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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

As festas e Feira de Verão

 
Nos meus tempos de criança e mesmo jovem, as Festas e Feira de Verão de Sobral de Monte Agraço eram tão vividas na minha casa, como se de uma coisa nossa se tratasse: era como que uma firma quase nossa, sem fins lucrativos, diria com grandes prejuízos. Voluntariamente, quase religiosamente, viviam-se as festas o ano inteiro lá em casa. Isto nas décadas de 40 e 50, desde que me recordo.
Filarmónica 1º- Dez, do Montijo (foto da net)
Havia uma arrecadação cedida pela Câmara, onde se guardavam todos os haveres das Festas: o inventário estava elaborado na cabeça do meu padrinho, que às vezes andava preocupado porque faltava uma fronha de almofada. Aquele cheiro característico do festão, com o de tintas e bafio, muitas vezes ainda o sinto no meu imaginário...Dentro de uma grande arca, estavam devidamente acondicionados cobertores, almofadas, lençóis e fronhas, necessários para se fazerem as camas dos músicos das Bandas. As Bandas dessa época vinham de Almada, do Seixal, do Montijo: a Incrível Almadense, Sociedade Filarmónica União Seixalense, a Sociedade Filarmónica 1º- Dezembro, do Montijo. Naquela altura…era longe, muito longe… e os músicos tinham que dormir uma noite ou duas no Sobral… Hoje as Bandas vêm do Norte em luxuosos autocarros, que regressam para as suas terras após o concerto.
A camarata era na Escola primária: tiravam-se as carteiras e abriam-se as “tarimbas” (camas de madeira, com lona) e lá se faziam as camas e eram tantas vezes feitas quantas as bandas que nesse ano viessem de fora. Nessa época, o Sobral carecia de água, só uma hora por dia nos era possível obtê-la abrindo a torneira. Para que os músicos a tivessem para a sua higiene, armazenava-se em bilhas de barro, que se iam encher ao chafariz. Percebe-se que essa iniciativa partia da minha casa: todos os dias das festas e durante anos e anos. O mestre (maestro) da banda e a sua esposa auferiam de outro estatuto e os meus padrinhos dispensavam a sua cama para os hóspedes pernoitarem, improvisando para os donos da casa uma cama no chão, no meu quarto.
Festas de 2007(foto da net)
Todos os anos se remendavam as bandeiras de pano que estavam rotas pelo uso: aos desbotados vermelhos, verdes e amarelos eram acrescentados panos novos das mesmas cores, mas a diferença era grande…Só que, no cimo dos mastros, quem é que via as diferenças? O Carrasca lá contratava os homens e eram feitos os buracos nos passeios, para se erguerem os paus em que se desfraldavam as garridas bandeiras. Não faço a ideia certa das bandeiras que eram remendadas, mas eram sempre perto de cem. E todos os anos se voltava a esta rotineira tarefa. Julgo que às vezes as bandeiras eram só remendos.
foto da net



As Festas e Feira eram idênticas às de hoje, tendo em conta o tempo em que decorrem e até o espaço. Na feira havia barracas de bugigangas, carrossel, e umas barracas que, com o tempo, se perderam: as chamadas barracas de tiro, onde meninas atraíam os homens para darem um tiro. Nunca percebi muito bem como eram, porque não nos era permitido o acesso. Na praça havia a célebre quermesse abrilhantada por um grupo de gentis meninas de bem. Bandas de música, touradas, ciclismo e nuns anos até hipismo eram as variantes da festa. Além do cinema e do célebre baile de fim de festas, onde debutavam a maior parte das raparigas.
Havia uma Comissão em que cada um tinha a sua função, mas desde o peditório pela vila e pelas aldeias e em todos os mais pequenos detalhes estava sempre presente um homem, de seu nome Matias Flor, meu padrinho, que já aqui recordei. Não se viveu tudo isto em poucos anos, na minha casa; desde que tomei o conhecimento suficiente para reparar nestes pormenores, posso afirmar que os vivi continuadamente, durante mais de vinte cinco anos.
O Sobral era uma vila pequena e o acontecimento festivo de maior relevo do ano era as Festas e Feira de Verão. Os sobralenses que viviam fora vinham assistir às “suas festas”. Os parentes e amigos eram convidados, a mesa era farta e as casas enchiam. Era até habitual verem-se rapazes e raparigas de fora a colaborarem na quermesse. A Festa era de todos.

Maria Alexandrina

4 comentários:

  1. É bom recordar esses tempos das Festas do Sobral, e de louvar o senhor Matias Flor: foi um homem que trabalhou anos e anos para as Festas do Sobral, e não só. Foi um homem muito respeitado por todos, muito trabalhador, um belíssimo bombeiro. Um pouco esquecido, como muitos outros Sobralenses. Ao contrário dos gatunos de Portugal que ficam na História.

    Tudo muda; vivíamos as festas doutra forma, as mesas estavam sempre postas para receber os amigos, que muitas vezes só os víamos de ano a ano. Tantos e tantos momentos para recordar… mas para quê escrevê-los? Só a quem os viveu interessam…

    Lisete

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  2. Começo por contestar, veementemente, a última frase do comentário da D. Lisete: então os acontecimentos, as recordações deles, só interessam a quem os viveu? Nem vale a pena argumentar, tão deslocada é a afirmação, para mais vinda de quem já aqui tem revivido connosco a infância das suas ruas, as ruas da sua infância…Foi certamente um lamento de quem tem pena de ter visto as coisas mudarem.

    E embora o texto da D. Alexandrina seja mais sobre as recordações que tem de como vivia as Festas na sua adolescência, do que sobre as Festas em si, nota-se que há diferenças importantes em relação ao que são hoje, à forma como são vividas, naturalmente menos intensa.

    Só recentemente comecei a “andar” pelas Festas, e com certeza que as viveria de outra forma se por lá ainda houvesse … “meninas a atraírem os homens para darem um tiro.”… Sorte a dos homens desses tempos…

    José Auzendo

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  3. Por razões particulares as Festas deixaram de fazer sentido para mim mas agradeço que as recordem como merecem ser recordadas. Antigamente o espirito era outro era mesmo o acontecimento do ano que dava oportunidade à convivência entre todos os sobralenses e até dos familiares que estavam longe e se juntavam a nós.
    Adelaide

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  4. Amiga Alexandrina
    Como "forasteira" que sou nesta bonita terra, apesar de habitar cá há cerca de 10 anos apenas, desde os anos 60 que a frequento assiduamente e por isso tenho acompanhado de um modo menos minucioso do que a minha amiga algumas transformações nos hábitos destas festas. Tudo o que se relacione com a evolução e revolução dos tempos, será sempre bem-vindo, pois as épocas mudam, as mentalidades também, e há que saber aceitá-las e respeitá-las. Mas normalmente quando se vive e acompanha intensamente algo que nos deixa recordações felizes, há sempre o espectro da saudade a acompanhar-nos. Mas isso não quer dizer que não se aprecie e valorize o que os tempos novos nos vão oferecendo. Tudo tem a sua beleza e interesse, as diferenças estão nos gostos e nos olhos de quem as analisa. Espero e desejo sinceramente que a JUVENTUDE SOBRALENSE continue a saber sempre honrar com dignidade as tradições dos seus antepassados. Só assim a História, poderá ter continuidade.
    Um beijinho
    Lourdes.

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