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segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Os meus avós – a terra é de quem a trabalha…


S. Domingos de Carmões
Trabalhava o meu avô para um senhor de S. Domingos de Carmões, que tinha muitas propriedades agrícolas, uma das quais estava cortada por uma serventia. Como o patrão tinha terras em abundância, nunca quis saber do que restava do caminho para  baixo: um terreno pequeno e que ia afunilando, acabando mesmo em  bico. Então deixou que o mato invadisse o terreno.

Um dia acordou bem-disposto, chamou o meu avô e propôs-lhe que se ele desbravasse aquela pequena courela ele lha dava, porque destoava do terreno cultivado em redor. Ora o meu avô ficou encantado e, com a ajuda da minha avó Ana, a TiAnica, como era conhecida na Corujeira, onde viviam, arrancaram mato, plantaram vinha e árvores de fruto e ainda dava um bocadinho para a batata e a horta. Era um miminho criado com muito apego e amor.

Recordo com saudade o meu avô, com o seu barrete preto e o cigarrito ao canto da boca, a puxar a junta de bois do patrão () que () vinha mais tarde na sua charrete: assim escrevi ao recordar a Feira dos Santos. São estes os personagens desta história. Nada ficou escrito sobre a courela, foi apalavrado por boca e assim o meu avô passou a ter a sua propriedade para cuidar.

Passaram-se mais de quarenta anos, o patrão morre e o filho, ao ir fazer a escritura de habilitação de herdeiros, verificou que o bico da propriedade amanhada pelo António Cunha, meu avô,  também fazia parte da herança. Por mais que lhe fosse explicado o que se tinha passado, nada demoveu o herdeiro. Como nesta altura o meu avô rondava os oitenta anos, intervieram familiares para que o velhote, no fim da vida, não sofresse o desgosto de ficar sem o seu pedacito de terreno.

Justiça de Fafe
Nada demoveu o senhor em questão que decidiu recorrer ao tribunal, para se valer dos seus direitos. Devido a toda esta complicação, agravou-se no meu avô uma doença oncológica, que o levou em três semanas. Ficou a minha avó com a responsabilidade de ir ao Tribunal de Alenquer e, como era velhota, não tinha qualquer dente na boca: esta explicação, que parece não ter lógica, é importante para o resto da história

Na audiência, explicou a minha avó tudo como se tinha passado e, quando acabou, o advogado de acusação disse:
- Esta mulher está a mentir com quantos dentes tem na boca.
A minha avó não precisou de advogado, levantou-se, pediu licença ao juiz  para falar e disse:
- Senhor Dr. Juiz para provar que é verdade tudo o que acabo de dizer,  pode verificar que não tenho qualquer dente na minha boca.
O certo é que a minha avó ficou sem o marido e sem o seu miminho, a sua terra: recebeu uma indemnização pelos  benefícios, uma ninharia, mas foi  uma mulher que não se deixou intimidar. Aqui te fica esta homenagem, minha querida avó, que eras uma lutadora.
 
Maria Alexandrina

2 comentários:

  1. Olá amiga Alexandrina
    Parabéns pela avó lutadora que teve, que sem papas na língua, não precisou que advogado algum a defendesse.
    Só é pena é que a justiça nem sempre pese para o lado certo da balança ...
    Um beijinho da
    Lourdes.

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  2. Este é mais um "fresco" de uma época muito bem pintado pela D. Alexandrina: uma história de quatro pessoas que nos remete para todo um ambiente social e político, a que nem falta a Justiça (ou a injustiça, se quisermos ser ... justos).

    E claro, a terra a quem a trabalha. Nem de propósito, vem hoje nos jornais (Público, pag. 18), que o Governo quer criar "uma bolsa de terras" para disponibilizar a "interessados na sua exploração agrícola". Mas, coitados dos proprietários, os incentivos que o (des)governo lhes dá são pequenos...E, assim, lá deixam que o mato invada os terrenos...Agora já não é feio, valha-nos isso!...

    José Auzendo

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