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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Ramirito…Um sobrevivente


Num lugar adjacente à vila de Sobral de Monte Agraço, Mouguelas, vivia nos anos cinquenta um homem chamado Ramiro, que na vila era conhecido por Ramirito. Ele tinha um modo peculiar de falar, terminava certas palavras por “e”. Era um homem bem constituído, andava com pouca roupa e descalço.
Ramirito vivia de expedientes, ou melhor, vivia essencialmente da fruta que roubava aos vizinhos. Conhecia todos os pomares da região e, quando alguém lhe encomendava fruta, sabia aonde se dirigir. E quando lhe perguntavam que árvores de fruto tinha ele, ele, com o seu ar matreiro, dizia que até tinha uma árvore de “pera-figue”, tanto dava peras como figos.
As pessoas da vila compravam-lhe fruta e, um dia, alguém lhe encomendou uns quilos de peros, com a recomendação de que os queria verdes para que aguentassem mais tempo. Dizia-se, nestas situações, que era “fruta para o tarde”. Logo ele respondeu que tinha uns peros muito bons, que eram “peros dabane”. E lá fizeram o negócio. Passado algum tempo, o comprador, indignado, dirigiu-se-lhe reclamando do mau estado dos peros. Ele, com o ar mais natural deste mundo, respondeu-lhe que não o tinha enganado, porque bem lhe dissera que eram peros de “abane”: ele abanava a árvore e a fruta caía, era natural que se magoasse ao cair…
Outro cliente pediu-lhe que lhe arranjasse uns pêssegos muito bonitos, que eram para oferecer, pensando o cliente juntá-los a outros que tinha nos seus pessegueiros. O Ramirito não se fez rogado e depressa apareceu com o cesto dos pêssegos. Só depois de ter pago, o comprador percebeu que a fruta não era nem mais nem menos do que a sua, dos seus pessegueiros, que o Ramirito de noite lhe tinha ido roubar.
Sei quem foi, mas não me acuso...
Quando não havia outros frutos, dedicava-se a roubar azeitonas. Um dia, com a pressa ou por distracção, deixou o chapéu no olival. O dono ficou satisfeito ao encontrar o chapéu, porque estava farto de ser roubado. Foi à esquadra apresentar queixa e desta vez com uma prova: o chapéu, que se sabia pertencer ao Ramiro. O Ramirito, que lhe roubava a azeitona e sempre escapava, desta vez ia ser apanhado. Chamado a depor, o Ramiro declarou que ia a passar na estrada, que o vento lhe levou o chapéu e, como não se dava com o dono da propriedade, preferiu ficar sem o chapéu a ter que invadir a terra do outro. Mais uma vez nada ficou provado, mais uma vez se safou o Ramirito.
Muitas histórias se sabem do Ramirito, mas estas serão as mais conhecidas. A esperteza dele, que segundo se afirmava tinha tanto de esperto como de maroto, foi uma forma de sobrevivência. No período em que não havia fruta para roubar, ele dedicava-se a apanhar agriões na beira dos charcos, e vendia-os bem vendidos...
Além das histórias do roubo de fruta, ele era também conhecido pelo seu descaramento, e de entre as histórias que se contam, esta que vou descrever é a mais digna de ser divulgada (algumas não podiam mesmo ser escritas neste blogue). No início dos anos cinquenta, veio ao Sobral o Cardeal Cerejeira. Estava a Praça engalanada para o receber, as crianças das Escolas faziam guarda de honra, e a Guarda Republicana lá estava com o seu fardamento de luxo para a ocasião. À porta da Câmara Municipal as altas individualidades esperavam. 
No fundo da Rua pára um belo carro e dele sai o Senhor Cardeal, que sobe a Rua em direcção à Câmara, acompanhado pelo Administrador do concelho e vereadores, enquanto a multidão aplaudia entusiasmada. 
Nisto, salta o Ramirito para a estrada e dirige-se ao Cardeal nestes termos:
- O Senhor é que é o senhor “ bispe”, está todo porreirito, de chapéu à “ tourero”.
Escusado será dizer que toda a gente desatou a rir e o Ramirito foi levado pela guarda. Não sei se foi preso, mas isso também não o devia incomodar, a vida dele era desgraçada sempre, uma desgraça a mais ou a menos pouca importância tinha já para ele.

Maria Alexandrina

3 comentários:

  1. Olá amiga Alexandrina
    Aqui temos um texto que considero hilariante, pois só a senhora me conseguiu pôr às gargalhadas sozinha. Na realidade estes episódios não dignos de ser divulgados. É que nos tempos que correm, toda a gente a lastimar-se, rir com gosto levanta o ânimo e ficamos a conhecer mais um personagem que dava para o teatro, com certeza revista.
    Agradeço-lhe a boa disposição que me proporcionou com tanto rir.
    Um abraço e um beijinho da amiga
    Lourdes.

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  2. Olá Alexandrina,
    Achei muito curioso o seu apontamento.
    Em todas as terras há um gago, um maneta, um mentiroso compulsivo, um vendilhão, enfim um RAMIRITO.
    Eles fazem parte das nossas vivências, das nossa vidas colectivas, quer se goste ou não, que NUNCA se renegue ou que tenha vergonha da identidade.

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  3. Esta hilariante história da D. Alexandrina é, também, talvez antes de mais, uma deliciosa lição de História. Nela se vê, de forma bem ilustrada, por palavras e imagens, como se vivia por aqui ainda não há muitos anos. Por aqui e não só, pois em qualquer recanto do País encontrávamos filme semelhante: o sobrevivente (sem alternativa?) que vivia de expedientes e aqueles que se aproveitavam desses expedientes. E lá estão as autoridades civis e religiosas a enquadrar a situação…

    Aliás, é assunto velho em Portugal: foi temática do teatro de Gil Vicente, de Almeida Garrett, que sei eu? E, como também já aqui escrevi, retrata uma situação a que estaremos a regressar, com aquilo a que, por medo (?), vamos chamando “crise” …

    José Auzendo

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