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segunda-feira, 24 de junho de 2013

Uns comem os figos…a outros rebenta-lhes a boca


Estávamos no ano de 1942 e, numa noite muito quente de Julho, houve cinema na Praça Dr. Eugénio Dias, projectado na parede do Solar dos Condes de Sobral. O Teatro Eduardo Costa estava fechado por degradação e o Cine Teatro era só um projecto.
A nossa praça nessa época tinha como plantas ornamentais árvores de frutos, ameixeiras; os frutos quando estavam maduros eram apanhados e distribuídos pelas escolas, mas
muitos eram desperdiçados porque caíam de maduros. Acabou o filme e cada um regressou às suas casas tranquilamente, mas a noite não foi tranquila porque alguém se lembrou de surripiar as ameixas.
Na manhã seguinte, a vila foi acordada por um grande burburinho: todos os homens que tinham estado na Praça na noite anterior foram notificados para irem à Câmara prestar declarações e muitos foram presos, principalmente aqueles que faziam oposição ao Presidente da Câmara (nesse tempo Administrador do Concelho).Toda a Vila viveu um pesadelo, com os seus homens ameaçados, presos e multados. Conforme iam sendo interrogados todos se disseram inocentes, mas não lhes valeu de nada, ou pagavam a multa ou continuariam presos… e assim a pouco e pouco todos foram pagando a multa. Só permaneceu preso o Afonso Flor, o maior adversário da política fascista do Presidente, negando-se terminantemente a pagar a multa… Por que teria de o fazer se não tinha tocado nas ameixas?
As irmãs preocupadas com a sua saúde, temendo pelo irmão, por ele ser doente e a cadeia não oferecer condições de higiene e ser muito húmida, foram à socapa pagar a multa. Ao fim de cinco ou seis dias lá saiu ele, mas pensando que os tinha convencido da sua inocência! … Só muito mais tarde soube que lhe tinham pago a multa.
Este assunto foi falado anos e anos a fio, as pessoas sempre indignadas, e claro que era o Presidente o alvo das críticas, mas esta era também a sua táctica: não foi esta a primeira nem a última perseguição, ele trazia as pessoas controladas pelo seu poder. Os habitantes da vila davam largas à sua imaginação a pensar quem realmente teria apanhado a fruta… Se alguém sabia nunca o tornou público, com medo de represálias.
Sessenta anos depois, estava eu no meu trabalho e entrou um cliente para comprar vinho: era um sobralense que já não vive no Sobral há muitos anos e que naturalmente me cumprimentou. E como conversa puxa conversa, veio à baila a acção desse Presidente por ser tão ditador e não respeitar os seus munícipes. “Ainda não serias nascida, mas deves-te lembrar de ouvir falar do caso das ameixas” - disse-me ele. Sim, lembrava-me perfeitamente de ouvir falar, mas nunca se soube quem as teria “roubado”. Este roubado está entre aspas porque nunca foi considerado um roubo, só a maldade dos homens o considerou: as ameixas estavam num espaço aberto, seriam da população, e ainda por cima a maior quantidade caía no chão de madura. Contou-me então esse Sobralense que ele e mais uns outros, na altura garotos de treze e catorze anos, se lembraram de apanhar as ameixas nessa noite. Fiquei estupefacta… foram precisos tantos anos para que eu soubesse o que realmente se tinha passado e penso que muita gente, inclusivamente os da minha família, morreram sem saber a verdade dos factos.
Lembrei-me então da fábula do lobo e do cordeiro, em que o lobo acusou o cordeiro de lhe turvar a água. Como podia ser, se o lobo é que estava mais perto da nascente, disse o lobo: “Se não foste tu foi o teu pai!” E assim o lobo teve justificação para cometer a carnificina, e comer o pobre do cordeiro. No Sobral passou-se o mesmo: os pobres inocentes
cordeiros sofreram com a prepotência de um Presidente, culpando-os e multando-os por um acto que até poderia ter algo de grotesco, e de que se fez uma tragédia.
Este Senhor fez durante muitos anos o papel de lobo e tinha a seu lado “carneiros” dispostos a acusar os pobres dos cordeiros. Assim se viveu no Sobral sobre uma ditadura “presidencial”.

Maria Alexandrina

9 comentários:

  1. O meu marido foi um dos miúdos que comeu dessas ameixas. Não sei se foi dessa vez ou doutra qualquer. Não pagou multa mas foi presente ao posto da G.N.R. para ouvir um ralhete.
    Manuela

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  2. Eh, eh, eh, é curioso como no fim de tantos anos se vão descobrindo as "carecas todas". A pouco e pouco vão de certo aparecer outros "grandes ladrões" das ameixas ...
    O pobre do Afonso Flor é que pagou as favas todas, mas teve as suas manas que felizmente olharam por ele.Uma graça de garotos que serviu de motivo para mostrar a prepotência e abuso de poder de um ser humano completamente desprovido de sentido de humor. Até porque a praçaé pública!
    Mas infelizmente continuam a haver por aí fora muitos "Afonsos Flor". A prepotência nunca acabará ... uns serão sempre os "usufrutuários" e outros os "espezinhados".
    Obrigada amiga Alexandrina por mais este trexo tão caricato ...
    Beijinhos da
    Lourdes.

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  3. Este texto mostra-nos, como bem diz a Lourdes, até que ponto pode ir “a prepotência e abuso de poder de um ser humano…”quando, digo eu, as condições sociais e políticas convidam à prepotência e ao abuso de poder. Era o que na época acontecia, e bom será que estejamos atentos para impedir que o mesmo estado de coisas regresse. Sem querer ser alarmista, vai havendo entre nós sinais preocupantes, por enquanto dispersos, isolados, esperemos que não alastrem.

    Mas precisamente por isso não chamaria “caricato” ao acontecido: a vítima não deve ter achado nada cómica a situação em que foi colocado, a que lhe acrescentou, de sua autoria, com grande personalidade e respeito por si próprio, o recusar-se a pagar a multa, preferindo a prisão a aviltar-se a reconhecer o poder ilegítimo de quem o ofendia. Fazem falta pessoas assim.

    Curioso, mas triste, é que há dias ouvi alguém do Sobral contar esta mesma “história das ameixas”, mas sem o verdadeiro e revoltante enquadramento que ela teve, e que agora a Alexandrina bem situa. É sempre importante reavivarmos a nossa memória, que tão curta se diz ser!...

    Auzendo

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  4. Pois foi assim:este Sr. presidente foi um ditador, mas como ele houve e vai continuar a haver muitos, que impotentes perante certas capacidades que não têm, não esitam em servir-se de certa autoridade que possuem para humilhar aqueles que não têm poderes para se defenderem.Há por aí muitos meninos que nasceram ricos e esses então são uns verdadeiros lobos porque nasceram num berço de ouro e não sabem o que sáo deficuldades, e quando as têm são os outros que sofrem eles é que não podem sofrer. Mas foi e será sempre assim.Como não podemos mudar o mundo temos que continuar a viver nele.

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  5. Obrigada, Alexandrina, por mais esta referência à nossa terra. Julgo que te referes ao tirano quebra bilhas (desconheço a origem do nome) , será apelido ou alcunha ? Lembro-me de ouvir falar dele cá em casa e de alguém referir que a minha mãe foi das pessoas que lá intercedeu na cadeia para que " a rapaziada " fosse solta.De tiranos e ditadores está o mundo cheio. É preciso desmascará-los e fazer-lhes frente no dia a dia, sem medo e com firmeza, em qualquer lugar e em qualquer tempo. No fundo, ser cidadão de todas as horas.
    Mais uma vez te agradeço esta tua dedicação.Um forte abraço.
    Izabel Pacheco.

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    1. Amiguinha obrigada pelo teu comentário e quero esclarecer-te e a quem tenha tido a mesma dúvida.
      O Senhor Administrador do Concelho a quem me refiro é Zeferino da Silva, de alcunha o Quebra-Bilhas, esta alcunha não sei de onde deriva, talvez por alguma bilha que tenha quebrado,mas o que quebrou durante os muitos anos que governou este concelho, foi o seu desenvolvimento, e a liberdade das pessoas.
      Não foi para esconder que não disse o nome, não me surgiu ao carregar das teclas, foi uma distração, mas acho mesmo que os nomes quer para o bem ou o mal devem ser ditos... quando se diz a verdade
      Maria Alexandrina

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  6. Sobralense emprestado.6 de junho de 2015 às 10:19

    O Presidente da Câmara era ao tempo o Dr Sucena Paiva. Havia os dois cargos Presidente da Câmara e Administrador do concelho o Zeferino da Silva era Administrador do concelho. Houve umas eleições para a Assembleia Nacional e a UN perdeu e foram anulados os resultados do Sobral. O Zeferino disse ao Sucena Paiva que tinham que se demitir e ambos fizeram as cartas de demissão e meteram-nas no correio. Mas o Zeferino preparou um envelope igual devidamente selado e foi levantar a dele antes de ser expedida. Assim ficou em funções de Administrador do concelho e acabou por ser noemeado também Presidente da Câmara por ter sido aceite a demissão doSucena Paiva.Por isso é que na revista Sobral por um Óculo quem o representava dizia ser oportunista... Assim se caracterizaram: Joaquim Cruz ( Fui um artista ) Franco (Eu fui Fadista) Sucena Paiva (Fui comodista) Zeferino da Silva ( Fui oportunista ) Compere: muito bem. muito bem pra que servem afinal? Cruz- Fazer esgotos. Franco- Comprar pópó. Zeferino- Caçar marotos. Sucena Paiva - Fazer ó ó.. Anda por aí muita história mal contada....

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    1. Maria Alexandrina Reto8 de junho de 2015 às 12:43

      Amigo Sobralense emprestado temos algo em comum, eu costumo dizer que vivo numa terra emprestada, mas há poucos dias descobri através de um amigo, que também vive em terra que náo é a dele, que afinal somos importados.
      O meu erro entre Administrador e Presidente deu aso a que o meu amigo se dignásse escrever e assim quem não sabia ficou a saber que o Zeferino da Silva além de ditador, também era oportunista.
      Na resposta a um comentário eu referi o Senhor Zeferino da Silva como Administrador do Concelho e como o amigo que tanto sabe, também deve saber de que eu não era nascida na altura desta história, conto o que ouvi contar, e nunca o nome do Dr. Sucena Paiva, que foi mais tarde meu chefe, foi falado. A história é verdadeira contada por quem a viveu, por isso a minha verdade, não é menos verdade do que a sua. No entanto e a um grupo de textos que escrevi sobre o Sobral eu intitulei-os de o "Sobral visto por mim", por si pode ter outra visão, mas nunca mentiras, foram histórias todas ouvidas aos serões em minha casa com vizinhos e familiares. Também acredito que há por aí muitas histórias mal contadas...até por aqueles que julgam que são eles os donos da verdade.
      Maria Alexandrina.

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  7. Sobralense importado9 de junho de 2015 às 07:19

    Agradeço-lhe, Alexandrina, por me ter alertado para o comentário deste “Sobralense emprestado”. E aquilo que primeiro me ocorre é que o homenzinho se enganou, escreveu um “r” a mais, pois devia querer dizer “sobralense empestado”, que é o que ele deve ser, uma pestezinha caricata e nada mais. Anda de facto por aí muita história mal contada, muita história escondida a ver se esquece, muito sabichão de trazer por casa que, em vez de dar claramente a sua opinião, a sua versão de um facto ou acontecimento, se preocupa mas é em tentar denegrir aqueles que, de forma humilde mas frontalmente, dão testemunho das suas experiências.

    Dito isto, acho que dizer mais era dar importância maior a quem a não tem, a quem nem sequer tem cara … para dar a cara. Deixemo-lo com a sua eterna verdade, não deve ter sido por acaso que ele pôs na boca do outro “fui oportunista”. Os oportunistas não perdem uma oportunidade para mostrarem que o são. Escondidos…

    José Auzendo

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