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quinta-feira, 4 de abril de 2013

Terra dos Corações ao Alto



Em letras enormes, do tamanho do medo, da solidão e da angústia, um cartaz denuncia que um homem e uma mulher se encontraram (…) numa tarde de chuva, entre zunidos de conversa, e inventaram o amor (…), deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana”.
Talvez por estar a escrever perto do Dia Mundial da Poesia, apeteceu-me começar este texto com “A Invenção do Amor” de Daniel Filipe. (Entre parêntesis, um conselho urgente: se não conhece este poema, procure conhecer já, google-se, youtube-se.
De comum com o poema, o que aqui me traz tem … tem o quê? Tem pouco, e tem tudo. Tem um homem e uma mulher que inventaram um amor diferente, que deixaram cair dos ombros o fardo incómodo da … não da monotonia, mas do stress quotidiano, e propõem-se partilhar com os outros, com pais e filhos, sobretudo em atenção às crianças, mas também com adultos, ideias novas, mentira, ideias velhas como o mundo: a plena integração entre uns e outros, o crescer da imaginação, em absoluto desfrute da natureza… E não é na Floresta Negra, nem no Pantanal: é bem aqui ao lado, ao cimo de um monte sobralense, nos cumes de Pedralvo.
E têm nomes os nossos personagens e um filho cada: ele chama-se Augusto Gonçalves, 39 anos, nasceu em Lisboa, pouco estudou, é desempregado profissional, trabalha seis meses aqui e três ali, e é arquitecto, engenheiro, carpinteiro, pedreiro, pintor, cavador/agricultor, no projecto que estão desenvolvendo. Ela, Amélia Matos, 45 anos, nascida na Malveira, é licenciada em Geografia e Planeamento Regional, mas bancária de profissão, ajudante nas tarefas do companheiro, e alma aparente e dinamizadora das iniciativas. Fez um curso de um ano em Pedagogia Waldorf, de já há duas ou três experiências em Portugal.
Não vou alongar-me na descrição das iniciativas, pois eles têm uma página no Facebook (título deste texto), um blogue (1) - e editam um jornalinho, TCA Jornal, muito atractivo para os olhos e com artigos lindos de ler… Começaram aí por 2009, e têm feito coisas como (a)“Ateliers pais e filhos” de feltragem de lã, barro, de sementes e outros bens da natureza, pintura livre, e o que a
imaginação mais ditar; (b)) inventam peças de teatro com as crianças – “O raposinho”(2) foi uma delas; (c) fazem caminhadas breves que os levam até ao Forte de Alqueidão; (d) organizam sessões de meditação colectiva, em que põem um grupo de crianças numa sala fechada a verem e a descreverem golfinhos e outros peixes que elas “veem” no mar; (e) organizam sessões de sementeira e colheita de frutos na horta biológica que desenvolvem; (f) dão passeios na “floresta encantada” que (como “floresta” a sério, selvagem) procuram preservar…Para além disto, fazem ioga, reiki e não só, quando calha…
Ah! E não são, garantem, uma firma com fins lucrativos; a inscrição que se paga é a necessária para custear as despesas. E não querem trabalhar com grupos muito grandes: quando as inscrições atingem o número que consideram ideal para uma certa actividade … fecham as inscrições. E escrevem no Jornalinho de Março, dedicado à Páscoa, que buscam novos “hábitos, atitudes e modos de pensar, para nos tornarmos pessoas melhores, menos insensíveis diante da realidade actual (…)”… Nos tempos que correm, com crise ou sem ela, isto “não pode” existir… pois não? Não pode ser verdade. E então…
É tempo de terminar como comecei, com o poema, escrito em 1961, “A Invenção do Amor:também a estes dois … “é preciso encontrá-los antes que seja tarde/ antes que o exemplo frutifique/ antes que seja demasiado tarde/e a memória da infância nos jardins escondidos/acorde a tolerância no coração das pessoas”.

(1) Se consultar o blogue, não se fique pela leitura daquilo que lhe aparece: clique em cada um dos items…
(2)“Nesta história, os personagens são elementos da natureza e um animal da floresta. O conteúdo da peça sensibiliza, de forma fantasiosa, simples e alegre, para a importância de elementos como o Sol, a Lua, a Chuva, o Vento, e de valores como a amizade e a força da conexão interior, do sonho, e do acreditar” – do Blogue.

José Auzendo

9 comentários:

  1. Isto não é um comentário, é um complemento ao que escrevi: é que, entretanto, já saiu mais uma edição do Jornal TCA, e foi anunciada (clic em Blogue no 5º § acima) uma actividade para adultos: é um atelier de feltragem de lã de merino, no dia 14 de Abril.

    Auzendo

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  2. Amigo Auzendo
    Gosto desta postagem, é do meu" estilo" ! Entre o sonho e a realidade....verdades que parecem mentiras e mentiras que passam a ser verdades ! O encanto dos enamorados....se forem proibidos aumenta o fascínio....a verdade é que no Sobral há historias lindas, verdadeiras e com imaginação" acrobata"!Tenho que ir ver a fundo essa "lição"...sim porque saber viver nesta constante desabar de margens...e construir um mundo novo é um milagre
    que toda a gente sonha....
    Um abraço
    Luisa

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  3. Ao ler este artigo senti uma paz interior tão grande, como se o meu coração estivesse na tal Terra dos Corações ao Alto. Gosto de todos os textos que o professor Auzendo nos costuma trazer, mas o trabalho destes jovens, por ser diferente, apaixonante, cativou-me, e acho mesmo que o casal “inventou o amor”. Ponham cartazes, avisem as autoridades, porque é urgente dar a conhecer a todos esta nova forma de amar.


    Faltam às nossas crianças conhecimentos práticos...Usando a sua capacidade de imaginar, e ligá-la ao meio ambiente, desenvolve-as intelectualmente tornando-as seres mais conhecedores e aptos para a vida.


    Não sabia de tal actividade no nosso Concelho e, apesar de terem um blogue, nunca tinha ouvido fazer referência a este trabalho. Agradeço ao Augusto e à Amélia por trazerem às nossas crianças o seu saber. É pois um privilégio que nos escolhessem. Que a vida lhes traga tanta coisa bonita, como bonito é o que estão a construir. Continuem…


    Maria Alexandrina

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  4. A todas as queridas pessoas que aqui escreveram estas lindas palavras quero que saibam que fizeram uma lagriminha de emoção espreitar nestes meus olhos (e nos do Augusto !). Emoção por ver o nosso trabalho reconhecido até mesmo por quem ainda não nos visitou, emoção pelo amor e força que nos transmitem, emoção pela gratidão que é colher desta forma a verdadeira recompensa por este nosso trabalho que não vem de outro lado senão do coração, porque é feito acima de tudo com muito, muito amor. Esse é o principal motor de toda a nossa existência e é só nessas águas que eu e o Augusto nos movemos em tudo o que fazemos. Um grande bem haja a todos e muito obrigada. As portas do nosso humilde recanto estão abertas e nós estamos cá para vocês, de corações ao alto ! Um abraço ! Amélia

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  5. Quero Felicitar este casal, o Augusto e a Amélia, pela sua ousadia e iniciativa. Bem-haja por terem escolhido a tranquilidade da Natureza para transmitir os seus conhecimentos e desenvolver actividades com as crianças (e não só). Parabéns pelo vosso jornal. O vosso trabalho é na realidade digno de ser divulgado para que todos aprendam uma Nova Forma de Amar, tal como disse a minha amiga Alexandrina.
    Bem-hajam e que Deus os ajude a concretizar todos os vossos sonhos.
    Continuem com a mesma coragem. Obrigada por nos oferecerem o vosso amor, às nossas crianças.
    Lourdes Henriques.

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  6. Devo confessar que quando subia a encosta de Pedralvo ao encontro destes então "desconhecidos", o meu "coração" não ia lá muito afoito, ia subindo mas não ficava cada vez mais alto. Depois, aos poucos, à medida que via e conversávamos, o coração lá se foi soltando e tive mesmo de o segurar bem ... para ele não subir alto de mais...Acertou a Avó Luísa: era uma verdade que parecia mentira e que aos poucos passava a verdade.

    Penso que era bom que esta "mensagem" chegasse às nossas escolas. Não chegará: a nossa pedagogia será sempre a "outra", a mesma de sempre. Mas, ao despertar as emoções atrás descritas, já me sinto recompensado por ter ousado subir até lá "ao Alto".

    Auzendo

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  7. Num mundo em que tudo se está a degenerar, parece-me claro que a Amélia e o Augusto procuraram algo que desse sentido à sua vida, porque acreditaram que mereciam ser felizes e, de “…corações ao alto” – convenhamos que é preciso alguma coragem – lançaram-se alegremente neste desafio, fazendo-nos acreditar que, quando se quer … tudo se consegue. Acostumados que estamos à inércia colectiva que nos rodeia, desperdiçando o tempo envenenando-nos e tentando parecer aquilo que não somos, apetece gritar: empreendedores destes precisam-se.

    Lá estarei com eles, no dia 14 de Abril, no “Atelier de Feltragem para Adultos”. E prometo contar aqui, aos que não forem, o que lá vivi e como.
    Inês

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  8. Tudo que é feito com amor dá-nos sempre muita felicidade. Estes jovem casal merece toda a felicidade do mundo pena que não seja exemplo para muitos mais.
    Também este blogue parece ser feito com muito amor e todas palavavras são poucas para lhes agradecer.
    Adelaide

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  9. Mais uma vez obrigada a todos. E já que a Inês fala na feltragem quero dizer que, mais do feltrar a lã - o que nos permite desenvolver a criatividade - esta é uma belissima forma de trazer paz à nossa mente, por isso é uma actividade meditativa. Criamos, convivemos e meditamos ao mesmo tempo e no fim ficamos felizes porque fizemos peças bonitas e passámos um dia diferente. Coloquei fotografias de algumas peças na nossa página do facebook. Se mais pessoas tiverem gosto em vir são bem vindos. Contudo, tendo em conta os tempos que correm, pensamos ser importante referir que, se alguém estiver indeciso por motivos de pagamento, basta falar connosco. Questões financeiras nunca são impeditivas para a participação nas nossas actividades. Para nós é importante que assim seja. E se alguém que viva no Sobral não tiver modo de se deslocar podemos combinar vir buscar. Para nós são 10 minutos não custa nada. Amélia e Augusto.

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