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domingo, 24 de fevereiro de 2013

O PADRE DE BUCELAS


Na década de 50 do século passado, era padre em Bucelas um senhor que mais tarde, através de um seu conterrâneo, meu colega de trabalho, vim a saber chamar-se José e que era natural de Valado de Frades concelho da Nazaré.
Para além da sua actividade como “prior” de Bucelas, deslocava-se também em serviço, salvo erro, à Carvoeira, freguesia do concelho de Torres Vedras .
Na sua deslocação, que efectuava regularmente, pelo menos uma vez por semana, em dia e hora certos, utilizava como meio de transporte, uma moto de boa aparência e relativamente potente, talvez com 500 cm3, cuja marca não me recordo bem, mas que seria uma “Ariel” ou uma “Norton”.
No trajecto entre Bucelas e referida localidade, percorrido em grande parte através da E. N. 115, passava pela Seramena, onde parava na então loja do João Andrade, estabelecimento de taberna e mercearia, para tomar uma bebida, quiçá uma água ou um refrigerante.
Este estabelecimento era frequentado por grande parte da população da localidade e dos lugares vizinhos, onde se concentravam a qualquer hora um elevado número pessoas, naturalmente homens, no intervalo dos seus afazeres diários, aqueles que trabalhavam, havendo outros que pouco faziam.
Caracterizava a população destes lugares, designadamente os homens, um sentimento anti -clerical, ainda muito arreigado nessa época, que vinha desde o século XIX e que se acentuou na 1ª República.
Significando que qualquer contacto com um padre, só não era evitado se de todo em todo fosse impossível. Pelo que nas primeiras vezes que o padre ali parou, embora simpático e bem falante, não recebeu dos presentes uma recepção muito amistosa.
No entanto, com o andar dos tempos e porque o padre insistia em cumprimentar toda a gente, começou a ser melhor recebido ou pelo menos não era hostilizado.
A conversa também não passava de um cumprimento informal e de um comentário acerca do tempo, se estava frio ou calor e não mais do que isso.
Copo de 3 (colecção particular)
O padre aproximava-se do balcão e sempre que pedia a bebida pretendida, perguntava invariavelmente – “meus senhores são servidos, o que querem tomar?” Os nossos amigos presentes, mais por acanhamento do que por falta de vontade de aceitar, respondiam – “muito obrigado senhor “prior”.
Até que um dia, depois de tanto recusarem a oferta, combinaram entre sí que naquele dia é que iam mesmo tramar o padre, iam aceitar a bebida. Naturalmente um copo de vinho, “um copinho de três”.
Esperaram com alguma impaciência a chegada do padre, e quando este chegou, procuraram não dar qualquer sinal de aquele é que seria o dia em que o padre ia “encostar a barriga ao balcão”. Isto é, na gíria pagar a despesa.
Porém, naquele dia o padre chegou, cumprimentou como de costume, dirigiu-se ao balcão pediu a sua bebida, bebeu, pagou, e despediu-se, sem ter oferecido a bebida que eles esperavam.
Olharam uns para os outros com um sorriso amarelo e comentaram. Afinal o padre é que nos tramou a nós. 

Eduardo João
 

8 comentários:

  1. Amigo Eduardo João, é muito interessante a sua história. E como me recordo bem de como os padres não eram bem recebidos no Sobral.
    Ouvia muitas vezes até em casa: não gosto de homens que usam saias. Saias era a batina que nessa altura todos os padres usavam.
    Mas um dia em 1960, mais coisa menos coisa, apareceu pelo Sobral o Padre Mendes, e de repente ouço os não crentes a falar com todo o respeito por este padre, e ele também usava saias…
    ”O hábito não faz o monge”: é que o Padre Mendes tratava de igual modo quem ia ou não ia à Igreja e era vê-lo em alegre cavaqueira, ou nos estabelecimentos ou na rua com qualquer cidadão. Por detrás da batina de padre havia o homem.
    Não era padre quem queria, era quem o sabia sê-lo.
    Maria Alexandrina

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    1. Olá Maria Alexandrina!
      Gosto sempre tanto do que escreves e, sabes, venho pedir-te que escrevas sobre o Dr. António Luís Borges.
      Sei muito pouco, mas sei que sabes muita coisa e que vais pesquisar mais.
      Parabéns pela tua tenacidade!
      Fico-te muito agradecida!
      Um beijinho
      Mariana Sousa

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  2. Caro senhor Eduardo João
    Esta é uma passagem muito engraçada.
    Julgavam que brincavam com o padre mas ... saiu-lhes o tiro pela culatra ...
    Como em tudo na vida, sempre houve bons e maus padres, e pelos vistos este seria um dos bons!
    Obrigada por nos trazer mais uma vivência aqui deste Cantinho do Oeste!
    Lourdes Henriques.

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  3. Quem te contou a história?
    A tua tia?
    João Santos

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  4. Dois artigos escreveu este "novo" colaborador e ambos sobre copos.
    O que será que quer dizer?
    Que é uma região de cultura vinícola?
    Que é uma região de alcoólicos?
    Que é uma região que não tem nenhuma "graça" para contar dos seus naturais? Se tivesse contaria com toda a certeza. Um conto tem a ver com GOUVEIA e outro com BUCELAS. E de pessoas naturais dessa terra? Desse concelho só conheço a da TV a do "Sobral já tem um Parque Infantil!".
    Fiquem bem!
    António Simões

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  5. gostava de ler istorias do padre do jornal sizandro i xamava-se frazão que era muito amigo da famila do eduardo joao.
    lembrão-se dele? na sei se era de santarém ou se veio de lá pa cá. cunheci esse padre e era boa pessoa, bem falante ao povo.
    Manel Quintino

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  6. Enquanto não nos chegam as histórias do padre do jornal Sizandro, fiquemo-nos com a história do padre de Bucelas com todo o seu pitoresco, a mostrar a vida simples de uma comunidade de gente simples. Histórias como esta vemo-las um pouco por todo o País, desde sempre, talvez a desaparecerem nas últimas décadas. Até por isto, Dr. Eduardo João, é importante trazê-las a público, é a nossa memória colectiva que evitamos se apague.

    E se um qualquer "espírito santo de orelha" evitou que, naquele dia, o padre não "encostasse a barriga ao balcão", só o rememorar desta sintomática e característica expressão, que eu desconhecia ou já tinha esquecido, era suficiente para tornar a história digna de ser contada.

    E, além disso, sempre pode ajudar a que se cultive um pouco mais o sentido de humor...

    Auzendo

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  7. O Padre a que se refere é o Padre Poças que foi prior de S. Domingos e do Sobral no final dos anos 30.
    O Padre de Bucelas era o Padre Casimiro que vinha muito ao Sobral e que disse não ser um padreca mas um padralhão. Esse sim celebrava no Sobral por vezes, vinha pregar a 12,13 e 14 de Agosto por conta do D. António até aos anos 50. a Seguir ao Pe. Poças veio o Pe. Renato prior de Dois Portos com os livros de banda desenhada do Tim tim a cativar a miudagem So depois o Pe. Abilio. A cena refere-se sem dúvida ao Pe. Casimiro, bom garfo e bom copo que se deliciava na pensão das "Estrudinhas"

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