VISITANTES

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Conversas comigo mesmo, em jeito de resposta


Conversemos...

O prometido é devido e aqui vou escrever o que me ocorreu ao ler um comentário de alguém da minha idade e que achei demasiado velho … Talvez eu possa contribuir para, pelo menos enquanto me lê, se sentir mais na idade que tem e não ver a vida só pelo seu lado mau.

Fui a oitava e última filha dos meus pais, e a quem os meus tios/padrinhos acharam uma “gracinha” trazer para casa deles…como se de um bébé deles se tratasse, eles que não tinham
nenhum. O que começou por ser uma “graça” por pouco tempo, foi-se prolongando até sempre…Não foi um infância rica, mas foi uma rica infância, fui amada e mimada. Não o fizeram por serem tementes a Deus, que não eram, mas por terem muito amor para dar. Mas eu tinha pais e irmãos e, embora os visitasse, de uma certa forma fomos afastados.

Dos dois irmãos que me restam o mais velho, Dimas, hoje com 78 anos, teve este Inverno uma pneumonia, e eu fui diversas vezes vê-lo, e houve uma tarde que destinei só para ele. Quando nos encontramos não costumamos encostar a cara, aquilo a que agora chamam beijos: nós abraçamo-nos carinhosamente e permanecemos agarradinhos por um tempo, como a matar saudades do que não fizemos na nossa meninice, e nutrimos ambos uma fraternal amizade, ele pela sua irmã mais nova e eu pelo respeito a um irmão mais velho.

Nessa tarde conversámos sozinhos umas horas e falámos da nossa infância separada, dos pais e de muitas coisas a que eu assisti e outras de que só sabia por ouvir falar. A infância deles (meus irmãos) nada teve a ver com a minha; eles desde muito novos tiveram que trabalhar no duro; e pancada, na altura muito habitual, também não lhes faltou. O meu pai Matias era rígido na educação dos filhos, queria-os educados e submissos.


Os brinquedos que tinham eram feitos de cana e arame, as piteiras também serviam para brincar: eles, tal com as crianças dos “esteiros”, “foram homens sem nunca terem sido meninos”. Para o meu irmão Dimas, a vida foi-lhe muitas vezes madrasta, mas na sua

“pasteleira” ele, jovem casadoiro, cantava rua abaixo e rua acima e nela ia para os bailes, e conta que passava por meio de matas de madrugada, bem longe da sua terra e por caminhos escuros, sem qualquer iluminação além da luz da lua, o que às vezes era assustador. Com a sua natural tendência para imaginar, contou-me, nessa tarde, que uma certa noite passou por um grupo de raparigas, que também vinham do baile, a pé. A escuridão era tanta que quando chegou a casa é que se apercebeu de que tinha passado pelo meio do grupo e trazia uma cachopa no guiador da bicicleta…

Este é o espírito de um homem que, com quase oitenta anos, que deixou de trabalhar por conta de outrem, há dois meses atrás, e que em rapaz casou com uma rapariga mais nova do que ele oito anos, de quem teve um filho. E pensava ele tê-la por companheira até ao fim da sua vida, infelizmente tal não aconteceu e, devido a doença prolongada, bem cedo o deixou.
Como se pode ver, os “desencontros” da vida não fazem estragos em todos, há que ter sentido de humor e o meu irmão, com a sua idade e os seus achaques, ama a vida e tudo o que o rodeia, nunca se deixou abater…Quando até aos setenta anos não conseguimos ultrapassar os nossos traumas de infância, corremos o risco de nos tornarmos uns velhos… rabugentos e amargos.

Roubei o título deste texto ao título do último livro de Nelson Mandela, um homem que é o exemplo máximo do que acabo de escrever.


Maria Alexandrina

7 comentários:

  1. Amiga Alexandrina
    Gostei muito deste seu texto sobre a idade e o bom humor.
    De facto, quem consegue "sobreviver e ultrapassar" os traumas de infância de uma forma positiva, é bem mais feliz do que as pessoas que vivem constantemente agarradas às vivências negatias do passado. Essas pessoas, não só não conseguem ser felizes como também não fazem felizes os que os cercam. Sei perfeitamente que ninguém tem culpa de ser como é, mas às vezes, com um pequeno esforço e sentido de humor, consegue-se equilibrar "a balança" e sermos um pouco mais felizes, menos amargos e mais tolerantes.
    E sei do que estou a falar ...
    Quanto a si foi uma vivência feliz mas que nunca a desligou dos seus irmãos.
    A "voz do sangue" é muito forte ...
    Parabéns por reconhecer que, de certa forma, foi mais beneficiada pelo destino, mas isso não a impediu de manter os seus laços fraternos. É muito bonito esse vosso relacionamente de irmãos, que apesar de viverem afastados, nunca se separaram das vossas raízes.
    Um beijinhos da
    Lourdes.

    ResponderEliminar
  2. Congratulo-me com a “coincidência” (entre aspas porque creio que não foi, mesmo, coincidência, acaso), congratulo-me, repito, com o achado que foi este texto, citando Nelson Mandela, ter saído no Blogue logo no dia em que Madiba faz 95 anos. E logo no dia em que uma das filhas dele informa o Mundo de que o pai está francamente melhor: “o cavalheiro está de volta” disse ela. E logo no dia em que o Mundo, por iniciativa da ONU e a pedido de Nelson Mandela, consagra este dia à tarefa de fazermos algo – durante 67 minutos – para tornarmos este Mundo um pouco melhor… Logo no dia em que até o Rossio, em Lisboa, se chama “Praça Nelson Mandela”.

    No livro que a Alexandrina cita, Mandela escreveu, aos 93 anos, há dois portanto: "Uma coisa que me preocupava profundamente na prisão era a imagem falsa que eu, inadvertidamente, projectei para o mundo: era ser considerado um santo … Nunca fui um santo, mesmo se baseado na definição terrena de um santo como um pecador que continua tentando".

    Continuou tentando, e conseguiu. E continua.

    Auzendo, 18.07.2013

    ResponderEliminar
  3. Mais um belo texto da amiga Alexandrina, belo pelos sentimentos que pairam sobre estas recordações, tanto pela feliz coincidência(ou será que não foi?) da data de publicação e que, que outros já referiram.
    Afinal, com as devidas distâncias todos se quisermos podemos dar eco ao desejo desse Grande símbolo de tolerância e humanismo que são o legado de MANDIBA.
    Aproveitando junto a minha voz para me congratular com o ter vivido numa época que me permitiu ser contemporâneo desse Grande Homem Nelson Mandela.

    ResponderEliminar
  4. È um privilégio ser contemporâneo de certas grandes personalidades, mulheres e homens que se distinguiram nas mais diversas áreas, mas principalmente na luta pelos direitos humanos,e Nelson Mandela foi um marco, por isso mesmo quando morrer fisicamente...será eternamente lembrado. Parabéns

    Maria Alexandrina

    ResponderEliminar
  5. Cara Maria Alexandrina!

    Há uma citação de Martha Medeiros que eu queria ter incluído no meu comentário e escapou-me, mas agora aqui vai:

    "Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música e quem não acha graça de si mesmo."

    É para si... é a maneira que tenho de lhe mostrar o meu apreço!

    Joaquim Almeida

    ResponderEliminar
  6. Meu caro Joaquim Almeida percebo que é uma pessoa muito culta e lisonjeia-me ao apreciar o que escrevo... eu quando escrevo, apenas tento dar a conhecer aos outros as minhas vivências e os meus sentimentos.
    Faço votos que volte ao blogue, porque neste texto eu devia ter escrito a seguir ao título - Parte 1 - o que eu quero dizer é que se vai seguir uma segunda parte, desta vez, mais sobre mim.Terei todo o gosto que o leia e o comente.
    Gostei da sua citação,como deve ter reparado cito muito pouco, uso mais frases minhas, e por isso os meus textos e comentários, são francamente pobres, mas cada um faz o que pode e o que sabe.
    Leio bastante, gosto de ouvir música, não me acho muito engraçada, mas gosto de mim... viajo pouco, não por falta de vontade, mas como o sabe o dinheiro é pouco para se viver o dia a dia,e não há sobras, mas como já disse: tento compensar de outra forma esta lacuna e assim
    evitar uma ignorância completa.

    Maria Alexandrina

    ResponderEliminar
  7. Bom dia cara Maria Alexandrina!

    Sim, irei ler com todo o gosto o que a Senhora vai escrever.
    No meu entender, penso que, por vezes não é fácil escrever sobre nós mesmos.... e só pessoas corajosas o fazem, pelo que, desde já, a felicito .
    Os meus parabéns pela sua força!

    E, por hoje termino com uma citação de Richard Bach

    "O laço que une sua família verdadeira não é de sangue, mas de respeito e alegria pela vida um do outro.
    Raramente os membros de uma família se criam sob o mesmo tecto."

    Desejo-lhe um bom fim de semana para a Senhora e para sua família!

    Joaquim Almeida


    ResponderEliminar