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domingo, 28 de outubro de 2012

Veredas da vida


A Guerra é o maior flagelo ao cima da Terra. Durante anos o volfrâmio foi procurado essencialmente pela indústria da guerra. Hoje há diversos instrumentos do dia a dia que utilizam esse mineral, principalmente ligas fortes e revestimentos resistentes ao desgaste. Portugal possui grandes quantidades deste mineral.
Depois de tantos trabalhos como mecânico, fui trabalhar para as minas de volfrâmio em Bragança, nas minas da Ribeira, onde estive um ano e meio, isto em 1969
Aquilo que vou descrever é como o Volfrâmio é retirado da mina. Não ouvido mas experimentado.
O que mais me custava era no período do Inverno, só via o sol ao Domingo. Antes do nascer do dia, de segunda a sábado, entrávamos na mina ou seja, descíamos o poço com 120 metros, e de lá regressávamos às 17 horas, cansados, enlameados. O almoço cada um levava o seu, conforme podia.
Gasómetro
Botas de borracha, gasómetro no dedo polegar, calças e casaco em oleado, na cabeça o capacete com a lanterna, as baterias às costas, este era o nosso equipamento. Lá no fundo manobrávamos brocas com 2 metros de comprimento. As rochas eram perfuradas, os buracos cheios de pólvora, os cartuchos prontos para a descarga. Às 17h, ao sair da mina contava-se todas as pessoas que trabalhavam no interior não fosse ter ficado alguém no poço. Confirmado o número, só depois se fazia explodir electricamente de uma forma remota as cargas colocadas.
No dia seguinte, ponham-se as bombas de água a trabalhar para regar todo o minério arrancado. Só depois se começava a trabalhar. Todo o material era transportado para o guincho que trazia cá para cima, para os tapetes. Noutro tapete permanentemente com água, várias mulheres com as mãos cheias de trapos, manuseavam com dificuldade o material, escolhendo-o, o frio era intenso.
Depois de moído através de mecanismos de lavagem e secagem e crivos de seleção, sintetizando o processo de apuramento, obtinha-se o produto que fora tão disputado durante a 2ª grande guerra pelos aliados e alemães, o volfrâmio.

Normalmente o valor que muitas pessoas dão aos mineiros, é pouco mais que nenhum, mal pago, arriscado e sujeito a doenças ligadas à actividade. Muitos mineiros contraíram silicose, uma doença afecta à actividade mineira por inalação contínua do pó de sílica. Só quem passou por este trabalho ou teve familiares directos nas minas é que pode dar valor a esta profissão. 
Foi certamente a mais dura profissão ao longo da minha vida!

António Assunção

sábado, 27 de outubro de 2012

Destaque 5


Estamos a publicar neste espaço pequenos resumos biográficos de pessoas de qualquer idade que, nascidas ou residentes no Sobral, conseguiram que os seus nomes “saíssem” do Concelho, por algum feito realizado no domínio das letras, das artes, da ciência, do desporto. Se não fosse excesso de pretensiosismo, diria que estamos a cantar “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”, citando Camões. Mas é isso que desejamos que venha a acontecer… Colabore connosco, escrevendo para sobral.senior@gmail.com indicando-nos o nome e contacto de alguém que julgue merecer integrar esta galeria ou, se for o caso e preferir, enviando-nos a própria biografia.
E o destaque de hoje vai para …

Vitorino Elói – artista plástico, pintor

Vitorino Elói nasceu em Odivelas em Novembro de 1967, no dia a seguir às cheias desse ano, que na Grande Lisboa e especialmente em Odivelas mataram dezenas de pessoas. Filho de Vitorino Elói e Maria Soledade, foi levado pelos pais para França, primeiro para o País Basco francês, com 3 meses de idade e depois para Paris, aos 3 anos. E foi na capital francesa que fez todos os seus estudos, do ensino primário ao 12º ano de escolaridade. Lembra-se que desde os 4 anos de idade se começou a entusiasmar e viver as cores e as formas, e a “fazer riscos” como diz.
E Paris, com os seus museus, com as suas “exposições” de pintura e desenho ao ar livre nas margens do Sena e não só, impulsionou esse seu gosto que, em determinados momentos, se tornou obsessivo. Tirou um Curso de Desenho e Teoria da Arte e começou a pintar. Fez a sua primeira exposição em Santa Cruz. Sempre se sentiu mais atraído pela pintura abstracta que pela figurativa.
Os pais tinham emigrado para França como milhares de outros portugueses na altura, a mãe só por razões económicas, o pai também por razões políticas e económicas. O pai foi “a salto”, como era frequente, tendo chegado a Espanha depois de atravessar o Guadiana a nado!...Depois do 25 de Abril, começaram a vir regularmente passar férias em Portugal, tendo construído uma casa no Sobral de Monte Agraço, mais concretamente em Almargem. Foi a oportunidade para o Vitorino “descobrir “ os lindos vales, os montes e o mar do Oeste.
Ele e a futura esposa decidiram vir viver para Portugal, para o Sobral, em 1993, por acharem que cá haveria melhor qualidade de vida. Desde então tem-se dedicado a fazer um pouco de tudo, desde pintura e estuque na construção civil, à montagem de estruturas e móveis, além de trabalhos de criação artística remunerados, como cenários para teatro e para a Televisão, e corsos para o Carnaval de Torres Vedras, entre outros.
E tem pintado e esculpido. A maior parte por iniciativa e criação própria, outras por encomenda.
Fez exposições da sua obra em Santa Cruz, no Santa Bar, em 2004; em Torres Vedras, no Bar do Gil, em 2005; e na Câmara Municipal de Arruda dos Vinhos, também em 2005.
No Sobral de Monte Agraço, participou em duas exposições colectivas, ambas na Galeria Municipal, nos anos de 2006 e 2009. A foto ao lado é parte do cartaz da exposição de 2009. Para ver o cartaz completo desta exposição, designadamente os nomes de todos os artistas participantes, clique em http://www.cm-sobral.pt/_uploads/catalogocol.pdf.

José Auzendo

domingo, 21 de outubro de 2012

LEMBRANÇAS...

 
Ao lembrar coisas do meu passado é obrigatório homenagear alguém que também foi muito importante na minha vida e na vida de muitas adolescentes e jovens do Sobral.
Fernanda Vale
Trata-se da D. Fernanda Vale. A “casa dos Vale” foi um marco muito significativo, mais um, na vida de muita gente que por lá passou. Era uma casa de sonhos e fantasias, algo estranha, por vezes quase mágica. Havia magia naquela casa! Ali tudo podia acontecer, desde: bordados e costura a teatro, marionetas, histórias pitorescas, poesia, declamação, “festa” e gargalhadas, loucuras e ……… fantasmas. Aliás, os fantasmas abundavam naquela casa. A porta da rua era meio esquisita, a escada medonha, fazia ruídos que me faziam subir e descer sempre a correr. Quando se chegava lá acima abria-se a porta e tínhamos o lado esquerdo e direito, com um pequeno corredor pelo meio. Nós dirigiamo-nos logo para a sala dos bordados mas tínhamos que passar primeiro pela cozinha, interior, escura e negra, cheia de “tralhas” velhas e ali reinava a D. Marquinhas, quase sempre chegada da rua, donde trazia os fracos mantimentos para o almoço da família e as cabeças de peixe e guelras para os   gatos que viviam no telhado. Da cozinha passávamos à casa de jantar e depois à sala dos bordados. É importante falar desta sala de jantar. Tinha móveis antigos, muito gastos; tinha máquinas de costura; algumas malas de porão e, sobretudo, tinha uma janela. Era a janela mágica. Sobranceira a vários telhados da vizinhança, ela tinha gatos que ali permaneciam todo o dia e ali comiam os célebres restos de peixe que a D. Marquinhas trazia do mercado. Eram mansos e meigos, tal como os pombos que vinham comer os restos de pão duro que, ás vezes, sobrava. 
Havia uma nesga nos telhados que nos deixava ver, nas soalhentas tardes de verão, os filhos dos Condes Sobral, tomarem banho na piscina, coisa única na vila. Nós fazíamos despiques e sorteios a ver quem ficava com quem, tudo muito secreto e, ao mesmo tempo, divertido. A D. Fernanda ajudava à festa e até a D. Marquinhas dava as suas dicas. Nessa janela havia também um aparelhómetro muito rudimentar, que servia para medir a humidade atmosférica e a quantidade de chuva caída durante a noite, informação essa que a D. Marquinhas enviava para o Instituto Meteorológico, não sei bem, nunca percebi  para que era aquilo, mas que era esquisito e artesanal lá isso era.
Do lado direito da porta de entrada havia o escritório com uma secretária e vários armários repletos de livros que eu, muito dada à leitura, ia devorando a pouco e pouco. Daí passava-se ao quarto da D. Fernanda e da filha Maria Fernanda, nossa colega da escola primária, e também da D. Madalena Vale quando vinha de Lisboa, onde era modista de gente fina. Esta era a família Vale. Aquela casa para nós era uma universidade do conhecimento, pois nela ouvíamos falar francês, ouvia-se história universal, ciências, fazia-se teatro, um bocadinho de pintura e, sobretudo, aprendia-se a viver, era uma escola de vida autêntica, de quem já tivera melhores dias e que agora vivia dos enxovais das noivas, que eram bastantes graças a Deus. Pelo Carnaval abriam-se os baús que estavam no quarto da D. Fernanda – bem! era demais……….
"Abertura dos baús" - Carnaval 1945
Vestidos antigos, chapéus, rendas e tules, plumas e malas, um espanto, e nós ríamos, ríamos, com gargalhadas saudáveis e entrávamos no mundo da fantasia, no mundo mágico do faz-de-conta, era a loucura total.
Lembro-me que aos domingos, à tarde, tirávamos à sorte, com moeda ao ar, junto do coreto da praça, aquela que se  atrevia a entrar no café Central, estabelecimento só para homens, para comprar chocolates ou chupa-chupas, tudo sob o olhar cúmplice da nossa preceptora e amiga D. Fernanda e lá íamos felizes para o passeio pelo campo.
Frequentadoras Casa dos Vale - 1955
Bem, já vos falei dos meus amigos Jãojão e Catila; da queridíssima D. Mariana e agora falo-vos da minha professora de bordados e de tantas outras coisas preciosas, D. Fernanda Vale. Havia muita coisa a dizer dessa casa mas o tempo urge e o pensamento voa…… hoje,  as recordações doem-me no peito e no espírito e deixam-me um sabor amargo na boca. É melhor ficar por aqui. Falar mais desta Senhora é como se fosse possível viver tudo outra vez e hoje eu não quero recordar mais. Tive ou não uma infância,  adolescência e juventude felizes? Faz-me muita pena pensar nos  jovens de agora. Mal nascem são logo velhos, sem culpa nenhuma, apenas porque a velocidade com que se vive agora não lhes dá tempo para serem novos e também porque não existem Mestres como no meu tempo. Talvez esse seja o segredo da minha juventude que já vai nos setenta anos.
Bem hajam todos os meus mestres. Bem haja a “casa dos Vale”
Mimi

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

A 8ª Marcha dos Fortes


Fomos mais de 450 (entre participantes e membros da Organização) os que, jovens e menos jovens, homens e mulheres, atravessámos o Concelho de Sobral de Monte Agraço, no passado dia 13, Sábado. Vindos de Torres Vedras, entrámos na Patameira, (onde uma delegação da União Recreativa nos veio receber, de Bandeira desfraldada bem ao alto), descemos até à Gozundeira, subimos por Pedreira até ao Alqueidão e descemos por Pedralvo, para sairmos na Louriceira de Baixo a caminho da Carvalha, estas duas localidades já no Concelho de Arruda.
O primeiro pequeno-almoço… cada um deve tê-lo tomado em suas casas; o segundo aconteceu no Forte de S. Vicente, em Torres, um pouco antes das 7 da manhã: chá bem saboroso, pão com chouriço bem quentinho, um (sabe-se lá quantos…) bolo de feijão, especialidade da Terra; o terceiro pequeno-almoço foi servido no Forte da Archeira, aí pelas 9,50: fruta à descrição - maçãs, peras, laranjas – sumos, barras energéticas, salgadinhos de bolacha-miniatura, bolos…E talvez me esqueça de algo. Por esta altura já muitos salivavam pensando e antecipando o almoço que seria servido no Forte do Alqueidão, por volta das 13…E aqui percebeu-se por que razão se fala de Pantagruel…e do seu Livro.
Mas tenho que parar para explicar, não é? Vá salivando, que lá chegaremos…Estou a ver se, neste texto, consigo descrever o que foi a Marcha dos Fortes que, pelo 8º ano consecutivo, é organizada pelo CAAL - Clube de Actividades de Ar Livre, em colaboração com a AMPCTV – Associação de Marchas de Torres, e com o apoio das diversas autarquias (Câmaras e Juntas de Freguesia) que a Marcha visita e percorre. São 43 km que, entre as 7 da manhã, (a partida assinalada com fogo-de-artifício), e as 7,30 da tarde/noite, nos levam a visitar alguns dos Fortes recuperados no âmbito da PILT – Plataforma Intermunicipal para as Linhas de Torres. A pé, claro, caminhando, subindo e descendo, desbravando mato, pisando terra lavrada, ladeando vinhas vindimadas… comendo e bebendo: já cá estamos outra vez.
Bem cedo durante a Marcha (muitos dos participantes já fizeram várias das Marchas anteriores) se começa a antecipar o almoço (e o jantar também, mas antes temos os lanches…), e a fazerem-se apostas de que “este ano não vai estar, não pode estar, tão bom como no ano passado”… É que as cozinheiras do “Rancho Folclórico” da Seramena apostam, também elas, em nos deliciarem todos os anos com o melhor esparguete com carne guisada que se pode imaginar, servido à descrição, por grandes conchas vindas directamente da casa da família Pantagruel, cá está. E pode repetir-se, e repete-se, por muito que o megafone grite que convém não comer muito porque a Marcha prossegue, dolorosa, cansativa, daí a pouco. Ah! E do arroz doce, que dizer? Por falar em doce, deixem-me falar da carne do esparguete: mais parecem cubos de marmelada desfazendo-se-nos na boca…
E prosseguimos a caminho do primeiro lanche que, na Carvalha, ao lado da bela Capelinha, pelas 15, repete as iguarias do descrito terceiro pequeno-almoço da Archeira. Bem reabastecidos, subimos a bom subir até ao Forte da Carvalha, passamos pelo Forte da Calhandriz, (para vermos o Tejo e a “outra margem”), em direcção - que esperava? - ao segundo lanche, este ainda mais completo que o anterior, degustado no original Forte do Arpim, já no concelho de Loures. Barriguinhas bem aconchegadas, lá penámos na descida até Bucelas!…Ah! Bucelas, Bucelas…a tua sorte é não te chamares Jerusalém…
No Sábado da Marcha, Bucelas, toda engalanada, está no auge da Festa da Vinha e do Vinho. E a Fanfarra dos Bombeiros vem receber os heróis pantagruélicos à entrada da Vila, acompanhando-nos até à Escola Secundária, onde toca “só para nós” uma peça épica e nos despedimos com estrondosa salva de palmas. Sem demora, e depois do último carimbo no passaporte, começa a ser servido um aperitivo, o afamado arinto branco de Bucelas, fresquinho, cai melhor que ginjas…E já o jantar nos espera. Nas apostas durante a Marcha, nunca se consegue decidir: é melhor o esparguete com carne do almoço ou a sopa de peixe do jantar que as mesmas cozinheiras da Seramena nos oferecem? Repete-se a sopa de peixe, mais a bifana, mais o arroz doce outra vez. E por esta e por aquela mesa lá circula a garrafa de Bucelas branco. Baco e Pantagruel juntos…a gula no seu esplendor. Aquela sopa de peixe “nem em Paris, Melchior amigo” – citando Eça, em A Cidade e as Serras.
Para o CAAL, a Marcha dos Fortes é “a festa dos caminheiros e montanheiros da região de Lisboa”. Mas vem sempre muita gente de fora. Desta vez estiveram delegações de Vila Real, Trás-os-Montes (o GMVR); de Manteigas, Serra da Estrela (a ASE); de Setúbal (as Lebres do Sado); de Arouca; e … da Andaluzia, os Llegacomopuedas (chega lá como puderes). E do Sobral? Cerca de 30 participantes, uma tristeza. Nomes devia escrever muitos…Vou só referir um, o do “homem do megafone”, fundador e alma do CAAL, comandante e alma da Marcha - o Eng.º e meu velho amigo José Veloso.
Pode ver mais fotos clicando aqui. E mais coisas sobre o CAAL e ainda mais fotos ali em http://clubearlivre.org/node/1988; e acolá em http://www.facebook.com/pages/Clube-de-Actividades-de-Ar-Livre/117568384922413. Para o ano há mais. E sobralenses tem também de haver mais, muitos mais.

José Auzendo

sábado, 13 de outubro de 2012

Destaque 4

Estamos a publicar neste espaço pequenos resumos biográficos de pessoas de qualquer idade que, nascidas ou residentes no Sobral, conseguiram que os seus nomes “saíssem” do Concelho, por algum feito realizado no domínio das letras, das artes, da ciência, do desporto. Se não fosse excesso de pretensiosismo, diria que estamos a cantar “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”, citando Camões. Mas é isso que desejamos que venha a acontecer… Colabore connosco, escrevendo para sobral.senior@gmail.com indicando-nos o nome e contacto de alguém que julgue merecer integrar esta galeria ou, se for o caso e preferir, enviando-nos a própria biografia.

E o destaque de hoje vai para
Renato Henriques
Marina Henriques
Escrevo hoje sobre o acordeonista RENATO SIMÕES HENRIQUES, que teve o seu apogeu nos anos 40/60 do passado século, e sobre a sua filha MARINA HENRIQUES. Ele nasceu em Moncova, um lugar aqui muito perto. Seu pai, António Freixial, era ferreiro e tinha uma oficina no Sobral, junto à Pensão Estrudinhas. Era um homem muito trabalhador e respeitado pela sua seriedade, mas muito austero.
Renato era bom aluno na escola, mas o pai impediu que o filho continuasse a estudar. Por volta dos treze anos, alguém lhe facultou um acordeão, e em pouco tempo se percebeu que ele tinha jeito para tocar. O pai lá comprou um acordeão para o filho e este, empenhado e persistente, começou a ter aulas em Torres Vedras, com um professor algarvio, BERNARDINO COELHO, que um dia me confessou ter sido ele o seu melhor aluno. Mais tarde, foi também aluno do professor Vitorino Matono.
E rapidamente o Renato começou a brilhar e a ser conhecido, tendo alcançado, aos 17 anos, a sua própria independência como acordeonista, fazendo desta arte a sua profissão. Sempre considerou o Sobral a sua casa, e neste concelho foi muito acarinhado e estimado. Também os concelhos de Alenquer, Torres Vedras e outros do Ribatejo, onde actuava frequentemente, o acolhiam de braços abertos. Foram anos de grande vivência e experiência, de vida artística e de contactos humanos.
Algum tempo após o serviço militar, foi convidado a ingressar na orquestra do Navio Quanza, passando depois para a do Niassa, onde permaneceu vários anos. Em 1960, numa das viagens que o Niassa fez ao extremo oriente, em que transportava de Macau militares e suas famílias, travou conhecimento, com a Lourdes. Em 1962, farto da vida do mar e resolvido a casar, desembarcou de vez. Casou em 1965. Foi esquecendo quase por completo o acordéon: teve-o fechado durante sete anos. E virou taxista, empregado de escritório…
Do casamento nasceram 4 filhos e a mais nova, Marina, cedo mostrou intuição para a música. Ingressou na Escola Matono, e durante 12 anos foi aluna brilhante. Participou em vários concursos e encontros mundiais. Ganhou uma Bolsa de Estudo da Colónia Balnear Infantil “O Século”, foi Campeã Nacional e Ibérica e, entre outros, recebeu o Prémio Piazzolla. Seguiu um percurso de vida que, no seu conjunto, completa o sonho do pai, que gostaria de ter percorrido o mundo a tocar e fazer apenas vida da música.
Hoje é Professora de Música nos 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico e na Escola Superior de Educação de Lisboa. Participou em vários grupos musicais como os Donna Maria, as Tucanas. Actualmente, é acordeonista dos OqueStrada, que têm actuado em Portugal e em muitos países do mundo, sempre muito aplaudidos.
Embalado pelo êxito da filha, o pai lá começou a experimentar, de vez em quando, as sensações da sua música, mas sempre só em encontros familiares e de amigos. Mas, 30 anos depois de ter actuado “em público” pela última vez, um amigo da Carvoeira contratou o casal e a filha, para tocar durante 3 noites no Carnaval. Durante 3 noites a casa esteve completamente cheia: amigos que há décadas não se encontravam.
A partir daí, durante cerca de 12 anos, surgiram com frequência contratos para concertos e festivais de acordeão, em vários locais do País.
O Renato e a Lourdes partilharam algumas vezes os palcos com Eugénia Lima, Ilda Maria, Tino Costa, Adélia Botelho, João Manuel (da Sapataria), e muitos outros.
Hoje o Renato não toca. Mas quem nasceu para e com a música, dificilmente se separa dela.
Há dias, num convívio sénior, enquanto a Lourdes cantava, tomou o acordeão dela e afagando os botões gentilmente, deles retirava o acompanhamento em notas que lhe segredavam ao ouvido recordações...
Nos seus olhos um brilho profundo, na sua boca um ténue sorriso.
Vi!

Afonso Faria

terça-feira, 9 de outubro de 2012

“Alice, minha irmã Alice”



Era uma vez... Apetece-me começar esta história como começavam as histórias que eu lia em criança, nos meus estimados de livros (três, que li e reli) da colecção “Manecas”. Sim... Era uma vez uma menina que nasceu em 31 de Outubro de 1928, e a quem puseram o nome de Maria Alice. Bonita, esperta e ladina, foi crescendo no seio de uma família pobre, até que chegou a idade de ir para a escola, mas nem sequer passou pela cabeça dos pais mandá-la aprender a ler. A escola era longe e ela era muito nova para fazer aquele percurso a pé; além disso, havia os irmãos para cuidar, (que nasciam, em média, um de dois em dois anos). Houve alguém que se preocupou com isso: uma vizinha ilustre (não conheci, não lembro o nome, só sei que era “a Senhora Marquesa”) apreciava o dia a dia daquela menina e achava um desperdício deixá-la analfabeta, e sempre que a menina podia ia-lhe ensinando o valor das letras. Não foi preciso muito tempo, depressa aprendeu a juntá-las e de repente a menina sabia ler correctamente, devido a uma inteligência acima da média. Aos 8 anos de idade era ela quem distribuía o correio pela aldeia, depois de o ir buscar à sede de freguesia.
Cresceu, não muito, porque era de baixa estatura, nunca passou o metro e meio, mas tornou-se uma bonita rapariga. Foi “servir” nas casas dos senhores ricos, e aqui no Sobral encontrou um rapaz também bonito, de seu nome António Martinho, mas pobre como ela: casaram, foram viver para a Barqueira e aí abriram uma loja mista de taberna e mercearia. Ele era carpinteiro mecânico e assim iam vivendo, uma vida pobre mas um pouco mais desafogada. Para regalo do casal, nasceu uma menina e assim a casa ficou mais completa, havia um fruto do seu amor. Chamaram-lhe Ana Maria.
Quando a filha tinha nove meses, a Pide veio prender-lhe o marido e temos novamente a menina, que se tornou rapariga e se fez mulher e mãe, vitima da pouca sorte: teve que lutar sozinha para sobreviver com a filha, durante uns meses, enquanto o marido esteve preso. Na sua vida fez de tudo, em parte devido ao feitio irrequieto do marido, que andava sempre à procura de um novo trabalho ou negócio para melhorar a vida, o que nem sempre acontecia. Criou ovelhas, criou vacas, foi regatoa, tinha uma carroça puxada por uma mula, e partia nela de terra em terra a comprar ovos e criação, que depois mandava para Lisboa e para a Malveira. As horas na cama eram sempre poucas.
Sobral, Março de  1959
Assim trabalhando, ela e o marido foram a pouco e pouco construindo uma casa. Uma nova profissão surgiu na vida dela: a de leiteira. Comprava o leite na Cooperativa do Leite e, com as bilhas a brilhar que pareciam ouro, distribuía o leite de casa em casa; era habitual ver aquela fraca figura com duas ou três bilhas de mais de 20 litros, nas mãos ou nos braços. E quantas vezes subia a um segundo andar para vender dois decilitros e meio de leite!... Como sempre a vida não corria bem, e o marido teve de emigrar, coisa que ela nunca quis fazer. Veio então viver para o Sobral para ter o apoio dos padrinhos, que eram também os meus. E assim ganhei uma irmã.
A sua última profissão, na qual se manteve enquanto teve saúde, foi de cozinheira: trespassou um restaurantezito e, em pouco tempo, afreguesou-o de tal maneira que vinham pessoas da Amadora, de Lisboa, de Almada, dos mais variados sítios, ao domingo, para comer o cozido à portuguesa, a mão de vaca com grão, ou a dobrada com feijão branco. Era ao lado da igreja do Sobral, e ficou conhecido como a Casa da Tia Alice. Os clientes habituais eram amigos, os familiares que lá passassem tinham forçosamente que comer. Estava sempre pronta a ajudar todos os que precisassem de ajuda. Entretanto, o marido regressou do estrangeiro, à sua profissão de carpinteiro mecânico, comprou mesmo a serração de madeiras onde trabalhava, na Merceana.
Quem viveu essa época, lembra-se do exemplo de persistência, de trabalho, de dignidade que era esta mulher de tão pequena de estatura, mas uma MULHER de letras muito grandes. Quando a vida lhe parecia sorrir, com uma vivenda nova para viver, fruto do trabalho do casal, uma grave doença levou-a com pouco mais de 50 anos. Apesar da sua vivacidade, do seu sorriso franco para toda a gente, e da sua vontade de superar a doença, não conseguiu manter-se entre nós, deixando marido e filha sozinhos. E aqui acaba a história, de momentos felizes e de outros muito tristes, da minha querida irmã Maria Alice, que recordo todos os dias, com muita saudade.

Maria Alexandrina

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Destaque 3


Estamos a publicar neste espaço pequenos resumos biográficos de pessoas de qualquer idade que, nascidas ou residentes no Sobral, conseguiram que os seus nomes “saíssem” do Concelho, por algum feito realizado no domínio das letras, das artes, da ciência, do desporto. Se não fosse excesso de pretensiosismo, diria que estamos a cantar “aqueles que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”, citando Camões. Mas é isso que desejamos que venha a acontecer… Colabore connosco, escrevendo para sobral.senior@gmail.com indicando-nos o nome e contacto de alguém que julgue merecer integrar esta galeria ou, se for o caso e preferir, enviando-nos a própria biografia.

E o destaque de hoje vai para... 

Rafael Gil – atleta de natação
Rafael Lourenço Gil

De seu nome completo Rafael Lourenço Gil, nasceu no dia 22 de junho de 1996, cresceu e sempre viveu no Sobral, no lugar de Abadia. É filho de Augusto Gil e Dulce Lourenço Gil. Tem um irmão, Miguel, de 11 anos. Com 16 anos de idade já frequentou quatro escolas no Sobral (entre “velhas” e novas), estando agora no 11º ano.
Começou a ir para a piscina aos dois anos de idade: cá não havia piscina e os pais tomaram a iniciativa de o levar à de Alenquer, uma vez por semana. Aos seis anos, “inaugura” a Piscina Municipal do Sobral, que passa a frequentar regularmente no âmbito da escola de aprendizagem, assim como da programação escolar. Aos 9 anos foi convidado pelo monitor a integrar uma equipa de pré-competição, a que davam o nome de Os Tubarões. Desta forma aconteceu o seu primeiro torneio: um festival de natação inter-clubes de Arruda, Merceana, Sobral, Marteleira, entre outros. Foi com surpresa pessoal que conseguiuvários pódios, como recorda, especialmente em corridas rápidas, em vários estilos, de 100 e 200 metros.
2009/2010 com o treinador Humberto Marques

E assim andou seis anos, estudando e treinando natação no Sobral, em vários estilos e várias distâncias. Recorda com prazer a equipa da Monteges e o seu treinador Humberto Marques, a quem afirma muito dever na sua evolução desportiva, e mesmo no seu currículo.
Entretanto decidem, ele e os pais, em Dezembro de 2011, que era altura de mudar “de clube”, passando a treinar na Associação Naval Amorense, da Amora, Seixal… Na Margem Sul, a 60 km do local de residência e da Escola…E isto porque a Piscina do Sobral, depois de várias reuniões, não admitiu a possibilidade de efectuarem, ele e os seus companheiros de equipa, treinos bi-diários como era aconselhável para manter(em) a progressão.
Selecção Nac. - Medalha de Bronze - Grécia
Treina oito vezes por semana, tem participado em torneios e campeonatos a nível nacional, e no estrangeiro, em Corfu, na Grécia, em Março deste ano, integrando uma selecção nacional da Federação Portuguesa de Natação . Sente-se integrado numa equipa excelente, com um óptimo treinador, Ricardo Santos, com quem também “dá gozo treinar” enfatiza. Acha que essa mudança de clube lhe permitiu realizar um sonho que começou a nascer no Sobral: “dar um pulo na carreira desportiva”. E está dando: provam-no os resultados que cito abaixo, alguns dos muitos que poderia retratar. Além da natação em piscina, dedica-se também à natação em “águas abertas”.
Seria impossível trazer para aqui todas as provas em que o Rafael participou e os resultados que obteve: entre provas em piscina e em “águas abertas”, já foram quase cem competições. Em Novembro de 2006, em Almada, teve como melhor resultado um lugar nos 50 m bruços. Mas logo em Janeiro de 2007, em S. Bento, conseguiu dois 2ºs e um lugares, tudo nos 100 m, tudo com a Monteges. Na época de 2011/12, em piscina, entre outros significativos resultados, foi 5 vezes Campeão Regional: em 100 m livres, 200 m bruços, e nas estafetas de 4x100 m livres (com record nacional), 4x100 m estilos e 4x200 m livres, também com record nacional. E foi Campeão Nacional nas estafetas de 4x100 m estilos e 4x100 m livres e 4x200 m livres, estas duas últimas com recordes nacionais
Em águas abertas, teve a sua primeira prova de mar em Alvor, em Agosto de 2009, obtendo o 4º lugar infantil. Foi, depois, campeão infantil nas 10 provas seguintes…Na época de 2011/12, foi Campeão Juvenil: 1) na “Travessia Aquapólis”, de 3 000 m, em Abrantes; 2) no 20º Circuito de Mar da Praia da Rocha, 1500 m; 3) nas provas de Mar (1200 m) da Lagoa, Ferragudo, de Alagoa, Altura, de Alvor, de Armação de Pera e de Sines; e ainda na Travesía de Natación, no Guadiana (2500 m), e no Challenge de 10 km na Barragem de Castelo de Bode. Entre outros.

Tudo isto e muito mais está compilado no “currículo desportivo” que o Rafael (creio que a mãe…) mantém actualizado.
Na pouco mais de meia hora que conversei com o Rafael, na presença da mãe, constatei a alegria serena do Rafael pelos feitos alcançados, a sua confiança ponderada em progressos no futuro. E constatei que Rafael e Mãe fazem uma equipa perfeita: se os pais se orgulham do Rafael, o Rafael tem na mãe a fã que mais poderia desejar. 

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 José Auzendo

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

França Borges, outro Sobralense ilustre


Mesmo em frente à Igreja da vila, existe uma pequena rua, de casas baixas, que não serão mais que cinco, que tem o nome de Rua França Borges. Numa dessas casas, no século XIX, nasceu um Sobralense ilustre; posso mesmo ir mais longe, um Português ilustre. Na casa mesmo na esquina, contornando a Rua Heróis da Bélgica, nasceu a 10 de Janeiro do ano de 1871, António França Borges, filho de António Ribeiro Borges e de Cândida Borges França. Estudou no Colégio Brasileiro e na Escola Nacional. Foi funcionário público da Fazenda em Sobral de Monte Agraço.

Jornal O Mundo
Foi um jornalista importante, dando a sua colaboração a muitos jornais, destacando-se a Vanguarda e o Combate, onde expandia as suas ideias republicanas. Em Sobral de Monte Agraço, colaborou em 1894 no jornal Defeza de Sobral de Monte Agraço e, em Torres Vedras, colaborou no jornal Neófito. De salientar que no ano de 1894 havia um jornal em Sobral de Monte Agraço. Foi fundador, no ano de 1900, e director do jornal O Mundo, onde se manteve até morrer. A “Proclamação” que foi o primeiro documento oficial do Governo Provisório da República Portuguesa, em 1910, foi o Mundo o primeiro jornal a publicá-la. António França Borges lutou sempre contra a ditadura franquista no tempo da monarquia.
Como jornalista republicano dos mais importantes na sua época, foi perseguido e preso, por abuso de liberdade de imprensa, mas a justiça nunca o condenou. Por retaliação, é enviado para a Fazenda Pública de Sintra e, mais tarde, deportado para Vila Real de Santo António. Em 1908 exila-se em Espanha depois de sair da prisão. Pertenceu ao Partido Republicano Português e mais tarde ao Partido Democrático. Foi iniciado na maçonaria em 1901, na loja Montanha, com o nome simbólico de Fraternidade. Foi deputado ainda durante a monarquia e também já depois da implantação da República, em 1911. Foi Presidente da Associação do Registo Civil. Era casado com Amélia França Borges tendo esta pertencido à Liga Republicana de Mulheres Portuguesas. Esta Liga fundou a Revista “A Mulher e a Criança” que era constituída por mais de mil associadas, que formavam a vanguarda revolucionária do movimento social, no intuito da emancipação da mulher. Em 1909, os corpos gerentes da Liga e da Revista eram Ana Castro Osório, Adelaide Cabete e Carolina Beatriz Ângelo, Amélia França Borges, entre outros nomes importantes.
França Borges morreu de tuberculose em Davos-Platz, na Suíça, em 5 de Novembro de 1915; deixou a sua viúva com três filhos menores. As cerimónias fúnebres foram orientadas pelo ministro em Berna, Dr. António Bandeira. Os restos mortais chegaram a Lisboa dias depois, e estiveram em câmara ardente, na redacção do Mundo. O funeral realizou-se no dia 19 de Novembro para o cemitério do Alto de S. João, em Lisboa.
Tinha publicado alguns trabalhos como “O Combate”, panfleto em colaboração com Heliodoro Salgado; “A Imprensa em Portugal - Notas de um jornalista” e “A Razão de um padre. O bom senso do cura Meslier”. Sebastião Magalhães de Lima, advogado, escritor, político e jornalista da época de França Borges, afirma no final de um texto que lhe dedicou, no ano de 1928: “ A coerência tornou-se uma aberração. Não compreendem os homens do nosso tempo que se possa servir uma ideia com dedicação e desinteresse. E essa qualidade, hoje rara, raríssima, inconcebível, para os judeus da finança, foi a suprema virtude de França Borges.” Correspondeu-se com Afonso Costa, com quem trocou diversa correspondência, a qual foi estudada pelo historiador A. H. Oliveira Marques (1933/2007).
Na Praça do Príncipe Real, na freguesia das Mercês, existe um jardim com o nome de França Borges, onde se destaca uma estátua com a sua esfinge e com a República segurando o diário” O Mundo “; gravado pode ler-se “ Do seu trabalho hercúleo/Surgiu a República/Consagremos o lutador.” Francisco Grandella homenageou-o dando o nome de França Borges a uma Escola primária construída a mando dele, no Nadadouro, concelho de Caldas da Rainha. Na Quinta da Piedade, na Póvoa de Santa Iria, existe uma rua com o seu nome. Na sua casa em Sobral de Monte Agraço, ainda hoje pertença da família, pode-se ver na parede principal, virada para a Praça da República, uma lápide em sua homenagem, produto de uma subscrição feita pelos sobralenses, que sempre me encantou desde criança, possivelmente por não haver outra na vila… 


Maria Alexandrina Reto