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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Irene Lisboa – pedagoga, escritora e poeta

Arruda dos Vinhos
ouvi falar de Irene Lisboa depois de chegar ao Sobral. Soube então que tinha sido uma escritora de cá, muito querida das gentes mais idosas, com vários livros de prosa e poesia publicados. E uma vida muito infeliz. Mas agora a conheci melhor: a Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos promoveu uma série de iniciativas para, pelo 120º aniversário do seu nascimento, assinalar a trasladação dos seus restos mortais de Lisboa para o cemitério de Arranhó. Assisti a uma conferência, e foi grande o interesse que a vida e a obra de Irene Lisboa me despertaram.

Um advogado minhoto, de apelido Vieira Lisboa, candidato a deputado, ficou por Lisboa, e comprou uma quinta no casal da Murzinheira, em Arranhó. Era também procurador de uma senhora lisboeta, proprietária da Quinta Monfalim, no Sobral. Nas horas vagas, o nosso homem entretinha-se com as criadas da quinta da Murzinheira e, de uma dessas relações, nasceram duas meninas: à mais velha, nascida em 25 de Dezembro de 1892, foi dado o nome de Irene. E um belo dia, teria Irene uns quatro anos, o pai pega nas duas irmãs e leva-as para Monfalim, onde são criadas sob a orientação dele e da proprietária da quinta. É baptizada aos 6 anos de idade, com o nome de Irene do Céu, sem apelido de pai nem mãe, sendo sua madrinha a dona da quinta.As duas irmãs nunca mais viram a mãe, que viveu quase enclausurada na Murzinheira.

E foram, na prática, impedidas de voltar a pisar o Concelho de Arruda. Para irem para Lisboa, por exemplo para a (e da) casa da madrinha onde passou a viver, iam tomar o comboio à Linha do Oeste, andando para trás, para não atravessarem Arruda!... Irene do Céu estudou em Lisboa, em colégios e conventos, e passava as férias em Monfalim. EmComeça uma vidaescreve assim:A quinta, para as minhas vistas de criança, parecia-me uma coisa de grande beleza e importância. Creio que me dava vaidade ver o meu pai pagar aos homens de trabalhoUm homem só, a distribuir tanto dinheiro. Nunca foi perfilhada.



Tirou o curso de professora primária, especializou-se em pedagogia, foi inspectora e introduziu novos métodos no ensino pré-primário e primário. Atravessou uma fase conturbada da vida nacional: implantação da República, e Grandes Guerras, advento e afirmação do salazarismo. Com o fascismo foi quase obrigada a retirar-se do ensino: reformou-se aos 48 anos, em 1940 e faleceu em 1958. Mas deixou uma obra pedagógica importante, com mais de uma dezena de estudos e livros publicados, alguns com o pseudónimo de Manuel Soares. O Instituto Irene Lisboa é, hoje, uma associação profissional de docentes de âmbito nacional, que consagra e pretende prosseguir a obra da precursora.



Colaborou activamente nas duas mais importantes Revistas nacionais da época: a Presença e a Seara Nova. Deixou uma obra literária vasta, em prosa e verso, creio que 18 livros, sendo que alguns, mais os de poesia, assinados com o pseudónimo de João Falco. Naqueles tempos, uma mulher a escrever, e especialmente a escrever o que e como ela escrevia, ainda levantavaengulhos. (Se me é permitido umtestemunho, direi que nos últimos dias li três livros dela e estou deliciado, vou continuar).

Irene Lisboa privou e foi admirada por todos os grandes escritores portugueses seus contemporâneos: António Botto, Fernando Pessoa, José Régio, Miguel Torga, Almada Negreiros, Matilde Rosa Araújo, e muitos mais. Na contracapa do seu livro O Pouco e o Muito, vem um excerto de um texto de José Régio, de 1955, comentando um outro livro dela, de prosa, chamadoUma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma, do qual copio : ”… um dos livros mais poéticos que me tem sido dado ler () um livro que nem precisa de ser de versos para ser tão verdadeiramente poético…”



Não tenho, agora, espaço para mais. O Museu Irene Lisboa, em Arranhó, é visita obrigatória. E, na net, encontra mais, muito mais, coisas lindas, sobre Irene Lisboa. Para aguçar o apetite, deixo estes três links:







E mais estes dois de vídeos com poemas declamados por Carmen Dolores:







E não posso terminar sem transcrever uns versos de um poema dela:Se eu pudesse () /havia de escrever rijamente/cada palavra seca, irressoante, sem música./ Como um gesto, uma pancada brusca e sóbria/ () Gostava de atirar palavras/rápidas, secas e bárbaras, pedradas!/Sentidos próprios em tudo.” – EmOutono havias de vir.

José Auzendo

19 comentários:

  1. Acabo de ler estes dados sobre Irene Lisboa, que conheço como poetisa há muito tempo, mas nunca imaginei que fosse uma pessoa que tenha vivido na região do Sobral/Arruda.

    Gostei de conhecer a sua vida, de um modo geral. Assim que puder visitarei o museu em Arranhó.

    Este texto veio enriquecer o meu conhecimento, foi muito bom ter lido e agradeço por ter divulgado.

    Um abraço
    Joaquim Sustelo

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  2. Pois é verdade, ficamos todos enriquecidos com os textos do Sr. Ausendo. Só nos podemos orgulhar e dar os parabéns pelo seu empenho e dedicação assim como ao Pr. Afonso.
    Adelaide

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  3. Comovi-me, não sei porquê, ou talvez saiba, ao ler no texto o excerto do poema, que é lindo e nunca tinha lido. Senti-o tão profundamente, só podia ter sido escrito por uma pessoa sofrida como foi Irene Lisboa.
    Em toda a minha vida já li, como é natural, muitos livros; uns agradam-me mais, outros menos e de outros até gosto muito, mas tenho gravados na minha memória dois livros, e posso dizer que quase os decorei, tal foi a intensidade com que os li. Um é “Esteiros”, de Soeiro Pereira Gomes e outro “Com uma mão cheia de nada….e outra de coisa nenhuma”, de Irene Lisboa.
    Irene Lisboa não escreve; descreve como nunca ninguém o fez a nossa região e, sabendo-a tão perto, na Quinta de Monfalim, para mim ela é minha, e a minha ternura é tão grande que falar dela me enche o coração de emoções que me abalam o espírito: o carinho, a solidariedade, porque não amizade e, até, um sentimento que não sei explicar, um desejo de se modificar a história, e vê-la uma menina com uma infância feliz.
    Teriam por acaso os seus livros a mesma força, se a vida lhe tivesse sido menos madrasta?
    Pelo que sinto em relação a esta escritora, lhe agradeço sinceramente, professor Auzendo, sem qualquer espécie de obrigatoriedade ou de fingimento, por nos ter trazido tão bem narrada a “minha Irene”… Obrigada
    Maria Alexandrina


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  4. Como já tenho dito várias vezes, é reconfortante ver que há sempre alguma coisa de enriquecedor que podemos dar... a quem quer (ou pode!) "enriquecer-se". Estes três comentários são disso exemplo cabal e, quando assim é, qualquer que tenha sido o esforço, ele fica recompensado. Obrigado pelo alento.

    E, já agora, aí vão duas surpresas.

    Talvez no próximo dia 3, sairá um outro texto, esse de uma jovem não sobralense nossa contemporânea, que nos irá maravilhar com a sua admiração por Irene Lisboa.

    Escrever é sempre complicado...O texto que escrevi já ficou longo e eu ainda tinha tanto para dizer e mostrar. A "pedido" da Alexandrina, vou transcrever agora toda a 1ª estrofe do poema "Escrever", de que só copiei um excerto: merece-o a Alexandrina, merece-o Irene Lisboa, precisa dele (ainda) a sociedade que somos:

    “Se eu pudesse havia de transformar as palavras em clava (1)
    Havia de escrever rijamente,
    Cada palavra seca, irressonante, sem música.
    Como um gesto, uma pancada brusca e sóbria.
    Para quê todo este artifício
    Da composição sintáctica e métrica?
    Para quê o arredondado linguístico?
    Gostava de atirar palavras.
    Rápidas, secas e bárbaras, pedradas!
    Sentidos próprios em tudo.
    Amo? Amo ou não amo?
    Ou sim ou não.
    E com isto continuando.”

    (1) Antiga arma ofensiva, composta de um pau com uma pedra agarrada…para atacar…Esta nota é minha. A pontuação do poema é ... de Irene Lisboa.

    José Auzendo

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  5. Boa noite Prof.Auzendo
    Li o seu texto sobre Irene Lisboa de cuja vida nada conhecia, a não ser o nome.
    Obrigada por nos trazer ao conhecimento a vida e obra de uma das muitas pessoas que deveriam ser destacadas e recordadas na nossa sociedade por méritos próprios, mas que por vezes incomodam, e a sua obra fica sempre esquecida no "fundo de uma gaveta". Pode ser que algum dia "alguém" desperte e consiga finalmente fazer justiça.
    Irene Lisboa foi na verdade, segundo relato do seu texto, uma ENORME MULHER. Mas o preconceito e a sociedade de então negaram-lhe os direitos a ser perfilhada. E ainda por cima afastada da mãe ... É triste que a sociedade de então tenha sido tão cruel, tendo chegado ao extremo de roubar o amor de mãe a uma criança. É fértil em "apontar o dedo" aos outros! Pena é que não analise primeiro os seus actos, pois por vezes de certo que cairia de vergonha de si própria ...
    A obra desta Mulher é na realidade digna de relevo.
    Obrigada por tê-la dado a conhecer, pois de certo que haverá MUITA GENTE que nem sequer conhecia a existência do seu nome.
    Um abraço
    Lourdes.

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  6. Auzendo, como sabe há muito tempo que a Irene Lisboa é para mim, desde a minha juventude, a minha companheira de cabeceira, a minha confidente, a minha força, parecia-me que havia um elo entre mim ela, eu pensava e sentia e ela escrevia.

    Foram muitas as livrarias que percorri para encontrar os livros dela que possuo, muitas não conheciam nem o nome. Agora, estou satisfeita por ver que está a ser mais conhecida, por o nosso povo começar a ler mais. Também não admira, há 60 anos não havia tanta informação, e muito menos gente sabia ler.
    Um abraço
    Lisete

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  7. Comecei o meu texto dizendo que só no Sobral conheci Irene Lisboa e aqui soube que era uma pessoa "muito querida das gentes mais idosas" da terra. Era a D. Lisete que estava "por trás" desta frase. Os livros fotografados no texto são todos dela, edições originais e um pelo menos - Apontamentos - mais velho que eu, conservado numa capa de plástico. E sempre a D. Lisete me falava e fala de Irene Lisboa. Já sabia, e aqui testemunho, que a D. Lisete leu todos os livros dela...

    E sim, Lourdes Henriques, Irene Lisboa "enganou-se" no tempo em decidiu viver. A sociedade em que ela cresceu, desde logo a sociedade que lhe criou e deu o Pai que lhe calhou...,não era a sociedade que ela merecia.

    E hoje como é? Bem, hoje, devo fazer justiça, a vida e a obra de Irene Lisboa está sendo ressuscitada nos meios literários deste país graças ao empenho da Prof. Doutora Paula Morão e da Editorial Presença. E...é lida? Compreendida?
    Auzendo




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  8. Desde pequena que ouço falar em Irene Lisboa, principalmente relacionado com o antigo Externato de Arruda que honrava o seu nome. Com o passar dos anos despertou-me curiosidade e fiquei a saber algumas coisas da sua vida, no entanto não sabia que a sua obra publicada era tão vasta, apenas das marcas que deixou no ensino e as modificações que permitiu.
    A vossa 'paixão' e alegria visível nos comentários irão levar-me a rebuscar nas estantes do meu pai, que ou muito me engano ou me trarão a bela surpresa de ter livros dela com que eu possa também deliciar-me.

    Obrigada
    Hortense Bogalho

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    1. Força, Hortense. Vai encontrar um Portugal que, provavelmente, nem sonhava ter existido. Espero que seja bem sucedida na busca e que o "exemplo" dos seus propósitos se multiplique.

      Auzendo

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  9. Lisete
    Como eu compreendi bem o teu comentário e o teu gosto pela escritora, poeta e pedagoga que foi Irene Lisboa.
    Também tenho e já li muitos escritos dela,mas tu bates-me o record
    porque desconhecia grande parte da sua obra.
    Realmente não escolhemos os pais e muitos foram muito padrastos.
    Sabemos ambas do que falamos.
    Um abraço amigo. Manuela

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    1. Manuela, Manuelas há muitas, mas penso não estar enganada sobre quem és, pelos “pais e padrastos”. Infelizmente, ou felizmente, sei lá, nunca pronunciei essa palavra – Pai - a que toda a criança tem direito de chamar. Podes crer que as crianças sofrem muito e, naquela época, era muito mais difícil, hoje já não é assim, felizmente.

      Na vida há os culpados, e são esses que subjugam os inocentes, mas o mal disto tudo é o vil metal que não dá felicidade a ninguém. Não me regozijo com a infelicidade de alguém, acredita...Eu consegui dar a volta e hoje sou feliz.

      Recebi hoje um abraço cheio de lágrimas de alguém de que gosto muito e tu também. O outro, o teu abraço amigo, também o agradeço e retribuo. Acredito que me compreendes.

      Lisete

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  10. Que boa surpresa este espaço que desconhecia. Que bom saber de tantos que admiram a "nossa" Irene. Estupenda esta divulgação da poetisa e escritora. Devemos-lhe isso.
    Quero apenas rectificar que os restos mortais de Irene Lisboa estão no cemitério de Arruda dos Vinhos e não de Arranhó.
    Um abraço de admiração pelo vosso trabalho.

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    1. O comentário supra é da autoria de Catarina Gaspar, a poetisa, declamadora e admiradora de Irene Lisboa, que já a seguir nos presenteará com uma maravilha de texto dedicado a Irene Lisboa.

      Aproveito para agradecer a correcção quanto ao cemitério: fui "levado" pelo Museu, pela Quinta...Sei que o meu texto tem falhas e lacunas, muitas lacunas e, se algo peço à Catarina é que corrija umas e supra outras sem receio.

      Auzendo

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  11. Vou permitir-me voltar um pouco atrás, pois como vimos Irene Lisboa não está “só” na sua infelicidade familiar. Tem a Lourdes Henriques toda a razão ao dizer que “é triste que a sociedade de então tenha sido tão cruel (… a ponto) de roubar o amor de mãe a uma criança”. E eu avancei criticando “ a sociedade que lhe criou o pai que lhe calhou”.

    Mas que vemos nós? Que a D. Lisete, nascida 40 anos depois de Irene, teve a mesma sorte ou pior: à Irene, o pai ainda a acompanhou e “pagou” os estudos. A D. Lisete cruzava-se frequentemente com o homem que lhe diziam ser seu pai, e nem isso podia dizer-lhe, nem ele alguma vez a viu como filha.

    Duas décadas depois, o meu pai (o meu mesmo), abandonou quatro filhos, dos quais o mais velho, eu, tinha 5 anos, e nunca mais apareceu, ou contribuiu para o sustento da família, que ele deixou sem meios de subsistência…

    E ontem … uma mãe, parece até que com formação académica, matou dois filhos para que eles não fossem viver com o pai… Bem, Irene Lisboa, tu bem lutaste para que a mentalidade das pessoas se alterasse, mas, na verdade, tudo vem piorando, a sociedade está cada vez mais cruel.

    José Auzendo

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  12. Curioso, e apaixonado pela genealogia, li com muito interesse a agrado este artigo. Permita-me que lhe pergunte se conhece o nome dessa irmã mais nova de Irene Lisboa, e "ouro sobre azul", o de sua mãe.

    Cordiais cumprimentos

    Luís Faria de Sousa

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  13. Sr. Luís Faria embora não sinta, que deva ser eu a responder-lhe, custa-me verificar que ninguém o fez, como colaboradora deste blogue e amiga do autor do texto,acho que ao seu pedido deve-se uma resposta, por isso vou fazer-lhe uma promessa... não sei os nomes das senhoras em causa, embora tenha convivido com familiares do lado materno da autora e sendo também uma apaixonada pela sua escrita, vou então prometer-lhe que vou investigar e assim que o possa elucidar, voltarei para satisfazer a sua curiosidade.
    Maria Alexandrina-lhe

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  14. Senhor Luís Faria o prometido é devido, e aqui estou eu a cumprir a promessa.
    Investiguei, pedi ajuda, mas não me foi possível saber o nome da mãe da escritora Irene Lisboa, seria possivelmente Maria, com qualquer outro nome, o que era vulgar na época,aqui na nossa região, porém com a irmã já tive mais sorte e sei que se chamava Rita.
    Fiz todos os possíveis e impossíveis,tenho pena de não saber mais.
    Despeço-me com os meus cumprimentos
    Maria Alexandrina

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    1. Em tempos respondi às suas mensagens, desculpando-me por só então o fazer por só então as ter lido. Estranho que essa minha resposta não tenha "aparecido" publicada. Fico a aguardar, renovando os meus agradecimentos pela sua amabilidade e reforçando que Rita do Céu foi minha tia-avó (pelo casamento). Com os meus melhores cumprimentos. Luís Faria de Sousa.

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  15. Cara Maria Alexandrina, só hoje dei conta destas suas intervenções. Lamento-o, e é culpa minha. Estive ausente do país e depois (demasiado) ocupado com o finalizar de um trabalho genealógico, razões que me afastaram e "esconderam" este assunto. Pois é, Rita, Rita do Céu foi, por casamento, minha tia-avó. Confirma o que já por "estórias" familiares sabia, que era irmã de Irene Lisboa. Ainda não consegui encontrar o seu assento de baptismo, embora tenha o do nascimento de um dos seus filhos, que menciona pai e mãe...

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