Era
uma
vez...
Apetece-me
começar
esta
história
como
começavam
as
histórias
que
eu
lia
em
criança,
nos
meus
estimados
de
livros
(três,
que
li
e
reli)
da
colecção
“Manecas”.
Sim...
Era
uma
vez
uma
menina
que
nasceu
em
31
de
Outubro
de
1928,
e
a
quem
puseram
o
nome
de
Maria
Alice.
Bonita,
esperta
e
ladina,
foi
crescendo
no
seio
de
uma
família
pobre,
até
que
chegou
a
idade
de
ir
para
a
escola,
mas
nem
sequer
passou
pela
cabeça
dos
pais
mandá-la
aprender
a
ler.
A
escola
era
longe
e
ela
era
muito
nova
para
fazer
aquele
percurso
a
pé;
além
disso,
havia
os
irmãos
para
cuidar,
(que
nasciam,
em
média,
um
de
dois
em
dois
anos).
Houve
alguém
que
se
preocupou
com
isso:
uma
vizinha
ilustre
(não
conheci,
não
lembro
o
nome,
só
sei
que
era
“a
Senhora
Marquesa”)
apreciava
o
dia
a
dia
daquela
menina
e
achava
um
desperdício
deixá-la
analfabeta,
e
sempre
que
a
menina
podia
ia-lhe
ensinando
o
valor
das
letras.
Não
foi
preciso
muito
tempo,
depressa
aprendeu
a
juntá-las
e
de
repente
a
menina
sabia
ler
correctamente,
devido
a
uma
inteligência
acima
da
média.
Aos
8
anos
de
idade
já
era
ela
quem
distribuía
o
correio
pela
aldeia,
depois
de
o
ir
buscar
à
sede
de
freguesia.
Cresceu,
não
muito,
porque
era
de
baixa
estatura,
nunca
passou
o
metro
e
meio,
mas
tornou-se
uma
bonita
rapariga.
Foi
“servir”
nas
casas
dos
senhores
ricos,
e
aqui
no
Sobral
encontrou
um
rapaz
também
bonito,
de
seu
nome
António
Martinho,
mas
pobre
como
ela:
casaram,
foram
viver
para
a
Barqueira
e
aí
abriram
uma
loja
mista
de
taberna
e
mercearia.
Ele
era
carpinteiro
mecânico
e
assim
iam
vivendo,
uma
vida
pobre
mas
um
pouco
mais
desafogada.
Para
regalo
do
casal,
nasceu
uma
menina
e
assim
a
casa
ficou
mais
completa,
havia
um
fruto
do
seu
amor.
Chamaram-lhe
Ana
Maria.
Quando
a
filha
tinha
nove
meses,
a
Pide
veio
prender-lhe
o
marido
e
temos
novamente
a
menina,
que
se
tornou
rapariga
e
se
fez
mulher
e
mãe,
vitima
da
pouca
sorte:
teve
que
lutar
sozinha
para
sobreviver
com
a
filha,
durante
uns
meses,
enquanto
o
marido
esteve
preso.
Na
sua
vida
fez
de
tudo,
em
parte
devido
ao
feitio
irrequieto
do
marido,
que
andava
sempre
à
procura
de
um
novo
trabalho
ou
negócio
para
melhorar
a
vida,
o
que
nem
sempre
acontecia.
Criou
ovelhas,
criou
vacas,
foi
regatoa,
tinha
uma
carroça
puxada
por
uma
mula,
e
partia
nela
de
terra
em
terra
a
comprar
ovos
e
criação,
que
depois
mandava
para
Lisboa
e
para
a
Malveira.
As
horas
na
cama
eram
sempre
poucas.
Sobral, Março de 1959 |
Assim
trabalhando,
ela
e
o
marido
foram
a
pouco
e
pouco
construindo
uma
casa.
Uma
nova
profissão
surgiu
na
vida
dela:
a
de
leiteira.
Comprava
o
leite
na
Cooperativa
do
Leite
e,
com
as
bilhas
a
brilhar
que
pareciam
ouro,
distribuía
o
leite
de
casa
em
casa;
era
habitual
ver
aquela
fraca
figura
com
duas
ou
três
bilhas
de
mais
de
20
litros,
nas
mãos
ou
nos
braços.
E
quantas
vezes
subia
a
um
segundo
andar
para
vender
dois
decilitros
e
meio
de
leite!...
Como
sempre
a
vida
não
corria
bem,
e
o
marido
teve
de
emigrar,
coisa
que
ela
nunca
quis
fazer.
Veio
então
viver
para
o
Sobral
para
ter
o
apoio
dos
padrinhos,
que
eram
também
os
meus.
E
assim
ganhei
uma
irmã.
A
sua
última
profissão,
na
qual
se
manteve
enquanto
teve
saúde,
foi
de
cozinheira:
trespassou
um
restaurantezito
e,
em
pouco
tempo,
afreguesou-o
de
tal
maneira
que
vinham
pessoas
da
Amadora,
de
Lisboa,
de
Almada,
dos
mais
variados
sítios,
ao
domingo,
para
comer
o
cozido
à
portuguesa,
a
mão
de
vaca
com
grão,
ou
a
dobrada
com
feijão
branco.
Era
ao
lado
da
igreja
do
Sobral,
e
ficou
conhecido
como
a
Casa
da
Tia
Alice.
Os
clientes
habituais
eram
amigos,
os
familiares
que
lá
passassem
tinham
forçosamente
que
comer.
Estava
sempre
pronta
a
ajudar
todos
os
que
precisassem
de
ajuda.
Entretanto,
o
marido
regressou
do
estrangeiro,
à
sua
profissão
de
carpinteiro
mecânico,
comprou
mesmo
a
serração
de
madeiras
onde
trabalhava,
na
Merceana.
Quem
viveu
essa
época,
lembra-se
do
exemplo
de
persistência,
de
trabalho,
de
dignidade
que
era
esta
mulher
de
tão
pequena
de
estatura,
mas
uma
MULHER
de
letras
muito
grandes.
Quando
a
vida
lhe
parecia
sorrir,
com
uma
vivenda
nova
para
viver,
fruto
do
trabalho
do
casal,
uma
grave
doença
levou-a
com
pouco
mais
de
50
anos.
Apesar
da
sua
vivacidade,
do
seu
sorriso
franco
para
toda
a
gente,
e
da
sua
vontade
de
superar
a
doença,
não
conseguiu
manter-se
entre
nós,
deixando
marido
e
filha
sozinhos.
E
aqui
acaba
a
história,
de
momentos
felizes
e
de
outros
muito
tristes,
da
minha
querida
irmã
Maria
Alice,
que
recordo
todos
os
dias,
com
muita
saudade.
Maria
Alexandrina
OLÁ Alexandrina
ResponderEliminarGostei do texto que fez sobre a sua falecida irmã. A dona Alice já não está entre nós há muitos anos, Recordo-me dela como uma mulher decidida, e activa, lembro de a ver andar de porta, em porta com as bilhas do leite. Era uma mulher de estrutura pequena mas era uma grande mulher. Beijinhos da amiga
Mariana Luís
“A saudade é um lago transparente a reflectir sempre a imagem da pessoa ausente”
Saudosa Ti'Alice onde fui, tanta vez, aos "recados". Bem-hajas Maria Alexandrina pelas memórias que aqui tens feito desfilar. Joaquim Gonçalves
ResponderEliminarAmiga Alexandrina
ResponderEliminarEsta é de facto uma história de vida não muito feliz. Basta dizer que a senhora partiu com pouco mais de 50 anos ...
Depois de tantos altos e baixos na vida deveria ter tido um pouco mais de sorte... mas a vida nem sempre trata melhor os que mais merecem.
Louvo essa sua tão grande Amizade por uma pessoa que o destino pôs no seu caminho, por gostar tanto dela como se de facto sua irmã de sangue fosse. Fez bem contar essa sua vivência com uma pessoa que merecia ser recordada.
Obrigada uma vez mais pela partilha desta sua história real.
Um beijinho da amiga
Lourdes.
Muitas coisas novas se vão aprendendo neste blogue...Nunca tinha ouvido, creio que nem lido, a palavra "regatoa", que aliás o windows também desconhece... No dicionário vem que é o feminino de "regatão", que pode ser regateiro, mas também revendedor...a retalho. No caso desta "irmã", revendedora de porta em porta...
ResponderEliminarE esta foi só uma das muitas profissões desta Mulher, que bem poderemos considerar uma mulher de armas e dos sete ofícios. Mas este será talvez o aspecto menor que ressalta do texto da D. Alexandrina. Avulta nele, a meu ver, uma luta inglória por melhorar as condições de vida, uma batalha permanente contra a instabilidade e a insegurança que uma sociedade "desorganizada" impunha à maioria dos cidadãos.
Desorganização social à qual estamos a regressar a passos largos, à qual regressaremos a breve trecho se não soubermos evitá-lo...
José Auzendo
É verdade Maria Alexandrina, cada pessoa nasce com um condão, a tua irmã nasceu com o dom do trabalho, da honradez, da bondade e da simpatia. Era uma mulher muito activa, muito trabalhadora, que a custo conseguiu melhorar a vida, mas de que pouco desfrutou infelizmente.
ResponderEliminarForam duas pessoas com iguais características que morreram no mesmo ano, uma a seguir à outra, e na mesma cama articulada: a tua irmã e o meu marido. Era uma cama articulada que andava de casa em casa, emprestada pela D. Mariana. Naquele tempo era impensável os pobres possuírem uma coisa dessas…
Convivi muito com a tua irmã, quando o meu estabelecimento era ao lado do dela, a casa da “tia Alice”, na rua Heróis da Bélgica.
Lisete
Parabéns pelo testemunho inspirador e atual. Como diria o poeta "Pedras no caminho? Guardo todas, um dia farei um castelo!"
ResponderEliminarBeijinhos,
MArina
Maria Emília,15 de Outubro de 2012
ResponderEliminarMaria Alexandrina,
É a primeira vez que escrevo neste blogue, porém não me foi possível ficar indiferente ao ler o teu artigo sobre a minha amiga Maria Alice.
Primeiro, porque sempre a considerei uma mulher com um M muito grande, por todos os motivos que inumeras, mas também porque fazia o favor de ser minha amiga, considerava-a da minha família, eu cresci ao lado dela e tive hipótese de constatar muitos dos factos.
Segundo, porque lamento, depois de tanta luta ter tido um final de vida tão triste, bem merecia melhor.
Sabes que apenas hoje descobri que não eras irmã biológica dela? tal era a vossa união que não o deixavam transparecer, eu que privei bastante de perto convosco...
Os meus parabéns por tudo o que tens escrito.
Um abraço,
MEmília Lima
Mila é verdade de que eu e a minha irmã Maria Alice tínhamos uma relação muito forte, de muito amor e por isso passados tantos anos sobre a sua morte, ainda todos os dias a recordo com muita saudade.
ResponderEliminarAgradeço a todos as palavras amáveis e podem crer que a minha irmã além de linda era uma pessoa fascinante. Porém tenho que esclarecer que a Maria Alice era minha irmã biológica... por qualquer erro no texto alguns amigos pensaram que não tínhamos laços familiares. Pois, somos filhas da mesma mãe e do mesmo pai,embora com quase dezasseis anos de diferença. Dos nossos pais ela foi a primeira a nascer e eu a última.
Maria Alexandrina