A
História de
um País
faz-se sobretudo
pelos feitos
gloriosos e
heroicos do
seu povo.
A História
de uma
povoação, seja
ela aldeia,
vila ou
cidade é
construída pelo
valor dos
seus habitantes,
que a
desenvolvem mediante
as suas
possibilidades e
a sua
vontade de
a ver
crescer. Mas,
nem só
de História
vivem as
populações, vivem
também de
“histórias"…Quanto
mais pequeno
é o
burgo, mais
histórias são
do conhecimento
público.
Recordo
que no
Sobral de
Monte Agraço
de há
60 anos
havia muitas
mais histórias,
contadas, do
que hoje.
Os audiovisuais,
a maior
possibilidade de
as pessoas
se deslocarem,
vivendo em
constante movimento,
fazendo do
dia a
dia um
constante rodopiar,
acabaram definitivamente
com os
serões nas
casas dos
vizinhos, onde
além de
se fazerem
o crochet
e o
tricot, se
conversava e
se contavam
histórias. Histórias
reais de
pessoas reais,
e havia
aquelas personagens
que, por
serem diferentes
na sua
maneira de
estar na
sociedade, se
tornavam mais
notadas e,
assim, mais
susceptíveis de
nos lembrarmos
delas. Os
filósofos e
os grandes
pensadores deixaram
para as
gerações futuras
grandes frases,
que nunca
deixaram de
ser repetidas,
ao longo
dos séculos.
No Sobral
não havia
filósofos, mas
recordo três
homens que,
durante a
minha infância
e adolescência,
tinham uma
filosofia de
vida diferente
do quotidiano,
e empregavam
sistematicamente as
mesmas frases,
que os
Sobralenses repetiam,
na certeza
de que
elas pertenciam,
por direito
próprio, a
quem as
usava.
O
senhor Alfredo
Mota era
sapateiro na
firma do
Sr. Armindo
Diniz, não
sei quantos
anos viveu
no Sobral,
dizia-se que
tinha um
filho, mas
nunca lhe
conheci família.
Era um
homem muito
alto, esguio,
a sua
figura para
mim (criança)
era um
pouco sinistra.
Era trabalhador,
introvertido e
sem amizades.
Numa greve
de trabalhadores,
que julgo
ter sido
no final
da década
de 50,
quatro pessoas
tiveram a
coragem de
se sentarem
na Praça,
mostrando estar
de greve.
Um deles
era o
meu padrinho
e outro
o Sr.
Alfredo Mota.
E ali
ficaram, conversando,
fazendo o
seu dia
de greve,
tão calmamente
que os
situacionistas nem
se aperceberam
de que
aquelas quatro
almas tinham
passado ali
o dia
como grevistas.
Introvertido e
calmo, esporadicamente
o sr.
Alfredo saía
da “toca”,
e quando
o fazia
era de
“caixão à
cova”,
apanhava a
sua piela
e, assim,
era vê-lo
num banco
da Praça
Dr. Eugénio
Dias, falando
e gesticulando,
enfiando os
seus lábios
para dentro
da sua
boca desdentada,
durante algumas
horas. Nunca
percebi o
que dizia,
mas se
alguém o
abordasse, a
resposta era
só uma:
“ Quem vai,
vai...quem está,
está”...
Depois
o Mestre
Zé, assim
era conhecido.
Julgo que
era ribatejano,
ferrador de
profissão, trabalhava
na oficina
do Sr.
Mário Lopes
(Mário Ferrador);
era um
aficionado, adorava
touradas. Nas
pamplonas era
vê-lo sempre
atrás dos
touros, julgo
que até
teve que
ir para
o hospital,
depois de
umas benditas
marradas. O
seu traje
era sempre
o mesmo:
uma camisola
interior, calça
de ganga,
(da época)
e um
lenço de
assoar vermelho
atado ao
pescoço. Este,
ao contrário
do Sr.
Alfredo Mota,
era muito
comunicativo e
rematava todas
as conversas
com uma
sonora gargalhada,
mostrando a
sua fileira
de dente
sim dente
não…dizendo:”
É festa...é
festa”.
Por
último o
Senhor Joaquim
Marcelino. Passava
o dia
a dia
a trabalhar
na forja
da sua
cutelaria, isolava-se
de tudo
e de
todos; era
um chefe
de uma
família exemplar,
muito trabalhador.
Mas, de
longe a
longe, vinha
à taberna
e, então,
transformava-se
completamente. Com
um “grãozinho
na asa”
fazia grande
alarido, em
discursos directos
e indirectos,
abordava as
pessoas, borrifando-as
de gafanhotos;
com grandes
abraços e
grande conversa,
ia repetindo
várias vezes
durante o
seu discurso:
“Sim é
que eu
sou... o
segundo Marquês
de Pombal”.
Nenhum
deles nasceu
no Sobral,
mas fizeram
desta vila
a sua
terra, e
nós sobralenses
aceitámo-los como
conterrâneos e
respeitávamo-los; e
se aqui
os recordo,
é com
o maior
respeito que
o faço:
eles eram
homens simples,
trabalhadores e
honestos, que
foram- se
integrarando na
sociedade. Apenas
tinham uma
vida atípica,
ligeiramente diferente
da restante
população. Tiveram
em comum,
entre eles,
terem vivido
e morrido
em Sobral
de Monte
Agraço.
Maria
Alexandrina
Olá amiga Alexandrina
ResponderEliminarTambém eu não sou de cá mas esta terra é-me particularmente querida de há mais de umas 4 décadas. Habituei-me a frequentá-la por arrastamento, e adoptei-a definitivamente há perto de uns 10 anos. Desta forma não conheço muitas "histórias da vida real" dos Sobralenses. Mas conheci perfeitamente o senhor Marcelino, que até há bem pouco tempo ainda se encontrava no meio de nós. Conheci-o já numa fase muito avançada da sua vida, mas foi uma pessoa com quem eu gostava de conversar. Desconhecia de todo esta sua faceta de "lider - Marquês de Pombal". Achei imensa piada. Acho que é sempre agradável e surpreendente sabermos passagens engraçadas que marcaram pessoas que conhecemos mas com quem nunca convivemos no dia a dia, e por isso mesmo não as conhecemos bem.
Os outros dois senhores tenho ouvido na realidade falar deles, mas não me recordo de os ter conhecido. De qualquer forma, foram pessoas que contribuiram para enriquecer, ainda que de uma forma minima e graciosa, as "histórias de vida" da História do Sobral. Sim, porque a História não se compõe apenas de factos heróicos, patrióticos e assuntos sérios. Muito mais do que isso, existe a característica das suas gentes, do seu povo, e todo este conjunto é que forma a VERDADEIRA HISTÓRIA.
Obrigada e continue a brindar-nos com estas histórias de vida real.
Um beijinho da amiga
Lourdes.
D.Maria Alexandina
ResponderEliminarComo «colega» de postagens e leitora habitual dos vossos textos aqui estou eu mais uma vez a prestar homenagem á «literata» que se tornou impressível,certo?
Gosto de ler o que escreve e de saber as vossas fiolosofias,é mais um tempo preenchido.
Obrigada
Um abraço
Luisa
Amiga Lourdes agradeço as suas amáveis palavras e a sua simpatia, eu não faço mais do que lembrar o passado, tentando que não fique esquecido após o desaparecimento de quem tem lembranças. É-me muito grato falar de pessoas e monumentos que desde sempre conheci. E como amo muito esta terra, que não é minha, mas que me acolheu desde dos meus 2 anos de idade. Costumo dizer que sou Sobralense de alma e coração,mas emprestada...
ResponderEliminarD.Lourdes quero esclarecê-la de que este Senhor Marcelino a que me refiro no texto, era pai desse outro que a Senhora conheceu. A Senhora conheceu o Alfredo o pai era o Joaquim.
Um beijinho
Maria Alexandrina
“As frases…” da D. Alexandrina remetem-me mais uma vez para a minha adolescência no Minho. Também lá tínhamos alguns autores de frases desse género, a quem chamávamos de “castiços”. Curioso é que “castiço” quer dizer puro, de boa casta; mas não era este o sentido que dávamos à palavra. Era antes um sentido algo depreciativo, mais próximo de ingénuo, não muito inteligente, não com o “juízo” todo.
ResponderEliminarLembro-me de que a televisão, aí por 1960, veio alterar isto tudo: as frases que passaram a repetir-se deixaram de ser as dos nossos “castiços”, para serem ditos que actores propagavam. Uma destas, que perdurou, era, salvo erro, "cá o Rogério é que sabe”: durante meses, toda a gente terminava uma conversa apelidando-se de Rogério!...Era triste. Depois vieram outras...
E assim, lá pelo menos, “morreram” também os poetas populares que, antes, enfileiravam entre os mais citados “castiços”. Num texto anterior (espero que toda a gente se lembre ainda bem!...) a D. Alexandrina citou um poeta popular do Sobral. Sei que poemas “em louvor do Sobral” há-os às carradas, alguns até em livro. Poemas neste blogue também não têm faltado!... Mas desses poetas populares que falam rimando, num café como num funeral, cadê eles? Alguém se lembra? Existe algum ainda?
José Auzendo
Que inveja da tua memória.
ResponderEliminarAo recordares aqui estas figuras bizarras fizeste-me recuar
à minha infância e adolescencia pois recordei e reconheci todas.
Um deles até era meu vizinho mesmo na porta ao lado e tantas vezes o ouvi cantar quando já estava com um copito a mais o que acontecia com muita frequência. Gostei muito.
Quem vai vai...Quem está está. Era como quem diz não se metam na minha vida. Manuela