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sexta-feira, 31 de maio de 2013

“E falar português, vai desejar”?


Ao “navegar na net” a propósito dos dialectos portugueses do texto da Alexandrina, descobri uma das semanais “Cartas do interior”, do jornal Público, da autoria de Paulo Varela Gomes, publicada em 24.07.2010, com o título acima. Sendo uma outra “versão” dos falares portugueses, pareceu-me interessante trazer parte dela aqui. O autor fala do “receio” em usarmos certas palavras … curiosamente o mesmo “medo das palavras” de que também eu falei há dias num comentário a propósito do Jornal Sénior.

Com a devida vénia, dou a palavra a Paulo Varela Gomes.
Ora leiam, se fazem favor, a seguinte declaração de um militar da GNR a um dos telejornais de 2ª feira, 19 de Julho último, a propósito de uma acção na qual ele participara: “Detivemos alguns indivíduos que se dedicam ao furto de estabelecimentos de venda de veículos velocípedes simples”. É uma pérola do português contemporâneo. Queria ele dizer que prenderam um grupo que assaltava lojas de bicicletas. Mas, é claro, da boca de um polícia nunca podem sair vulgaridades como “assaltar” ou “bicicleta”. Eles falam policiês, um dos dialectos portugueses mais rebuscados que conheço. É até por isso que polícias e jornalistas dizem “a autoridade tomou conta da ocorrência”, em vez de utilizarem uma expressão mais simples como, por exemplo, “chegaram os chuis”.

em bicos de pés...
Mas não são só os polícias. Vejam os estudantes do ensino superior. Também falam rebuscado. Nenhum utiliza o verbo “ter”. Nenhum escreve uma frase como “a igreja tem uma abóbada de pedra” (…). Escrevem: “a igreja possui uma abóbada de pedra”. Nem dizem o verbo “fazer”: dizem “a igreja de S. Vicente de Fora foi elaborada por Baltazar Álvares”. (…) Reparem também no modo como se eliminou pouco a pouco do português o verbo “querer”. Os empregados perguntam-nos nos restaurantes: “E café, vai desejar?”. “Querer” é aparentemente um acto demasiado assertivo para os portugueses, talvez até mal-educado, tem-se um certo receio de querer ou de perguntar se alguém quer.

Os portugueses de hoje não querem, não são, não têm, não fazem: desejam, constituem, possuem, elaboram. Só se exprimem verbalmente de duas maneiras: ou dizem ”eu não tenho palavras” ou mais valia que as não tivessem porque arrebitam a linguagem até ao ridículo. A utilização saloia do inglês também é típica destes tempos: porque é que escrevemos “on line” quando não dava trabalho nenhum escrever “em linha”? Olhem em volta para os anúncios: ele é o “retail park”, o “express shopping”,(…).

A melhor explicação para esta substituição do português pelo imbecilês é o novo-riquismo. Durante décadas (séculos), a maioria dos portugueses não tinha qualquer 
palhacinhos...
hipótese de se exprimir em público, com excepção do círculo familiar. Agora, que essa hipótese existe, constroem a linguagem como um parolo constrói a sua nova casa… e fazem idêntica figura de parvo”(…).”

Assim escreveu Varela Gomes. E ocorre-me acrescentar que outros “dialectos” circulam por aí, cada vez com mais sem vergonha. Ele é o “politiquês”: a refundação, o consenso, a narrativa, o não há alternativa, tudo para apenas significar “política para enganar o Zé Povinho”; ele é o “economês”: reajustamento, não há folga, equilíbrio orçamental, redução do deficit, tudo para significar apenas “roubar onde é mais fácil, e sempre sem bulir com a corrupção, a evasão fiscal, com os ganhos pornográficos de amigos e tubarões”; ele é o “eduquês”: os “espetadores” sem setas para espetar, o ensino com “metas” em turmas de 30 alunos, professores com horário zero transformados em espectadores, mobilidade especial … tudo para significar apenas que ao ensino de qualidade só pode aceder quem o pode pagar, e os professores que não tiverem “emprego” que emigrem…

O pior é que esta histoira, esta nossa histoira, por muito que possamos “não o desejar”, não vai acabar em vitoira, vitoira. Mas isso também depende de nós …

José Auzendo



10 comentários:

  1. Caro amigo Auzendo, a minha incapacidade de lidar com esta coisa a que na linguagem de computadores chamamos "rato" é tão real que já por 4 vezes tentem escrever o que me vai na alma e acabei "deitando o meu escrito a perder". Mas a continuação deste diálogo tão estimulante e querido de tanta gente sobre a "NOSSA LÌNGUA PORTUGUESA" e as suas múltiplas formas de a falar é tão estimulante que me levou a recomeçar e a continuar no desejo de continuar a participar em algo que mostra como há, de facto, motivos para estarmos juntos e não separados. O seu texto, que vem na sequência de um tema aberto, em boa hora, pela amiga Alexandrina, permite continuarmos uma troca de opiniões e sentimentos " em linha" que só pode enriquecer e estimular a vida comunitária. Se nada houvesse de mais importante este sentimento de comunidade já era um "presente". Mas, a forma como abordou a introdução de termos e palavras de uma "falsa intelectualidade de pacotilha" é tão oportuna e importante que espero possa induzir à reflexão sobre a importância que a linguagem directa, sei que às vezes dura, que caracteriza o povo português seja a prova de que para este povo " diz o que pensa". Veio-me à ideia um artigo de Helena Sacadura Cabral que li uns dias atrás, e , onde o tema são as novas denominações que passaram a ser usadas para designar algumas profissões e em que se chama à atenção em como isso não passa de estratégias que pretendem passar a imagem de uma falsa dignificação dessas mesmas. Acabe-se com a hipocrisia, deixemos que as pessoas tenham a dignidade que é inerente pela sua honorabilidade e continuemos em bom português, e como é nosso timbre e vocação, chamar os "bois pelos nomes" que sempre conhecemos e não façamos nesta nossa riqueza secular mais do que uma afirmação vaidosa. Afinal qual é a língua que tem uma palavra que traduza "SAUDADE"? Têm razão, não há!
    Ser um parceiros do mundo, como sempre foram os portugueses, é bom, mas perder a identidade é mau! Sejamos Portugueses solidários com o mundo, mas sejamos Portugueses.

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    1. Pois é Manuel Augusto, aguentemo-nos cada qual com as suas incapacidades, dêmos-lhes a volta, outro remédio não temos. Gostei que trouxesse para esta discussão expressões como chamar os bois pelo nome, hipocrisia, ou essas "novas denominações" para coisas tão velhas como o tempo. Para usar uma outra velha expressão, que no dia de hoje está na boca de todas as nossas televisões … andamos todos com medo que nos caiam os parentes na lama, Pacheco Pereira disse.

      Mas, acima de tudo, gostei dessa sua aposta em “continuarmos esta troca de opiniões e sentimentos”, como forma de enriquecer e estimular a vida comunitária através deste Blogue. E, já que citei Pacheco Pereira, vou agora bem a propósito citar Mao Tse Tung: “"Que flores de todos os tipos desabrochem, que diversas escolas de pensamento se enfrentem!"

      Auzendo

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  2. Ao pesquisar no bloge Sobral Sénior-Gente Gira, esta manhã, deparei-me com o “bastardinho”, que degenerou, o maroto, mas não foi pena. Porque nos traz assuntos muito sérios.
    Hoje, ao ouvirmos os discursos de alguns políticos na televisão, quase que temos que ter dicionário à mão para conseguir entender o que querem dizer, ou melhor, para percebermos o que eles querem esconder. E o povo, não habituado aos seus dialectos, é roubado todos os dias, sem ter percebido que o deficit orçamental, quer dizer que a receita (o dinheiro dos nossos impostos, porque por aquilo que leio dá-me a ideia que a receita é simplesmente dos impostos que são aplicados, cada vez mais, aos trabalhadores e aos reformados… Não haverá outra forma de se encontrar receitas?) Dizia eu que a receita não chegou para cobrir as despesas …dos automóveis de luxo, dos assessores em demasia e tantas despesas inúteis. Esta apreciação deve ser feita por economistas, mas não aqueles que estudaram “economês”. E o povo lesado tem o direito à palavra, à indignação, ao protesto e eu, tal como o “bastardinho” … eu protesto.
    “Bastardo” foi o nome que o professor Auzendo, num comentário, deu ao seu texto que saiu hoje, que além de nos trazer uma belíssima prosa de Paulo Varela Gomes, acrescentou-lhe a sua opinião sobre a forma como somos todos os dias enganados. Até quando?
    Isso está nas suas mãos, nas minhas mãos, nas nossas mãos…
    Maria Alexandrina

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  3. Este tema da Língua Portuguesa é muito interessante. Os dialetos de cada local são património cultural de um povo que desbravou o mundo desafiando o destino, entre tempestades e vendavais, singrando por oceanos desconhecidos. A aventura o levou à descoberta de terras longíncuas do planeta onde deixou a sua marca e a sua língua, que foi muitas vezes adoptada e transformada em dialectos locais. Mas a Mãe, a Nossa língua, tem persistido na sua essência.
    É pena que haja quem queira destruir e distorcer uma língua tão rica.
    Concordo com tudo o que foi dito nos três comentários anteriores.
    A mania do "chiquismo" e o "novo quirismo" de muitos, quer acabar com o resto de dignidade que ainda existe em Portugal: A NOSSA LÍNGUA-
    Portugal está a ser desbaratado para o estrangeiro a ponto de qualquer dia acabar por perder a sua identidade. As grandes empresas estão a passar para mãos estrangeira que se aproveitam da nossa fragilidade. Mas por favor, não deixemos adulterar a nossa língua, um Património que é Nosso.
    Que pelo menos tenhamos a coragem e dignidade de, todos juntos, protestar e não deixar acabar com a nossa língua.
    Façam acordos onde e com quem quiserem, mas sejamos honestos em defender o que é nosso.
    Lourdes.

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  4. Lourdes, acho que as palavras são essas: o chiquismo e o novo riquismo têm feito com que, por exemplo, nas nossas escolas primárias/secundárias mal se ensine a escrever português. Que, como escreveu Varela Gomes, digamos “one laine” em vez de em linha. Que prefiramos morangos artificiais espanhóis sem sabor, e deixemos os nossos campos ao abandono; que “privatizemos” as nossas grandes empresas … para as vendermos a empresas estatais francesas, alemãs ou chinesas…

    E, já agora, deixe-me aproveitar, Lourdes, para abordar um tema tabú: tema menor, dirá, mas eu não acho. O Benfica, essa “glória nacional” (meu clube do coração desde a infância) foi a última equipa profissional de futebol portuguesa a admitir um jogador estrangeiro. Hoje, é a primeira equipa sem um único jogador português no seu “onze” principal…Mas … ai de quem lamentar...

    Não creio que possamos acabar com isto, já será tarde, mas “que pelo menos tenhamos a coragem e dignidade de, todos juntos, protestar”. Como também disse a Alexandrina, “isso está nas suas mãos, nas minhas mãos, nas nossas mãos…” . Ou, regressando ao Manuel Augusto, tudo isto “mostra como há, de facto, motivos para estarmos juntos e não separados”.

    Auzendo

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  5. É realmente a falar e a trocar ideias que nos podemos entender.
    Afinal não estou só no meu desconhecimento nesta nova tecnologia.
    Tenho feito alguns comentários que que em vez de os encaminhar acabo por os apagar e depois perco as ideias e não tento de novo.
    Mas vamos ao português que é o que nos motiva.
    Eu estou um bocado farta de tanto estrangeirismo, quando afinal temos uma língua tão rica e falada em quase todos os cantos do Mundo.
    É tempo de deixarmos de ter complexos e aprender a gostar do que de melhor temos.
    A nossa língua os nossos bons escritores, poetas e artistas.
    Não deixemos que estes políticos da treta nos tirem este orgulho
    de gostar do que é nosso.
    Eles que emigrem e nos deixem juntar os cacos que ainda restam, para que os nossos netos possam vir a usufruir de um País onde todos têm lugar,os mesmos direitos, os mesmos deveres e as mesmas
    oportunidades.
    Pode ser utopia, mas mesmo velha não quero perder a esperança de
    que isso é ainda possível se todos fizermos a nossa parte.
    Manuela

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    1. Manuela, acho que fez bem em “dar-me pra trás”… Embora eu não creia que possamos “acabar com isto”, concordo, como também aludi, que não podemos baixar os braços, que temos de prosseguir afirmando as nossas convicções, que, mesmo velhos, ou talvez por isso, devemos aumentar os nossos protestos, as nossas denúncias, para que não se perca de todo a esperança de os nossos netos virem a ter o tal “País onde todos têm lugar, os mesmos direitos, os mesmos deveres e as mesmas oportunidades.” Não foi esta, de resto, uma “promessa” do 25 de Abril?

      Mas eu não quero que “estes políticos” emigrem, como o outro, que gasta à tripa forra, em Paris … dinheiro ganho como? E outros não andam já por Cabo Verde, Brasil, sei lá…Não, eu quero que eles paguem cá pela ruína a que nos conduziram.

      Auzendo

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  6. Não posso estar mais de acordo com algumas frases aqui ditas: “Que pelo menos tenhamos a coragem e dignidade de, todos juntos, protestar e não deixar acabar com a nossa língua. “ que isso está nas suas mãos, nas minhas mãos, nas nossas mãos …” etc. etc.

    Mas perante o que me é dado observar apetece-me dizer: (inspirando-me no José Mário Branco) Actualizem-se , Seniores, Actualizem-se! Talvez precisem de frequentar uns” Workshops com uns coffee breacks” … expliquem-me, por favor, como se eu fosse muito burra – que loira já eu sou, o que me dá algum trabalho eheh! – como se dá a volta a isto…

    No dia da criança vi anunciada, num site de um Shopping algures, “Mini Fashion Repórter” nem me dei ao trabalho de saber o que era, mas era de certeza muito “fashion”… Noutra festa por sinal, bem organizada, no Sobral, com bastantes actividades para a criançada, a animação musical era feita, em altos berros, impossibilitando qualquer conversa, por um conjunto que tocava: tangos, pasodobles entremeados com canções apimentadas com “aquelas rimas” bem próprias para “crianças, mas seniores” … Será que os pais e outros adultos não podiam, pelo menos neste dia, dispensar essas melodias.
    Lá diz o ditado: de pequenino se torce o pepino.

    Desculpem, mas talvez tenha acordado um pouco “down”.

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    1. Tem razão, Inês, eu também não gostei da música para as crianças, mais própria para os pais. Cheguei a pensar que queriam tornar os miúdos mais rapidamente adultos, para depois os mandarem emigrar.

      Lisete

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  7. E ASSIM ACONTECE!!!
    Muito bem observado.
    Paulo Cardozo

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