VISITANTES

sexta-feira, 30 de março de 2012

“Cinema Paraíso” ou o paraíso do cinema

                                                                
                     O meu padrinho era porteiro do Cine-teatro do Sobral. Desde muito nova, sempre que havia cinema, lá estava eu na linha da frente. Quem já viu o filme “Cinema Paraíso” pode avaliar como era o cinema do Sobral nas décadas de 40 e 50 do século passado. Muitas vezes a casa enchia, dependia dos filmes que passavam mas, normalmente, era muito frequentado; só se exibiam filmes ao domingo à noite, às vinte e uma horas. A sessão tinha dois intervalos e terminava cerca das vinte e quatro horas: começava com documentários de actualidades, nacionais e internacionais, e com um pequeno filme de desenhos animados da Walt Disney, seguindo-se o filme principal anunciado.
                    Não havia grande variedade de entretenimento. O cinema era frequentado por pessoas de todas as classes sociais, se bem que bem separadas na sala. O “Balcão”, com cadeiras estofadas, era o lugar preferido dos intelectuais e abastados; a “Plateia” de trás até meio era para o Povo: entusiastas do cinema, cinéfilos, apreciavam ver o filme mais à distância, de mais longe; a partir do meio da “Plateia” para a frente, os bilhetes eram mais baratos, era o lugar dos jovens das aldeias vizinhas da Vila. Para a “alta sociedade,” geralmente pessoas que exerciam cargos públicos de maior relevo no Concelho, estavam reservados os camarotes, havia dois, um em cada parede lateral, com cinco cadeiras cada.
                    Durante as sessões, chorava-se com os filmes dramáticos e ria-se com os filmes cómicos. Na altura, estavam em voga os filmes neo-realistas, especialmente italianos, com realizadores famosos como Rossellini, com grandes actores e grandes actrizes como Vitorio de Sica, Antony Quinn e Ana Magnani. Os  de maior audiência eram os portugueses: além do mais, o povo era analfabeto e os filmes estrangeiros eram legendados. Eram também frequentes os filmes americanos de índios e “cowboys”, que valorizavam o sonho americano de desenvolvimento do país, a conquista do Oeste, o Far west, mas menosprezavam aqueles que, de direito e de facto, eram os verdadeiros e originários donos da terra, os nativos.
                    Eu ia a todos, tinha essa liberdade, desde os meus seis anos até aos onze. Dos “ filmes de índios não gostava nada: eles, os índios, eram tão maus... Era esta a imagem que me era transmitida pelos filmes, e eu não tinha capacidade para compreender, para distinguir a ficção da realidade. Quando tinha onze anos, as coisas mudaram: a lei proibiu que menores de 12 anos assistissem a filmes…para adultos, entre outras restrições. Aos poucos, foram-se verificando quebras na audiência e nas receitas e, com o tempo, veio a decadência do próprio cinema. Já maior de idade, ainda assisti a grandes filmes - Ben-Hur, A Queda do Império Romano, Os Dez Mandamentos…com actores famosos como Sofia Loren, Mel Ferrer, Alan Delon…
                    Na década de 60, o cinema começou a servir de salão de baile, sendo a pista de dança na Plateia, para o que se retiravam cadeiras; no palco, exibiam-se as orquestras. Um belo dia, constou que o cinema ia ser transformado em armazém: revoltaram-se as gentes da Vila e, uma manhã, o Sobral acordou com as ruas pintadas de branco… Os sobralenses tomaram conta do cinema e entregaram-no aos Bombeiros Voluntários, mas estes, anos mais tarde, viram-se forçados a fechar o edifício e, depois, a vendê-lo ao Município, que o modernizou e agora o gere.

Maria Alexandrina










5 comentários:

  1. Agradeço ao Professor Auzendo o seu auxílio na construção e na revisão deste texto.
    Maria Alexandrina

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pode parecer mentira e, mesmo que não pareça, ninguém vai acreditar em mim, mas a verdade é que só hoje, dia 4.4, às 16,30, li este comentário, que verdadeiramente não o é.

      Não tem de quê, devo responder. E, já agora, se alguém "auxiliou" a D. Alexandrina, não foi o "Professor Auzendo", que este assunto não se "deu" nas aulas; foi, e com muito gosto, o seu amigo (dela) Auzendo. Permita-se-me que acrescente, já agora, que esta colaboração engrandece mais quem a pede do que quem a presta. E ainda mais quem a torna pública.

      José Auzendo

      Eliminar
  2. Amiga Alexandrina
    Sei que nasceu, cresceu e sempre viveu aqui no Sobral, mas foi graças a esse sedentarismo que conseguiu acompanhar a evolução desta terra. Graças à sua curiosidade e interesse natural, guardou na memória factos e situações que lhe permitem contar agora aos seus conterrâneos, a história real e verdadeira deste edifício.
    Desde há cerca de 5 décadas que estou ligada ao Sobral e sempre ouvi referirem-se ao Cinema como um edifício importante, que teve uns tempos áureos, mas que depois entrou em decadência. Mas nunca consegui saber a sua verbadeira evolução. Louvo a sua memória, disponibilidade e interesse em levantar a "ponta do véu" que envolvia todo este edifício. Só desta forma, não deixando cair no esquecimento esta história, e quem sabe, tantas outras que ainda não vieram à baila, as memórias desta terra continuarão a ser lembradas e transmitidas às gerações mais novas. É preciso não as deixar morrer, pela inércia de quem guarda para si os "segredos".
    Seria bom que quem tem guardado consigo memórias desta natureza, viesse partilhar connosco, pois esta terra acolhedora merece que os seus habitantes a venerem.
    Um abraço
    Lourdes Henriques

    ResponderEliminar
  3. Mesmo vivendo em Lisboa, as minhas idas ao cinema, na infância, eram também dias de festa: dois filmes, um de cowboys ou Índios, sempre o Bucha e Estica e com direito a chupa-chupa - as pipocas ainda não tinham sido “inventadas”! Normalmente ia com os meus tios ao cinema – os meus pais preferiam o teatro – e eu, com 7, 8 anos, lá andava a reboque dos gostos familiares, mas o facto é que fiquei fã de cinema e de teatro. De tal maneira que, agora posso dizê-lo, faltei algumas vezes às aulas – sem conhecimento dos pais, é bom de ver - para ir ao cinema: as matinés eram às 15 horas, logo tinha que optar. A primeira vez que faltei às aulas foi para ver a “Sissi”, no Cinema Promotora, que ficava perto do liceu; perto de casa tinha o Cinema Restelo e o Salão Portugal, logo, em matéria de filmes, estava sempre actualizada.

    Não sabia a história do Cine-Teatro do Sobral, entrei uma única vez no edifício “antigo”, antes das obras, onde ao serão, antes das festas de Verão, algumas senhoras sobralenses se juntavam para fazer as flores de papel com que enfeitavam as ruas do Sobral – espero que alguma sobralense se lembre de contar a história desses serões.

    Agora que está remodelado, agora que temos uma bela sala de espectáculos, será que os sobralenses desistiram do seu Cine-Teatro? Abre em média três fins-de-semana por mês e, quando abre, salvo raríssimas excepções, está vazio, com meia dúzia de espectadores, correndo o risco de, em breve, se voltar a converter em … armazém de teias de aranha. Se tal acontecer, voltarão os sobralenses a pintar as ruas de branco?...

    Inês Bexiga

    ResponderEliminar
  4. Gostei dos textos anteriores acerca do Cine-teatro. Eu, como Sobralense, também lamento que as teias de aranhas voltem devido à falta de interesse das pessoas. Ainda recordo a primeira pedra lançada para a sua construção: isto faz criar amor às coisas e, quando as vemos morrer, sofremos.

    Passei muitas horas naquela casa. Recordo os bons serões que lá vivemos, as peças que fizemos...Transformámos o vestíbulo do primeiro andar em sala para fazermos o guarda roupa da peça o Marquez de Fafe: foi um grupo de pessoas sob a orientação de Guilhermino Reto, marido da Alexandrina, grande alfaiate da minha terra. Muito ralhava ele, por vezes desmanchava tudo, e lá vinha alguma palavra mais imprópria, que ele é nortenho, mas dita por ele não nos ofendia. Foi uma pena aquela roupa ter desaparecido. Eu fiz um fato de Homem e todas as cartolas que, enquanto estiveram em meu poder, estavam impecáveis. Agora desapareceram.

    Não quero o meu nome em nenhuma rua, mas trabalhei muito para aquela casa. Até a cortina de cena foi feita por nós, metros e metros de costura feitos no salão do Bem-bom... Hoje ninguém trabalha de graça (só no Sobral Sénior, já me esquecia).

    É a nós, Sobralenses, amigos do teatro, do cinema, da música, das canções, que compete não deixar as teias de aranha voltarem à nossa sala de espectáculos (onde actuaria o Coro?). Os autarcas têm que dar o exemplo, raramente lá os vejo e vou lá muitas vezes.

    Lisete Corado

    ResponderEliminar