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sábado, 27 de julho de 2013

Alfaiate: uma profissão em vias de extinção

Fonte: http://www.escolademodalacorte.wordpress.com
Na minha meninice e adolescência havia no Sobral três alfaiates na Rua Miguel Bombarda - a Alfaiataria Camelo, a Alfaiataria Amaral e a Alfaiataria Flor, e ainda mais um na Rua França Borges, o Senhor José da Arruda, que por acaso se chamava Pascoal, e que por essa altura, fazia principalmente capas alentejanas.
Todos eles tinham sido bons profissionais, mas nessa altura já o Senhor Camelo se encontrava em decadência, o Senhor Amaral ainda tinha ao serviço algumas costureiras, mas poucas. Quem estava no auge da carreira era o Senhor Artur Flor, por ser bastante mais novo: tinha mais trabalho e um maior grupo de costureiras ao seu serviço. Eu já tinha destinada uma cadeira na sua alfaiataria, por ele ser irmão do meu padrinho, e aos doze anos lá fui eu ocupá-la. Assim me vi a aprender a costurar, o que não me agradava nada, não era essa a minha vocação. Era então aquilo a que chamavam de aprendiza, e durante um ano não ganhei nada, parece que ainda dava prejuízo ao patrão. Uma das minhas funções era “arranjar” os ferros de engomar, de hora a hora: tinha que sacudir a cinza, pôr carvão e manter o ferro quente. O “monstruzinho” pesava cerca de cinco quilos, e eu tinha que o levantar da mesa, que era mais
alta do que eu, pegar nele, passar um corredor, descer uma escada, atravessar um pátio, e por fim lá estava eu na “casa velha”, onde tinha que me mascarrar toda com o carvão e levantar o ferro quente no ar, para sacudir a cinza através de um orifício que ele tinha atrás. E eu era um pouco desastrada, também não tinha muita força para o erguer e o resultado era andar sempre com as mãos e os braços cheios de queimaduras.
Em meados dos anos cinquenta apareceu um novo alfaiate na vila, o Senhor Albano Henriques, com uma forma nova de trabalhar … E depressa ficou bem afreguesado. Com muito que fazer e com ideias mais modernas, decidiu admitir, para além das empregadas, um oficial para o ajudar: para o contratar mandou colocar um anúncio num jornal.

Tendo vindo de Barcelos como aprendiz de alfaiate, um rapaz ainda menino, veio morar com a família para Lisboa, e aí completou a sua aprendizagem nos diversos alfaiates onde trabalhou. Um dia pega no jornal e lê um anúncio sobre o pedido de um oficial para uma alfaiataria para a província, com comida, cama e roupa lavada; decide responder e, entre os seus pares, ele foi o escolhido. Chega ao Sobral, em 1956, Guilhermino Reto que, com 16 anos, teve o arrojo de tomar conta de uma alfaiataria onde trabalhavam umas sete ou oito raparigas. O patrão limitava-se ao corte e às provas. Com o declínio da alfaiataria e porque quis mudar de
profissão, o Senhor Artur Flor, onde eu trabalhava, fechou a loja e eu fui pedir emprego ao Senhor Albano … Passei a ter como chefe o Guilhermino que um tempo depois, virou meu namorado. Foi para a tropa e o Sr. Albano, que já não estava habituado a trabalhar sozinho, pôs a alfaiataria a trespasse e emigrou. Foi então a vez de o Senhor Raposo, que era alfaiate em Lisboa, tomar conta também desta alfaiataria, o que não resultou porque ele não tinha capacidade para estar em dois lados ao mesmo tempo. Pouca gente o conheceu.

O Guilhermino saiu da tropa e empregou-se em Lisboa, onde voltou a viver. No fim-de-semana costurávamos para alguns clientes que nos procuravam. Casámos e o agora meu marido continuou a trabalhar em Lisboa, para onde se deslocava todos os dias de comboio. O Senhor Raposo, ao saber do seu regresso, contratou-o para trabalhar para ele na alfaiataria do Sobral e, poucos meses depois, propôs-lhe o trespasse da loja. O Guilhermino Reto, em 1964, com 24 anos, tornou-se alfaiate por conta própria. Hoje, aos 73 anos, ainda continua no seu estabelecimento, sendo o comerciante mais velho no activo e único alfaiate. Depois dele quem se seguirá?
Maria Alexandrina

5 comentários:

  1. Excelente descrição da alfaiataria tradicional do Sobral. Gostava muito de fazer um curto documentário sobre o trabalho do Sr. Guilhermino Reto. Será que ele estaria disponível e disposto a isso? Obrigada!
    Filomena Sousa

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    1. Doutora Filomena muito obrigada pelo seu comentário e venho informá-la de que a partir de 2 de Setembro, o meu marido estará disponível para conversarem.
      Maria Alexandrina

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    2. Muito obrigada! Em Setembro entro em contacto.
      Filomena Sousa

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  2. Amiga Alexandrina
    Esta é realmente uma das profissões com tendência a acabar.
    O pronto a vestir e o fabrico em série chegaram para ficar, dando lugar a uma moda mais barata mas sem o cunho personalizado nem a perfeição do alfaiate tradicional.
    Também os meus padrinhos de baptismo trabalhavam como alfaiates e faziam os fatos para muitos membros da GNR, em Lisboa. Ele era empregado nos CTT mas sempre teve o gosto pela costura de fato de homem. A minha madrinha era doméstica, e nas horas em que não tinha a lida da casa, trabalhava colaborando com o meu padrinho. Isto durante várias décadas.
    Apesar de a Alexabdrina não gostar da profissão, foi nela que encontrou o seu Príncipe Encantado. Quanto mais não fosse, só por isso já valeu a contrariedade de ir trabalhar numa profissão que não gostava.
    "Deus escreve direito por linhas tortas", lá diz o ditado.
    E foi através de um caminho não desejado que encontrou o caminho da sua vida.
    Quanto à alfaiataria do seu marido, quem será que o seguirá?
    O futuro o dirá.
    Desejo que continue a ter sempre trabalho e clientes à altura e que encontre sem grande dificuldade um sucessor.
    Beijinho da amiga
    Lourdes

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  3. É algo muito inspirador, para um jovem como eu de 20 anos, que pretende seguir a Alfaiataria! Obrigado por tal texto!

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