento da FAMÍLIA.
    Quanto aos outros, aqueles que morreram na guerra colonial, prestei "honras militares" ainda cá e cheirei a morte na Guiné.
    Aprendi à força a guardar e respeitar as memórias mesmo sem corpos nem túmulos.
    Aprendi a viver com a ausência da vida,e ainda bem que tenho memória.Enquanto ela existir,a guerra para mim será sempre um acto bárbaro.

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  3. Da minha infância, entre os 3 e os 15/16 anos, lá nos fundos do Norte, guardo recordações algo traumatizantes dos cemitérios, a que fazia visitas obrigatórias pelo menos uma vez por semana, a seguir à missa dominical. Tinha familiares enterrados em duas freguesias contíguas, e então os cemitérios eram dois…Mas logo na sexta ou no sábado anterior alguém tinha de lá ir “compor” as campas, que iriam as pessoas pensar e dizer se alguma delas não estivesse florida de fresco...

    E depois chorava-se (era também obrigatório, quem não chorasse não tinha alma, coração, sei lá que mais) e cochichava-se sobre o arranjo (a falta dele) desta ou daquela campa: têm tanto dinheiro, tanto tempo para tudo e não têm tempo para cuidar dos mortos … E havia os jazigos, muitos mais ricos que a casa em que eu vivia, havia as campas perpétuas, as campas rasas…Qual igualdade na morte qual carapuça.

    Este culto dos mortos foi-se afastando das minhas preocupações: pelo passado, mas também por outras razões que a vida adulta foi carreando. Se o Afonso Faria mo permite, repito com ele que aprendi “a guardar e respeitar as memórias mesmo sem corpos nem túmulos.” Claro que, face ao texto da Alexandrina, é quase injusto escrever o que estou escrevendo: ela não se debruça sobre as campas dos seus mortos, antes chama para a formatura os nomes daqueles que, de uma maneira ou de outra, “da lei da morte” se libertaram. Mas a Alexandrina tem, frequentemente, este condão: levar-me a recordar coisas que julgava já bem enterradas e não pensava exumar…

    Estranhamente, não recordo que, lá, pelo Natal, se pensasse muito nos mortos ou em cemitérios.

    José Auzendo

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  4. Pegando na ideia da Alexandrina, recordo que quando os bombeiros estavam no edifício antigo, ou seja na rua Miguel Bombarda, quando soavam os primeiros toques da sirene, era ver os bombeiros em trajes menores e descalços a correrem para o quartel, muitas vezes em cima dos carros a vestirem os fatos-macaco, e a vizinhança à porta com expressão apreensiva a tentar saber onde seria o desastre. Tenho a certeza de que hoje não é assim.

    A respeito das idas ao cemitério, concordo, cada um homenageia à sua maneira…Só falta fazer um concurso para ver quem tem a campa mais bonita! A minha filosofia é diferente: tratem-me bem, visitem-me em vida, não tragam flores (e eu gosto muito de flores) mas tragam um sorriso. E os amigos venham a minha casa... Isto não significa que, quando vou ao cemitério, não pare nas campas das pessoas amigas e queridas. Mas meus mortos estão sempre comigo.

    Lisete

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    1. Meus amigos não sei se deixei a ideia errada de que choro sobre as campas e que para celebrar a morte me tenho de encapuzar, longe disso: Eu recordo os meus mortos como se tivessem vivos, lembro-me do que disseram, do que pensariam disto ou daquilo,e a prova disso é que os tenho trazido aqui, pela minha mão, para que sejam lembrados, mas não com o saudosismos das flores ou de outros rituais, mas com muito e muito amor.
      Maria Alexandrina

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    2. Alexandrina,
      A mim não me deixou uma ideia errada que gerasse a necessidade de explicação. Percebi o que escreveu e em troca coloquei a minha vivência.
      Depois, também não sou capaz de criticar alguém que em consciência viva de uma forma diferente da minha.Posso não concordar mas respeito.
      A autenticidade, é por vezes entendida como "menor". E há quem se posicione na cúpulas sem merecer estar na base sequer por demérito do seu arrastar pela vida, num faz de conta permanente...

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