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segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

As prendas de Natal …


Está a aproximar-se o Natal e as recordações de infância assaltam-me a memória … É como o desenrolar de um qualquer novelo, elas surgem e eu seguro-as porque me dão muito prazer.
O meu Natal de criança era passado com os meus familiares, avós, pais e irmãos; eu, tal como uma encomenda, era enviada mais cedo na camioneta de carreira, como era uso dizer-se, para a terra. Os meus padrinhos só iam mesmo na noite de Natal. Eu vivia no Sobral com os meus padrinhos e os meus pais e irmãos viviam na Corujeira.
Brinquedos em lata
Como a minha madrinha me ensinou, eu tinha por hábito, como muitas crianças neste País, pôr o sapatinho na chaminé, não me lembro que os meus irmãos o fizessem. Ora naquele Natal, tinha eu cinco anos, em 1948, fui como de costume pôr na chaminé o meu sapatinho novo, que o meu padrinho me trouxera de presente da sapataria do Senhor Vicente Rolo… Como ia contando, pus o meu sapatinho e deitei-me. No dia seguinte fiquei radiante, porque dentro do sapatinho estava uma máquina de costura miniatura, em folha. Olhem! Gritei eu…o que o menino Jesus me deu. O meu padrinho viu toda a minha euforia e esperou que ela acalmasse; depois, sentando-me na sua perna, explicou-me que o menino Jesus não me tinha dado nada, que aquela máquina tinha-a ele, padrinho, comprado na loja do Pipocas. E que as prendas eram boas ou más, muitas ou poucas, conforme o dinheiro que os pais dos meninos tinham.
Acho que não me chocou esta explicação, mas durante uns anos continuei ainda a pôr o sapatinho na chaminé, na esperança de que um dia o Menino Jesus se lembrasse de me dar, também ele, uma prenda.
Passaram-se os anos, cresci, casei, tive as minhas filhas e sempre elas, como eu, puseram o sapatinho na chaminé. Com o passar dos tempos, houve modificações e deixou de ser no dia de Natal que se abriam as prendas, mas na noite da consoada, a véspera de Natal, depois da meia-noite. As prendas já não eram de folha. Eram livros, jogos e bonitas bonecas. Eu, em criança, sempre esperei que o Menino me desse uma boneca, mas isso nunca aconteceu.
As minhas filhas mais velhas já sabiam que não era o Pai Natal quem dava as prendas. A intenção era a mesma, mas essa foi outra alteração: o Menino de Jesus passou “a chamar-se” Pai Natal. A minha filha Iris tinha apenas três anos e, como muito crédula que era, e que ainda hoje é, acreditava piamente no Pai Natal. Numa noite de Natal, à meia- noite, as irmãs levaram-na à cozinha, para que na chaminé visse as prendas…E, para nosso espanto, a minha querida filha abre muito os seus lindos olhitos, que já de si eram grandes, e exclama:
- Mãe, eu ainda vi os pezinhos dele a subir a chaminé!
Ri-me, mas a espontaneidade e a alegria da minha criança comoveram-me, e não tive coragem de lhe explicar quem tinha posto as prendas na chaminé.
Mais tarde o Natal começou a ser passado com mais rebentos, os netos, e eles já não punham o sapatinho na chaminé. Era uma meia pendurada na lareira, e as prendas já eram de outro valor comercial: motas a bateria, play stations, jogos de computador e um sem número de brinquedos. O Natal passou a ser um comércio, onde se investe muito dinheiro. Mas a alegria das crianças que recebem tantas e boas prendas não foi, nem é com toda a certeza, maior que a que eu tive ao receber a minha máquina de costura em folha.
Neste espaço de tempo, do meu tempo ao de hoje, largas transformações se deram no modo de festejar o Natal, no valor e na abundância das prendas; e até, já este ano, o Papa veio informar que a vaca e o burro não faziam parte do presépio…Certo é que, quer se seja cristão ou não, na maior parte dos lares portugueses cumpre-se a tradição e festeja-se o Natal. E este Natal? Como vai ser ele para muitas famílias de Portugal? Penso que haverá, mais do que nunca, muitos lares onde o dinheiro não chegará para a comida … “Mas as crianças, Senhor…”, que prendas vão ter.
Maria Alexandrina


10 comentários:

  1. Olá colega Alexandrina
    Gostei de ler o seu texto. Fez-me reviver os meus tempos de menina. Também punha o meu sapatinho na chaminé e no dia Natal, levantava-me cedo para ver se o menino jesus se tinha lembrado de mim, e lá estava no meu sapatinho, uns rebuçados, umas peúgas, e camisolas eram as prendas que o menino jesus dava naquela época, e havia muitos meninos que não recebiam nada, e ninguém se lembrava se havia gente a passar fome. Felizmente nos dias de hoje há muito boa gente que se lembra daqueles que tem pouco há muitas organizações a partilhar com os mais desfavorecidos.
    Um bom Natal, para si e para os seus com muita saúde e muita alegria, são os votos da colega Mariana

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  2. luisa.n.almeida@gmail.com25 de dezembro de 2012 às 01:39

    Olá D.Maria slexandrina
    Achei muito "gostoso"o vosso texto.
    Também eu punha o sapatinho chaminé...também eu sonhava com o Menino Jesus... meio seculo para tráz,tudo tão diferente!!
    Embora pensar no passado nos traga nostalgia,e agora haja montes de problemas,de todos os lados e mais alguns...digo como a Mariana"há muito boa gente que se lembra...dos mais desfavorecidos
    "
    Votos de um Bom Natal,com muita saude e alegria
    Um abraço
    Luisa

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  3. Tal como a Mariana, também eu (eu e os meus irmãos) me levantava cedo para ver se o MENINO JESUS se tinha lembrado de mim. E acho que mal dormíamos, para ver quem era o primeiro a investigar o interior do sapato. Sim, porque o que houvesse cabia sempre dentro do sapato, ou da bota...

    E só muito mais tarde, quando já tinha filhas, me dei conta de que o Pai Natal tinha "substituído" o menino Jesus...na distribuição das prendas. E também que as minhas filhas já não jogavam ao "rapa" na noite da consoada, nem pelo dia de Natal adentro...enquanto os pinhões durassem, como na minha infância fazíamos no Norte. Por aqui, também se fazia (e jogava) ao "rapa"? Fica a pergunta...

    E um bom natal, claro.

    José Auzendo

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  4. Olá Amiga Alexandrina
    Este seu depoimento reporta-me aos meus 5 anos em que também eu punha o meu sapatinho na chaminé e de manhã ia ver o que o Pai Natal me tinha lá deixado. Uma das coisas de que mais gostei foi de um fogão de folha, lembro-me nitidamente, e 2 ou 3 anos mais tarde uma máquina de costura do género da sua, mas com uma boneca de casquinha a costurar e que funciona a corda. Digo funciona porque ainda a tenho e ainda não há muitos anos paguei um dinheirão para que fosse restaurada. São autênticos brinquedos dignos de museu que nos trazem à memória recordações da infância. Hoje, com a evolução dos tempos, talvez haja brinquedos e objectos mais aliciantes do que os de então, mais diversidade e mais poder de compra (apesar da crise), mas a inocência e alegria com que eram aceites e usados nessa ÉPOCA, eram bem diferentes dos dias de hoje ...
    Antigamente aceitava-se o que nos podiam dar, hoje exige-se o que muitas vezes não é possível ...
    Gostei muito do seu texto.
    Um beijinho da amiga
    Lourdes.

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  5. Temos tantos "Natais" vividos, que não lembramos de todos, era impossível, mas pelos que li dos meus amigos, a Mariana, a Luísa,professor Auzendo e a Lourdes, todos temos recordações dos Natais da nossa infância.
    Falámos de brinquedos. E as filhós da avó que tinham um sabor tão especial? As fatias paridas e os coscorões? Embora os continuemos a saborear eram tão diferentes os sabores de antigamente.
    Professor Auzendo aqui também existia o jogo do "rapa",acho que até com feijões o jogavam, era um jogo de sorte, embora inofensivo,não sei bem como era jogado, via às vezes um grupo de rapazes entusiasmado de cócoras a jogar esse jogo e ao berlinde, eram jogos de rapazes, os nossos jogos eram mais femininos.
    Um abraço para todos e os desejos de um bom Ano Novo
    Maria Alexandrina

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  6. Pois o jogo do rapa lá na terrinha, na minha infância, Alexandrina, era um jogo típico do Natal, que “começava” uns dias antes com a construção das piorras, cada qual a ver quem construía a mais bonita, continuava com a assadura das pinhas (mansas) e extracção dos pinhões na noite da consoada. Jogava-se logo aí nessa altura e, depois, nos dias seguintes até “cansar”, sei lá. Era um jogo familiar, jogado por rapazes e raparigas.

    Depois de escrever o primeiro comentário, encontrei na net a descrição do jogo, que é longa mas interessante, pelo que remeto para http://santa-nostalgia.blogspot.pt/2008/07/jogo-do- rapa.html. Nessa descrição, faz-se referência a uma tradição judaica, que julgo ser a que poderá encontrar em http://www.coisasjudaicas.com/2012/12/hebraico-piao-de-chanuca.html.

    De fatias paridas nunca ouvi falar, mas por lá não havia Natal que não tivesse rabanadas, só que, não, não eram como pensa: nas nossas, o pão era mergulhado em vinho tinto, quente, bem carrascão mas bem doce, e frito depois…Só em Lisboa, aos 25 anos, eu soube dessa de rabanadas com pão mergulhado em leite…Lá também havia as “bêbadas”, que eram o mesmo pão no vinho doce mas sem fritar…Era uma boa maneira de “comer” vinho, o tal que era “o sustento de um milhão de portugueses”, lembram-se?

    José Auzendo

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  7. Olá outra vez
    E eu também cá estou de novo a meter a minha "colherada". Embora não tenha grandes conhecimentos dos costumes provincianos, o professor Auzendo só conheceu as "fatias paridas ou rabanadas" aos 25 anos. Mas elas também se chamam "fatias douradas". Quanto às fatias de pão com vinho e açúcar (carradas), sem serem fritas, chamavam-se cá "sopas de cavalo cansado". Julgo que ainda se chama assim por cá. E posso dizer-lhe que eram óptimas, pois eu adorava um "pratinho dessas sopas" ao lanche ... na minha adolescência!
    Mas nunca fiquei "bêbada"!
    Lourdes.

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  8. Eu também vou meter a colherada como disse, a nossa querida colega e amiga Lourdes.
    Na minha aldeia, as tais "rabanadas" eram conhecidas como "fatias douradas" eram embebidas em leite e fritas em azeite, depois de fritas, polvilhadas em açúcar e canela. Fatias de pão embebidas em vinho OU AS "BÊBADAS" como disse, o nosso querido professor, não se fazia. Na casa dos meus pais, quando era no inverno e quando a minha mãe acabava de cozer o pão fazia-se as tais sopas de cavalo cansado, ou a tiborna, que era bocados de pão quente e bastante açúcar, embebidos em vinho tinto.
    Um grande abraço, para todos vós e desejo-vos um bom ano
    Mariana

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    1. E eu a pensar...que só no Minho é que éramos doidos por vinho...Na minha região, que me lembre, as bêbadas, chamem-se assim ou sopas de cavalo cansado, só se faziam pelo Natal e Ano Novo, e não durante o inverno (Mariana)...e nunca ao lanche (Lourdes)!

      Não haverá mal nenhum a que se lhes chame também tibornas, mas estas são, tradicionalmente, pão quente embebido em azeite, novo de preferência. Já agora, rabanadas são, para mim, as tais embebidas em vinho e fritas depois...Fatias douradas, essas sim, em leite, conheci-as aos 25 anos cá por baixo (ou cima?). Fatias paridas...só conheci (o nome) a partir do comentário da Alexandrina...

      E assim estamos entrando um pouco nos costumes, natalícios e não só, de há 60 anos em Portugal (continental, faltam as Ilhas...).

      José Auzendo

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  9. Caro professor Auzendo, nunca ouviu dizer ”Cada roca com seu fuso cada terra com seu uso.” Na região centro, também se chamava tiborna a broa quente com açúcar e vinho. Eu também me lembro de se por azeite e açúcar no pão quente. Na casa dos meus pais comíamos esta guloseima quando a minha mãe fazia o pão. Quando o pão era tirado do forno e ainda estava quente, era partido aos bocados para uma tijela e punha-se vinho tinto e açúcar. As sopas de cavalo cansado talvez fossem com o pão frio, mas na minha casa não era assim que se fazia. O motivo por falar no Inverno era porque no Verão não apetecia muito comer pão quente.
    Esclarecido este assunto?

    MARIANA

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