Embora a vida na África do Sul me tenha trazido grandes alegrias, a minha passagem pelo mato nunca poderá ser esquecida.
Aqui, já tinha acesso ao comércio, não sentia o peso do isolamento da machamba.
É verdade que tinha a horta e os animais para consumo lá na machamba. De vez em quando matava um porquinho e fazia chouriço de carne, de sangue, alheiras, farinheiras e couratos.. Verdade seja dita que comida não faltava. Foi ainda na machamba que comecei a fazer o meu célebre doce de tomate verde. Da horta vinham ainda o tomate e o pimento com que fazia a massa para todo ano. Lá, havia necessidade de criar e conseguir com muito esforço o que se queria, ou mesmo improvisar.
Um dia faltou-me o sal . Só tinha grosso e não purificado com que temperava a comida dos porcos. Que fazer? Derreti o sal grosso “sujo”, filtrei a água até ficar limpa, coloquei essa água ao lume até evaporar...
Nunca mais me faltou sal!
A vida em família, a presença de vizinhos, o cruzar-me nas rua com rostos trazia-me de novo à civilização.
Já não se repetiriam as ausências do meu marido como quando estava na machamba.
A cidade de Nampula ficava a 400Km e o porto de António Enes também. De vez em quando o meu marido tinha que lá ir para adquirir os produtos que nos faziam falta. Nunca regressava no mesmo dia pois aproveitava para fazer a venda de abacaxis e arroz.
As plantações do abacaxis eram enormes, a terra boa e a qualidade reflectia-se. Chegava a ter abacaxis com cinco quilos. Cada planta só dá um fruto mas dá cinco ou seis filhos. A planta velha era arrancada e os filhos replantados.
Não gostava de ficar sozinha na machamba aquando as idas a Nampula, mas alguém tinha que ficar...desde 1960 que se ouvia falar muito dos “turras”. Dormia com uma arma à cabeceira!
Enfim, estava na África do Sul, outra realidade, outros desafios...
Alice (Sobral - Espaço Net)