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terça-feira, 21 de agosto de 2012

Murmúrios e sussurros: recordando o Dr. Eugénio Dias

Dias depois daquela conversa com o meu amigo Coreto, apeteceu-me descer de novo até à Praça. Sentei-me num banco bem perto da Estátua do Dr. Eugénio Dias. Aí viajei no tempo... 
Os serões na Praça...desde a minha meninice, até ao tempo em que, como mãe, levava as filhas para lá brincarem. Vieram-me muitas imagens à cabeça...Nas décadas de 40 e 50, alguns veraneantes vinham passar as suas férias no Sobral, uns hospedados na Arcádia, outros alugando habitação. A Praça era a sala de visitas onde conviviam forasteiros e Sobralenses. Lembro-me do Sr. Tarquínio e família (a filha, D. Mariete, casou cá e cá vive), da Ofelinha e da mãe D. Joaquina, que sempre que vinham de férias me traziam uma fita para o meu cabelo; que linda colecção eu tinha... Mais pessoas por cá passaram, mas esqueci os nomes. Este turismo acabou, mas as noites na Praça continuaram a ser um hábito dos Sobralenses durante muitos anos.
Hoje dou comigo sozinha, com os cafés fechados, num silêncio sepulcral. Abstraí-me dos meus pensamentos e comecei a ouvir um murmúrio. Olho para um lado e para outro, nada...ninguém. Novamente um sussurro atrai a minha atenção e então escutei: a conversa era em voz muito baixa, mas alta o suficiente para eu ouvir. E, surpresa! Entendi pelo conteúdo que era entre o Coreto e a Estátua. Escuto a voz que vem de mais longe, mais rude, não de pessoa letrada, e deduzo que é o Coreto:
- Quando aqui cheguei, já aqui estavas de costas voltadas para a Praça, deduzo que aprecies outras vistas…
- Meu amigo, sempre olhei de frente quem não tinha os mesmos ideais que eu e, assim, os meus amigos que mandaram erigir este monumento, por uma subscrição feita entre os Sobralenses e com um donativo da Câmara, acharam que este era o lugar indicado para eu permanecer eternamente, não sei se me entendesO que vês em frente? Esta estátua foi erguida em 1908, ano em que mataram o rei D. Carlos. A Monarquia era muito contestada também no Sobral, e os meus amigos republicanos decidiram que uma forma de se afirmarem e desafiarem quem nesta terra representava, por descendência, o poder monárquico, era erguer uma estátua a um homem do povo, embora de famílias abastadas, que se notabilizou pelo seu valor e não por títulos herdados, virada para a propriedade desses representantes da Monarquia
- Sabes, eu de política percebo pouco, não sou intelectual, como vês sou um simples ornamento desta Praça que até tem o teu nome.
- Depois de implantada a República, o Senhor Manuel da Costa, da Farmácia, que foi o primeiro Presidente republicano do Município, propôs à Câmara que esta Praça, que se chamava do Comércio, passasse a ter o meu nome, ou melhor, o nome por que eu era conhecido. O meu nome completo era Eugénio Libânio Nogueira Dias. Nasci nesta vila a 6 de Setembro de 1865 e vim a falecer apenas com 40 anos de idade, em 20 de Abril de 1906, contagiado por um doente.
- Chamam-te benemérito e herói… porquê?
- Lembraram-se de me chamar herói porque morri salvando outro ser humano; e benemérito porque, como médico, atendia bem todos os doentes. Aos ricos e remediados servia de médico e enfermeiro, não largando a cabeceira do doente enquanto precisasse de acompanhamento; e aos pobres, além disso, ainda lhes pagava os medicamentos. Mas não gosto de elogios. Eles consideravam-me um bom médico e isso sim, desse título eu gostava, porque devotei toda a minha vida à profissão de médico.
- Partilhamos há tantos anos este recinto e só agora fiquei a conhecer um pouco de ti. Será que os Sobralenses de hoje conhecem a tua história? Sabes, já tenho ouvido dizer a quem passa: este é um monumento a Eugénio Dias...devia ter sido algum benemérito da Terra!...
- É natural, deixei pouca descendência, só uma filha e julgo que nunca tive netos. Perdeu-se no tempo a minha história.
- O teu funeral teve um acompanhamento fora do que era habitual, dizem que eras muito conhecido fora do Concelho.
- Sim, era bastante conhecido. Era médico do “Partido Municipal”, um serviço idêntico ao que hoje chamam Serviço Nacional de Saúde...mas só municipal, onde os que não tinham posses eram atendidos gratuitamente. Gostava muito de o fazer, por estar mais ligado aos desprotegidos. Também era Delegado de Saúde. Tinha muitos amigos.
Percebi que a conversa terminara, mas ainda ouvi o Coreto murmurar, como estivesse a falar com os seus botões: que bom que era se todos os Sobralenses conhecessem a história da sua terra e dos seus conterrâneos! São homens como este que a engrandecem, e que construíram o futuro.

Maria Alexandrina Reto

8 comentários:

  1. Boa noite amiga Alexandrina
    Cheguei aqui mesmo no momento em que este seu texto foi colocado.
    A minha amiga de facto tem na sua cabeça todas estas lindas histórias contadas de uma maneira muito original, à semelhança das fábulas. É uma maneira cativante para o leitor menos atento e mais despreendido. Ainda deve ter para aí muitas na "gaveta", e será graças a elas que os "nossos sucessores" saberão algo da história desta terra. É bom que não a deixem morrer.
    Obrigada e continue a brindar-nos com as suas memórias.
    Um beijinho da
    Lourdes.

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  2. Mais uma lição de história sobre a nossa terra. Bom ser divulgada parece que anda tudo sem interesse pelas nossas coisas, pode ser que lhe voltem a dar a vida que já teve. è triste ver assim esta praça.
    Obrigada
    Adelaide

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  3. faço minhas as palavras da Sra. D. Lourdes Henriques.
    Este texto, contem a informação sobre o Dr. Eugenio Dias, de uma forma muito peculiar.
    bem haja, continue nos contando as historias da nossa terra.

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  4. Como forasteiro, e à medida que ia assentando por cá, várias vezes perguntei quem tinha sido este Eugénio Dias; e a resposta foi sempre mais ou menos esta, foi um médico "muito bom" do Sobral. E praticamente foi só isto o que ouvi.

    Houve uma altura em que tentei mesmo investigar, mas nada encontrei escrito, nem na Biblioteca, nem na net...

    O texto da D. Alexandrina não inclui só recordações, inclui elementos sobre Eugénio Dias que só podem estar escritos algures, onde não sei. Mesmo assim, parecem poucos esses elementos, tratando-se da personalidade que dá nome à "plaza mayor", à "plaza d'armas" do Sobral. Parece que o senhor ainda tem familiares vivos: não seria de aproveitar para se tentar escrever e publicar uma biografia mais completa de Eugénio Dias? Ao menos na Wikipédia!...

    José Auzendo

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  5. Não restam dúvidas de que a “invenção” deste blogue (obrigada professor Faria) foi uma janela aberta sobre o Sobral, nem os monumentos lhe ficaram indiferentes; completamente sós, falam uns com os outros: mas mesmo com a praça deserta há sempre alguém à coca e descobre aquilo que lhes vai na alma .

    Sobre o Coreto já aqui me pronunciei. Percebi, finalmente, a razão pela qual a estátua do Dr. Eugénio Dias, que sabia ser médico, está colocada numa ponta da Praça virada para uma parede como se de castigo estivesse. Ele está mas é também à coca, em desafio… É que, assim de costas, não passa pela vergonha de viver numa Praça onde ninguém aparece para lhe fazer companhia.
    Inês

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  6. Olá amiga Alexandrina
    Gostei muito da maneira original do teu texto sobreo coreto e a estátua do Dr. Eugénio Dias.
    Comungo da tua tristeza sobre o abandono da praça.Tem havido uma falta de iniciativa para dar vida à parte mais nobre e bonita da nossa terra.
    Parabéns por teres tanto talento na escrita e na imaginação.
    Manuela

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  7. E que mais poderei acrescentar? Um texto lúdico com muito conteúdo. Se a história fosse assim transmitida nas escolas talvez não houvesse tanto desinteresse e insucesso nesta área disciplinar.
    Parabéns pela forma cativante como escreve e nos enriquece.
    Um Beijinho,
    Marina

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  8. Na sucessão direta não há descendentes. Teve uma filha Maria Júlia que morreu solteira e sem descendentes. Por sinal é minha madrinha de baptismo e que se saiba sou o unico sobrinho vivo do DR. EUGENIO DIAS a quem foi dado o mesmo nome: Eugenio Dias. Desde o desaparecimento do DR.EUGENIO DIAS que os seus conterraneos e descendentes colaterais foram "muito indiferentes" a este HOMEM que alé3m de Médico foi um SER HUMANO ENORME que por se envolver tanto com os seus doentes morreu de doença contagiada por um doente. Lamento que as autarquias (freguesia e camara municipal) nesta "nova Republica, pós 25 de Abril não tenham ainda prestado homenagem a Republicanos da 1ª REPUBLICA nascidos em Sobral de Monte Agraço!? onde o DR. EUGENIO DIAS tem lugar destacado e essa Vila e sede de concelho também

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