VISITANTES

sábado, 15 de junho de 2013

Uma pasteleira… e o seu dono

Um dia, um minhoto de Braga decidiu descer à “mourama” e cá ficou…Constituiu família, casou com a Dª. Ana, uma pessoa de uma simpatia extraordinária e tiveram dois filhos, o José Fernando e a Maria Olinda, meus antigos vizinhos e meus amigos. Viveu no Sobral até à sua morte já por volta dos noventa anos. Foi director dos Bombeiros Voluntários, da Adega Cooperativa do Sobral e da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Sobral.

Não esquecendo nunca as suas raízes, ele foi um “Sobralense” activo e interveniente. Quem não conhecia o Sr. Fernando Vaz (Fernando da Loja Nova) e o gosto que tinha pelo ciclismo, desporto que tinha praticado em jovem?
Todos os dias ia tratar dos seus cães de caça, ele que era também um caçador, e era a sua bicicleta o seu meio de transporte preferido. Com um ou dois “caldeiros” com comida no quadro da bicicleta, lá ia pedalando de um extremo ao outro da vila, subindo a Avenida Marquês de Pombal, sem se levantar do selim, com uma mão no guiador a outra a segurar a “carga”: todas as pessoas da Vila o constatavam, muitos e muitos anos.
Embora tivesse uma carrinha, a sua bicicleta é que servia para todos os serviços. O Sr. Fernando Vaz, quando montava a sua “pasteleira”, era tão feliz como se ela tivesse o conforto de um luxuoso automóvel… Foi do Sobral a Braga de bicicleta, não sei quantos dias levou, mas sei que chegou ao destino sem problemas…
Também sei que em jovem participou numa prova de ciclismo e chegou em primeiro lugar, foi muito aplaudido, mas não quis os louros do que não merecia e teve a honradez de dizer: “ Desculpem mas cheguei primeiro porque me enganei no percurso e fiz menos quilómetros do que os meus companheiros”. Ninguém tinha dado por isso, mas para o Sr. Fernando foi melhor a honestidade do que os louros. Homens destes fazem falta neste País.
No ano de 1995, a 57ª. Volta a Portugal em Bicicleta passou na nossa vila, e quem passou a meta em primeiro lugar e foi muito aplaudido pelo público presente foi o Senhor Fernando, como noticia o Jornal “A Bola” de 1 de Agosto daquele ano. E passo a transcrevê-la na íntegra:
A primeira fuga desta 57ª. Volta a Portugal em Bicicleta, que percorre metade do
A Bola (01/08/1995)
país, aconteceu em Sobral de Monte Agraço. Andava pela hora do almoço e, quando o povo esperava ansioso a passagem dos antropocicletas (que já todos sabem é um animal mítico, metade homem, metade bicicleta), para, depois, ir almoçar descansado, surgiu o homem que atacou antes do almoço. Rapidíssimo, apareceu na frente, antes mesmo das uivantes motos da polícia e passou pelos aplausos da assistência, indiferente, como se nada fosse com ele. Na realidade, a sua corrida era outra, pois carregava no quadro do velocípede – um legítimo modelo “pasteleira com volante de ciclista”, com selim anatómico de couro e argolas e travões de chiadeira- uma saca de batatas que dava para alimentar uma casa de família durante várias revoluções. O “batacicleta” de Sobral de Monte Agraço passou curvado, com uma mão no guiador e outra amparando o almoço, mas cheio de dignidade. Para ele não eram precisos estafetas abrindo caminho, nem sirenes estridentes, era a voz do estômago, o dramático e pungente rosnar das entranhas que o guiavam e lhe davam preferência sobre o pelotão destas e de todas as Voltas”.
Uma história que ficou da 57ª. Volta a Portugal em Bicicleta, e que um jornalista atento passou para o papel…O primeiro fugitivo surgiu na meta com um saco de batatas.

Maria Alexandrina

5 comentários:

  1. Um dia, um minhoto de “Biana” decidiu descer à “mourama” e cá ficou. Não é caçador, nem veio de bicicleta, e esses são só dois pontos em que se afasta do bracarense da história. Pior é que este minhoto vianense pensou, até à leitura deste texto, que o Sobral de Monte Agraço só tinha passado a andar nas bocas do mundo, o mesmo é dizer da comunicação social, depois do (talvez) não muito simpático anúncio, ou lá o que foi, do “parque infantil”!...

    Afinal, vai-se a ver, e fica-se a saber que, já há umas boas décadas, um prestimoso jornal de circulação nacional tinha escrito sobre gente desta terra, tendo até cunhado, para o efeito, uma palavra nova, digna de um Mia Couto pouco inspirado - batacleta. O que neste blogue se aprende … Ou recorda, para quem o viveu!

    Auzendo

    ResponderEliminar
  2. Bem-haja amiga Alexandrina pela forma generosa com que partilha com os outros recordações do seu "Baú de Memórias". São histórias engraçadas que por vezes nos ensinam muito, principalmente quando nos mostram que a humildade é uma Virtude que nem todos a possuem ou compreendem.
    Faço minhas as palavras do último parágrafo do comentário do Auzendo, fazendo apenas uma pequena rectificação: "Batacicleta" e não "Batacleta".
    Um beijinho da
    Lourdes.

    ResponderEliminar
    Respostas

    1. Obrigado, Lourdes, pela citação. E pela correcção, claro, por causa dessa é que estou a responder. Errar é próprio do homem (espero que da mulher também...) e "corrigir os que erram" é uma obra de misericórdia. Mais concretamente, se outra vez não erro, a terceira das sete "obras de misericórdia" espirituais, segundo o Catecismo de Pio X.

      Auzendo

      Eliminar
  3. Conheci o Sr. Fernando Vaz a subir a Avenida Marquês de Pombal na sua inseparável bicicleta a caminho da sua casa granítica a norte da vila, como o recorda, ou de visita à sua loja, e tinha a convicção que era natural de Montalegre. Pelo que aqui leio estava errado. Grato pela recordação.

    ResponderEliminar
  4. São sempre interessantes estas suas recordações que nos dão para recordar tempos passados e dificies. Obrigada por ter a paciéncia de partilhar.
    Adelaide

    ResponderEliminar