VISITANTES

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

A Feira dos Santos …

Feira de Gado
 A Feira dos Santos da minha infância era uma feira de grande dimensão, tanto no número de feirantes como no de visitantes: a estrada do Sobral até Almargem ficava todo o dia repleta de gente e de animais. Uns que iam, outros que vinham…Os lavradores abastados usavam a sua junta de bois para o seu trabalho agrícola e, quando achavam que eles já não eram necessários, ou porque já estavam velhos, ou porque já não davam o rendimento esperado, e também porque nessa altura já tinha acabado a campanha para que estavam destinados, aproveitavam para negociar a venda dos bois na Feira dos Santos. Alguns voltavam para a casa do dono, por não terem tido comprador…
Os bois vinham todos enfeitados de fitas vermelhas, verdes e brancas, presas de chifre a chifre, e caíam de cada lado da cabeça. O abegão trazia-os à mão, puxados pelas rédeas: o homem, com o seu barrete no alto da cabeça, com uma mão segurava as rédeas e com a outra segurava o aguilhão que lhe descansava no ombro. De vez em quando “aconchegava” o aguilhão no lombo dos animais. A estrada alcatroada fazia com que os cascos dos bois escorregassem e, como normalmente vinham aos pares dificultando ainda mais a deslocação, chegavam a cair de joelhos. E assim era todos os anos, a história repetia-se, era uma grande feira de gado. Vinham compradores de muito longe, muitos negociantes. Com saudade recordo o meu avô, com o seu barrete preto e o cigarrito ao canto da boca, a puxar a junta de bois do patrão; vinha de S. Domingos de Carmões até Almargem, a pé, conduzindo-os. O patrão vinha mais tarde na sua charrete. Mas não eram só bois que se vendiam na Feira, também se vendiam cavalos e burros, porcos, cabras, ovelhas…Os regatões aproveitavam para vender a criação e os ovos.
Couratos - Hoje
Fritada - Outros tempos
A atração mais popular da Feira eram as barracas de comida, onde se comia a bela da fritada, nesse tempo não havia a ASAE a proibir fosse o que fosse. E nunca constou que alguém tivesse morrido pela fritada ter sido feita ao ar livre, com pó e tudo. As cozinheiras eram especializadas neste tipo de comida, por ser uma tradição; e talvez também pela liberdade de se comer sem preconceitos, sabia tão bem… Ainda hoje em muitos lares da Vila e dos lugares limítrofes se come, no dia 1 de Novembro, a fritada de carne de porco. A água-pé nova era provada sempre na Feira e acompanhava a comida. Muitos, quando regressavam da feira, já não vinham “sozinhos”!...
Frutos secos
Os frutos de inverno, nozes e castanhas, eram vendidos em grandes quantidades. Os sapateiros expunham o seu calçado e os mercadores de fatos prontos a vestir (já os havia nessa altura, mas só nas feiras ou mercados e era produto de qualidade inferior), tinham-nos expostos em cabides, assim como as samarras e as capas alentejanas. A roupa interior de homem, os barretes, chapéus e bonés também eram comercializados. Como tinham acabado as vindimas, e o trabalho de lagar ou estava quase pronto ou já pronto, o povo sempre tinha mais algum dinheirito… Os pais aproveitavam para comprar calçado e roupa para os filhos.
Utensílios de cozinha
Em campo aberto viam-se os cântaros, alguidares e outros artigos em barro, até miniaturas. Os brinquedos à venda eram em madeira ou folha, os únicos que havia na época. Os ouvires expunham os seus ouros em expositores de veludo e presos com alfinetes à lona das barracas… Outros tempos! Lembro-me muito bem do Sr. Batista, um ourives ambulante, que vinha frequentemente à Feira.
O movimento começava de madrugada e acabava já noite escura.
Promoção e negócio

A pouco e pouco foi rareando o gado, as máquinas substituíram os animais, as pessoas começaram a utilizar outros meio de transporte. Os automóveis invadiam a Feira; já na década de sessenta, os autocarros andavam em constante movimento a transportar as pessoas de e para a Feira, e por vezes era mais rápido ir a pé do que de transporte motorizado. Continuou ainda por muitos anos a ser uma feira muito visitada. Hoje é bem diferente, embora se mantenham ainda algumas das características da feira da minha infância. Os vendedores e compradores de hoje é que já não têm nada que ver com aqueles que eu então via, e que faziam da Feira… uma verdadeira feira.
Aceito as mudanças, mas que era muito mais bonita a feira do Almargem… lá isso era.
Maria Alexandrina

4 comentários:

  1. E ali fiz, juntamente com o Quim Miranda e o Vítor Duarte, a primeira reportagem da minha vida! Procurem no Sizandro que lá está!...

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  2. Mais um oportuno e muito interessante testemunho com que a D.Alexandrina nos presenteia. Sou "novo" por cá, mas desde o primeiro ano que me habituei a ir à Feira e, soube-o agora, durante alguns anos lá saboreei a tradicional fritada, sem saber que era tradicional ou fritada. Mas gostei do seu aspecto fumegante e dos pratos fundos em barro vermelho...e do sabor do molho abundante e da carne de porco.

    Acho que esta Feira, onde ainda vêm feirantes de quase todo o País, é, além do mais, um factor de socialização: ali se encontram pessoas de variadas origens e interesses que, uma vez por ano, se revêem e convivem. Pela descrição que nos foi oferecida vê-se que já assim era umas décadas atrás, com características próprias e certamente mais genuínas.

    Foi bom "revisitar" a história da Feira.

    José Auzendo

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  3. Amiga Alexandrina
    Não tenho grandes memórias de feiras em criança pois muito cedo saí de cá e quando voltei a minha vida era apenas estudar e para pouco mais tinha liberdade. Daí não ter recordações idênticas às suas, mas por isso mesmo gosto de saber os usos e costumes que desconheço e nem sei bem avaliar. Mas na realidade o tempo vai passando, as coisas vão-se modificando, e com a modernização vão desaparecendo certos hábitos que pertencem à raiz de um povo.
    Bem haja por ir deitando cá para fora do seu "baú" as suas recordações, colaborando assim para que os jovens possam continuar a celebrar as suas origens. Só quem as viveu e tem na memória, poderá fazer comparações com a vida actual. Mas tudo muda e nós temos que acompanhar as mudanças, pois não podemos ficar no passado. Ainda bem que tem capacidade para aceitar e acompanhar a evolução, apesar das suas memórias que lhe deixam saudades.
    Obrigada e um beijinho da amiga
    Lourdes.

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  4. Olá colega Alexandrina
    Não era só o seu avô que vinha a pé de São domingos de Carmões para a feira de todos os santos no Almargem. Muita gente das aldeias vizinhas gostava de vir à feira. Como não havia transportes públicos todos tinham de ir a pé. Também eu vim muitas vezes a pé da minha aldeia por caminhos muito estreitos onde só se podia andar em fila indiana: era assim o nosso trilho até chegar ao Sobral.
    Muita gente aproveitava ter ganho algum dinheiro nas vindimas e vinha comprar roupa e calçado para vestir no Inverno que se aproximava; também era tradição ir há feira comprar castanhas e figos eram mais baratos que nas lojas tradicionais. Eu gostei sempre daquela feira e quase todos anos lá vou, mas a feira já não é como era antes.
    É sempre bom haver alguém que relembre como era a nossa vida antigamente nada era fácil, hoje ninguém anda a pé, depois fazem caminhadas por causa do sedentarismo, a que todos se habituaram.

    Muito obrigado por ter-se lembrado de fazer este bonito texto.
    Um beijinho querida amiga
    Mariana.

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