Na
década de 40, era habitual as pessoas de aldeias do Concelho, e até
de concelhos vizinhos, deslocarem-se à Vila para fazerem o seu
“avio” semanal ou mensal, ou seja, faziam as compras no talho ou
na mercearia, e até aproveitavam para, na retrosaria, comprarem uns
metros de “chita” para fazerem um avental, para taparem às vezes
um vestido mais pobre. Traziam sobre eles uns garridos aventais,
rematados por grandes folhos. E aproveitavam a sua vinda à vila para
deixar uns sapatos ou umas botas no sapateiro para deitar meias
solas.
Contava-se
que um dia uma senhora foi à oficina do Senhor Vicente Rolo e disse:
“Senhor Rolo, põe-me meias solas nos meus sapatos, enquanto eu vou
à loja comprar meio quilo de cebolas?”. Mesmo à velocidade a que
hoje se fazem as coisas seria impossível fazê-lo com tamanha
rapidez, quanto mais à velocidade de há setenta anos atrás. Umas
meias solas…não sei quantas horas levavam a deitar, mas eram
muitas…A sola tinha que estar de molho para ser esticada e moldada
ao sapato ou bota, era cosida e também era “brunida” com um
ferro quente e cera, para ficar reluzente, uma autêntica obra
de arte. Um trabalho inglório porque ninguém apreciava e,
depois de calçados os sapatos era a parte que calcorreava o chão.
Mas a dignidade de quem fazia este trabalho estava acima de tudo, e
tinha que sair perfeito e bem "brunido”…
Ferramentas de Sapateiro |
O
Senhor Vicente riu-se do pedido e respondeu à senhora que deixasse
os sapatos, que eles estariam arranjados quando viesse na semana
seguinte ao Sobral. Porém, a conversa chegou aos ouvidos dos
empregados, e assim esta história passou de boca em boca...
Continuando…
As pessoas vinham à vila em busca do que não havia nas suas terras;
para se deslocarem utilizavam ou a carroça puxada por um cavalo
ou somente um burro. Os homens “escarranchavam-se” no dorso do
burro e as senhoras sentavam-se de lado, protegidos pela albarda e lá
faziam os seus percursos, alguns bem longos. Para não levarem o
jumento para dentro da vila, tinham “o parque de estacionamento”,
nas entradas da vila: as oficinas dos ferradores Senhores Veríssimo
Horta e Mário Lopes (Mário Ferrador). O Sobral era nessa época uma
vila de muito comércio, mercearias, talhos, tabernas, sapateiros,
alfaiates, cutileiros, ferradores e albardeiros, e era grande o
movimento de compradores. A vila era muito pequena, a concentração
era em menos espaço, e via -se sempre bastante gente nas ruas,
principalmente aos sábados e domingos. Esta espécie de comércio
tem-se diluído ao longo dos anos, efeito da evolução dos tempos.