Neste
blogue estão fazendo sucesso as histórias pessoais, as vidas vitoriosas
de pessoas lutadoras. Vou também explorar o filão e contar um pouco da
minha história. Como em muitos romances acontece, começo pelo fim, pode
ser que um dia chegue ao princípio, ao verbo.
Aí
por Setembro de 2010, alguém perguntou (porquê, Dr. Belo, ainda não
sei!...) se o “seu marido estaria disponível “para dar umas aulas de
Inglês…”Não faltava mais nada, o homem deve estar doido”, respondi,
quando a mulher, a esposa, me contou. O marido era eu, já perceberam. Ia
lá deixar o meu monte, as minhas enxadas, a horta, as árvores, as
pedras dos meus últimos 12 anos, para ir dar aulas a meia dúzia de
velhos…Era o que faltava!... Certo é que, quase dois meses depois,
quando o Dr. Belo me falou no assunto, a minha resposta foi … “talvez,
acho que sim”. Como nós mudamos!...
E
assim foi. Fui convocado para uma entrevista com a psicóloga da Câmara,
a Drª. Ana Catarina. A entrevista correu bem até ao momento em que me
foi entregue um resumo da conversa para ler e assinar. Se estivesse”
renitente” em dar as aulas, disse eu, acho que não tinha vindo à
entrevista, doutora. Leu mal, respondeu ela, eu escrevi “reticente”.
Desculpe, li mal sim, reticente estou e muito, receio não ter paciência
para dar aulas nesta fase da minha vida; aliás, acrescentei, paciência
sempre tive pouca… para qualquer coisa! Mas lá“passei” na entrevista.
A
primeira aula, no dia 7.1.2011, começou com alguma tensão e insegurança
na minha voz. Ali estava mais de uma dúzia de pessoas, cujas caras mais
ou menos já tinha visto, mas nomes, delas, só um conhecia. Foi quase
trágico: para nomes de pessoas, entre outras coisas mais, sempre fui um
desastre. E assim, durante semanas (meses?) a Olinda era Ivone, a
Mariana era a Augusta, a Manuela era a Vitória, sei lá… impossível
descrever, tantas foram as trocas. Com os homens, cinco na altura, foi
mais fácil, vá lá saber-se porquê. Mas lá fomos desbravando o nosso
inglês. E no fim daquela primeira aula foi gratificante perceber, pelas
reacções expressas, que os alunos tinham gostado... da aula!. Foi bom
para o ego do professor. Temos gente, pensou.
Ah!
Já me esquecia. Entre a entrevista e a primeira aula houve uma reunião
com todos os docentes (professores ou formadores, venha o diabo e
escolha), na qual voltei a falar das minhas reticências. E nunca, mas
mesmo nunca, alguém me perguntou se eu sabia inglês para ensinar…Se mo
tivessem perguntado, responderia certamente que não, não era licenciado
em coisa nenhuma, nunca vivi em país de língua inglesa, raramente vou ao
estrangeiro, turistas por aqui não há muitos, não ando pelos algarves a
engatar inglesas... Então porque aceitei? As minhas repetidas
reticências davam-me margem de manobra, sempre podia fazer uma retirada
airosa a qualquer momento...desculpem-me, o monte chama-me.
Voltando
à vaca fria. (Tem expressões giras o nosso português, pois tem, gente
gira?) As aulas foram-se tornando momentos agradáveis, provavelmente
mais agradáveis que outra coisa, mas tem havido progressos, o professor
tem aprendido bastante…São já históricos, lendários, os erros do
professor de inglês. Cito três. O primeiro aconteceu bem cedo e demorou
quase um ano a ser detectado: worth não significava pena, mas valor, se
bem que as duas ideias andem juntas em certa frase. Depois, numa aula
temática sobre a Páscoa, Páscoa foi ensinada como sendo Eastern, que
remete para o Oriente, em vez de Easter. O que um “n” a mais faz… E mais
recentemente foi o plural dos pronomes reflexos…cujo ensino esteve
prometido e adiado durante mais de um ano civil… e, mesmo assim, foi
ensinado com erro. Pobres dos alunos que tal professor têm.
Mas
não pensem que isto é negativo. Não, é positivo: primeiro os alunos
aprendem errado, convencidos de que está certo; depois, quando o erro é
corrigido, reaprendem de novo, reprogramam os neurónios, um exercício
sempre útil para quem tem mais de 45 anos… dizem os cientistas. Sim, os
alunos têm todos mais de 45 anos, são todos velhos, embora alguns sejam
mais novos que o professor... segundo os bilhetes de identidade…A
paciência que os alunos têm que ter, coitados deles.
Foi
a pensar nisto tudo que, este ano lectivo, alterámos a situação.
Primeiro criámos duas aulas, uma para os menos adiantados, outra para os
mais preparados. Segundo, e isto é inovador, contratámos uma assessora
para o professor…É dela que agora quero falar. A D. Cyntia nasceu e
viveu na Tanzânia, com o inglês como língua mãe. Estudou e foi, durante
anos e anos, professora em escolas primárias e secundárias nesse país. A
vida fê-la vir para Portugal. Ingressou este ano nas aulas de inglês,
para não esquecer, e nas de português, para aperfeiçoar. A D. Cyntia
tem, além do mais, a mais bela pronúncia de inglês que eu já ouvi em
Portugal, mesmo na televisão.
Perante isto, o professor de inglês nomeou a D. Cyntia sua professora em
tempo real, sua polícia na aula. E então é ouvi-la, à D. Cyntia, a
minha polícia, com a sua voz melíflua, sibilante, envergonhada, cabeça
baixa, mão a tapar os olhos, “cârse”..., maldição! escreve-se mas não se
lê “curse”. É, seguramente, caso único nos anais dos estabelecimentos
de ensino a nível mundial: um professor ter, em plena aula, um outro
professor a corrigir-lhe os erros mal eles acontecem. Digno,
absolutamente, do Guinness Book of Records, agora Guinness World Records
(como sabe tanto inglês este professor, vêem?)
Com
mais calma, e isto é que interessa, com mais tempo, com mais espaço, a
D. Cyntia voltará em breve, prometo, a este blogue. Esperemos só que
esta promessa não seja mais um erro do tal…
José Auzendo
José Auzendo