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domingo, 26 de fevereiro de 2012

Uma aula para Inglês ver… pelo professor do dito


Neste blogue estão fazendo sucesso as histórias pessoais, as vidas vitoriosas de pessoas lutadoras. Vou também explorar o filão e contar um pouco da minha história. Como em muitos romances acontece, começo pelo fim, pode ser que um dia chegue ao princípio, ao verbo.
Aí por Setembro de 2010, alguém perguntou (porquê, Dr. Belo, ainda não sei!...) se o “seu marido estaria disponível “para dar umas aulas de Inglês…”Não faltava mais nada, o homem deve estar doido”, respondi, quando a mulher, a esposa, me contou. O marido era eu, já perceberam. Ia lá deixar o meu monte, as minhas enxadas, a horta, as árvores, as pedras dos meus últimos 12 anos, para ir dar aulas a meia dúzia de velhos…Era o que faltava!... Certo é que, quase dois meses depois, quando o Dr. Belo me falou no assunto, a minha resposta foi … “talvez, acho que sim”. Como nós mudamos!...
E assim foi. Fui convocado para uma entrevista com a psicóloga da Câmara, a Drª. Ana Catarina. A entrevista correu bem até ao momento em que me foi entregue um resumo da conversa para ler e assinar. Se estivesse” renitente” em dar as aulas, disse eu, acho que não tinha vindo à entrevista, doutora. Leu mal, respondeu ela, eu escrevi “reticente”. Desculpe, li mal sim, reticente estou e muito, receio não ter paciência para dar aulas nesta fase da minha vida; aliás, acrescentei, paciência sempre tive pouca… para qualquer coisa! Mas lá“passei” na entrevista.
A primeira aula, no dia 7.1.2011, começou com alguma tensão e insegurança na minha voz. Ali estava mais de uma dúzia de pessoas, cujas caras mais ou menos já tinha visto, mas nomes, delas, só um conhecia. Foi quase trágico: para nomes de pessoas, entre outras coisas mais, sempre fui um desastre. E assim, durante semanas (meses?) a Olinda era Ivone, a Mariana era a Augusta, a Manuela era a Vitória, sei lá… impossível descrever, tantas foram as trocas. Com os homens, cinco na altura, foi mais fácil, vá lá saber-se porquê. Mas lá fomos desbravando o nosso inglês. E no fim daquela primeira aula foi gratificante perceber, pelas reacções expressas, que os alunos tinham gostado... da aula!. Foi bom para o ego do professor. Temos gente, pensou.
Ah! Já me esquecia. Entre a entrevista e a primeira aula houve uma reunião com todos os docentes (professores ou formadores, venha o diabo e escolha), na qual voltei a falar das minhas reticências. E nunca, mas mesmo nunca, alguém me perguntou se eu sabia inglês para ensinar…Se mo tivessem perguntado, responderia certamente que não, não era licenciado em coisa nenhuma, nunca vivi em país de língua inglesa, raramente vou ao estrangeiro, turistas por aqui não há muitos, não ando pelos algarves a engatar inglesas... Então porque aceitei? As minhas repetidas reticências davam-me margem de manobra, sempre podia fazer uma retirada airosa a qualquer momento...desculpem-me, o monte chama-me.
Voltando à vaca fria. (Tem expressões giras o nosso português, pois tem, gente gira?) As aulas foram-se tornando momentos agradáveis, provavelmente mais agradáveis que outra coisa, mas tem havido progressos, o professor tem aprendido bastante…São já históricos, lendários, os erros do professor de inglês. Cito três. O primeiro aconteceu bem cedo e demorou quase um ano a ser detectado: worth não significava pena, mas valor, se bem que as duas ideias andem juntas em certa frase. Depois, numa aula temática sobre a Páscoa, Páscoa foi ensinada como sendo Eastern, que remete para o Oriente, em vez de Easter. O que um “n” a mais faz… E mais recentemente foi o plural dos pronomes reflexos…cujo ensino esteve prometido e adiado durante mais de um ano civil… e, mesmo assim, foi ensinado com erro. Pobres dos alunos que tal professor têm.
Mas não pensem que isto é negativo. Não, é positivo: primeiro os alunos aprendem errado, convencidos de que está certo; depois, quando o erro é corrigido, reaprendem de novo, reprogramam os neurónios, um exercício sempre útil para quem tem mais de 45 anos… dizem os cientistas. Sim, os alunos têm todos mais de 45 anos, são todos velhos, embora alguns sejam mais novos que o professor... segundo os bilhetes de identidade…A paciência que os alunos têm que ter, coitados deles.
Foi a pensar nisto tudo que, este ano lectivo, alterámos a situação. Primeiro criámos duas aulas, uma para os menos adiantados, outra para os mais preparados. Segundo, e isto é inovador, contratámos uma assessora para o professor…É dela que agora quero falar. A D. Cyntia nasceu e viveu na Tanzânia, com o inglês como língua mãe. Estudou e foi, durante anos e anos, professora em escolas primárias e secundárias nesse país. A vida fê-la vir para Portugal. Ingressou este ano nas aulas de inglês, para não esquecer, e nas de português, para aperfeiçoar. A D. Cyntia tem, além do mais, a mais bela pronúncia de inglês que eu já ouvi em Portugal, mesmo na televisão.
Perante isto, o professor de inglês nomeou a D. Cyntia sua professora em tempo real, sua polícia na aula. E então é ouvi-la, à D. Cyntia, a minha polícia, com a sua voz melíflua, sibilante, envergonhada, cabeça baixa, mão a tapar os olhos, “cârse”..., maldição! escreve-se mas não se lê “curse”. É, seguramente, caso único nos anais dos estabelecimentos de ensino a nível mundial: um professor ter, em plena aula, um outro professor a corrigir-lhe os erros mal eles acontecem. Digno, absolutamente, do Guinness Book of Records, agora Guinness World Records (como sabe tanto inglês este professor, vêem?)
Com mais calma, e isto é que interessa, com mais tempo, com mais espaço, a D. Cyntia voltará em breve, prometo, a este blogue. Esperemos só que esta promessa não seja mais um erro do tal…

José Auzendo

9 comentários:

  1. Olá Professor Auzendo
    Depois de ler o seu bonito depoimento, sé tenho a dizer que me sinto privilegiada por ter pertencido ao seu primeiro grupo de alunos de inglês. Também eu tive reticente em frequentar a aula, mas fui incentivada por algumas pessoas e acabei por aceder. Apesar de ter saído e de este ano não voltar, por motivos pessoais que nada têm a ver com a aula nem com o professor, quero dizer-lhe que admiro a sua coragem e louvo a sua "humildade" em dizer que sabe que erra. É que se costuma dizer que "quem mais sabe, mais erra", ao contrário de muita gente que se vangloria disto e daquilo, e que por vezes sabe tão pouco ... Parabéns e continue a sua obra que ela dará frutos, tenho a certeza disso.
    Também quero felicitar a colega Cindy pela colaboração que dá ao professor, pois todos nós neste mundo precisamos do apoio uns dos outros, e sinto-me feliz por saber que temos no nosso grupo pessoas com muito valor cultural e humano. Bem-haja, obrigada.
    Lourdes Henriques

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  2. Boa noite, Prof. Auzendo!
    O seu texto está bastante interessante e divertido (fartei-me de rir com a história das inglesas…)
    Não conhecia essa sua faceta de agricultor, talvez seja por isso que tem muito jeito para ensinar. Um professor é como um agricultor também espalha sementes na terra e no fim do ano espera novas colheitas e novos frutos. O professor disse ter errado algumas vezes, no entanto errar é humano e aprender com o próprio é mais humano ainda.
    Agradeço-lhe por tudo pela paciência que tem tido para comigo e pelo dom de ensinar que tão bem aplica.
    Mariana

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  3. Boa tarde Sr. Auzendo
    Gostei de ler a sua descrição sobre a vinda para o Inglês. A forma como humildemente descreve o desenrolar do seu trabalho, que acho ótimo. Se errou isso é próprio de quem faz, porque quem não faz nada não erra.
    Estou bastante satisfeito pelo que me toca.,já aprendi algumas coisas e acho muito interessante todo o seu voluntarismo.
    Levo uma vida preenchida, com inglês, informática e agricultura e algum apoio técnico da minha área, fazendo troca de serviços, desde que tudo não tenha pressão eu ainda me encontro capaz de dar resposta …Tenho agradecer, tudo o que me ensinou e continue com toda a vontade de dar o que sabe e armazenou durante a vida ativa.
    Victor Jorge

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  4. Como habitualmente consultei o blogue "Sobral Sénior - Gente Gira" e reparei de que havia um texto novo, o título era sugestivo "Uma aula para Inglês ver...pelo professor do dito!, então alarguei-me na leitura, e dei por mim, uma série de vezes a sorrir.
    O autor tem uma forma irónica de se exprimir e tem um enorme gozo a brincar com as palavras, fá-lo nas frases mais fortes........."para dar aulas a meia dúzia de velhos"........nas frases mais ligeiras a rondar o brejeiro.........."não ando pelos algarves a engatar inglesas"....ou naquelas de maior subtileza........"a minha polícia com voz melíflua, sibilante e envergonhada"........
    A sua escrita é transparente e suave, o que a torna agradável de ler: o seu bom português aliado a uma graça natural, complementam-se, e dá vontade de reler e reler o texto. É jovem a sua maneira de escrever e percebe-se que a caneta rola com facilidade, natural de uma mente trabalhada.
    Quero também frisar a humildade que se verifica em todo o texto, da forma que publicamente assume os seus erros. A perfeição não existe!
    Ainda bem que o autor existe, e é obrigatório que se mantenha jovem....
    Não sou aluna de Inglês, mas o autor que tão bem conheço é meu professor de português.
    Maria Alexandrina

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  5. Há uma frase que se diz muitas vezes que se aplica a certas pessoas e que é" um homem dos sete ofícios".Eu
    tenho a sorte de ter um amigo assim: homem da banca e da massaroca ( ou
    melhor do dinheiro), agricultor, pedreiro, carpinteiro, electricista, canalizador, jardineiro,
    cozinheiro. Isto é só o que é do meu conhecimento. E agora é professor. Como professor só lhe falta a
    menina de cinco olhos ,ou seja a palmatória, deve ter sido esquecimento, os
    anos não perdoam, aos alunos e também ao professor, ele também é velho. Oxalá não se venha a
    fartar das alunas e volte para o monte, nós alunas já não passamos sem
    o professor - perdão sem as aulas dele. E agora também, vejam só, até nos faz rir com os seus escritos cheios de ironia neste blogue.

    Lisete Corado

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  6. Caro Colega "docente",
    Também quero colocar a minha foice na sua seara!
    Velhos sim, mas talentosos.
    Talentos todos temos, e perante desafios muito do que se pensava adormecido ou mesmo inexistente, desperta. Um bom desafio e a sua calma e tranquilidade foi às urtigas...
    Esta inquietude assumida de alguns torna-se panaceia de muitos, de nós próprios.
    Senti-lhe a alegria jovial de quem saboreia uma guloseima. Conseguiu transmitir-nos.
    Essencialmente sentida também a encontrei quando comecei com a minha actividade no Sobral.
    Este projecto em que participamos não tem fim. Há sempre muito a fazer e só com a participação de todos, os alunos e professores continuaremos a sentir o pulsar do Clube Sénior cada vez mais com maior vitalidade. As pessoas, essencialmente as PESSOAS.
    Não sei como se diz em Inglês, (“ Share”o meu é mais para o técnico, Informático, esclareço, :) mas em Português eu chamo de PARTILHA!

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  7. Espectáculo!
    Dá para perceber que esta Gente Gira, é mesmo GIRA.
    Um exemplo a seguir.
    Isabel

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  8. Podem acreditar que, só depois de ler este artigo, soube da existência da D. Cyntia como “polícia permanente” do professor de inglês.

    Então, resolvi defender publicamente o meu “posto de trabalho”, desgraçadamente também não remunerado.

    É que o vosso professor de inglês, embora tivesse em casa um computador, olhava para o dito como se fosse uma panela de pressão defeituosa, pronta a explodir: fugia dele, não sabia, não queria saber e tinha raiva…

    Com as aulas descobriu as maravilhas das novas tecnologias – até porque não queria ficar atrás dos alunos - e arranjou uma professora/secretária informática (eu, esposa dele) e mergulhou na era dos “e-mail”,“enters”, “copies” “deletes”… E cá estou eu, tal como a D. Cyntia…

    E se já era assim quando só dava o inglês, a coisa piorou com as aulas de português: são romances atrás de romances com as alunas, alguns em verso… E, agora, sou eu que mal consigo chegar ao computador.

    Não tem sido tarefa fácil mas, aos poucos e ainda também com muitos “erros”, o vosso professor está quase independente…Agradeça-me professor Afonso…que o aliviei de um aluno, livrando-o de um bom petisco…

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  9. Professor Auzendo gostei muito da sua participação no nosso Blog.
    Não o sabia tão trabalhador ,está muito interessante.
    Nós temos muita sorte por haver pessoas que dão muito se si aos outros, assim vamos todos crescendo em saber e amizade.
    O meu muito obrigada um abraço a todos,

    Alice

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