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quinta-feira, 9 de maio de 2013

Álvaro Cunhal - Uma vida de coragem e coerência


Comemora-se este ano o centenário do nascimento de Álvaro Cunhal, um dos vultos mais importantes do século XX. Distinguiu-se na política, nas letras, na pintura e no desenho. Um pouco por todo o País, os Municípios (o do Sobral, de Torres Vedras, do Cadaval, Leiria, Lisboa, Vila Real, Sever do Vouga e tantos outros), Grupos de Teatro e o Partido Comunista Português estão a levar a efeito iniciativas para comemorar este Centenário. Pode acompanhar as comemorações em http://acunhal.blogspot.pt/ .
Cunhal nasceu em Coimbra a 10 de Novembro de 1913, no seio de uma família burguesa: o pai era advogado e político, e a mãe uma senhora extremamente religiosa. Ele ingressou na Universidade aos 17 anos para tirar Direito, mas cedo se envolveu na política, “bichinho” que herdou do pai. A Guerra Civil espanhola teve muita influência na sua participação política, e o seu desejo de lutar pelos desprotegidos levou-o a filiar-se no Partido Comunista Português em 1931.
Desenhos da prisão

Nos anos trinta, colaborou em diversos jornais e revistas: Diabo, Seara Nova, Militante e Avante, entre outros. Em 1940 foi preso e fez o exame final da licenciatura sob escolta policial. A sua tese, sobre a realidade Social do aborto, legalmente proibido, como é óbvio, foi avaliada por um júri salazarista, onde se destacava Marcelo Caetano, e obteve a nota final de 16 valores.
Volta a ser preso em Março de 1949. No seu julgamento, um ano depois, é ele próprio quem se defende, declarando que quem devia estar preso eram os governantes, Salazar especialmente, “pelos crimes cometidos contra o Povo Português”. É condenado e, durante os 11 anos em que esteve preso, oito foram de total isolamento. Conseguiu evadir-se da prisão de Peniche com mais uns quantos camaradas e, depois de alguns anos na clandestinidade, foi para Moscovo, na então União Soviética, onde recebeu asilo politico e viveu. Mais tarde muda-se para Paris, onde assiste ao Maio de 68, e aí se mantém até à sua vinda para Portugal, em 30 de Abril de 1974.
Em 1960 nasceu a sua única filha, Ana Cunhal. Em 1961 torna-se o Secretário-geral do Partido Comunista Português, cargo que exerceu até 1992. Foi Ministro sem pasta nos Governos Provisórios em 1974 e 1975, Deputado à Assembleia da Republica de 1976 a 1987 e membro do Conselho de Estado de 1982 a 1992. Estive muitas vezes em sítios onde ele esteve. Mas eu e o meu marido, jovens na casa dos trinta anos, tivemos o privilégio de estar sozinhos alguns minutos em conversa com Álvaro Cunhal: um homem amável, divertido, com todo o seu charme, ele foi encantador. Nós, que nos sentíamos tão pequeninos ao pé de tão ilustre personagem, já com 60 anos, de repente estávamos a falar de igual para igual com ele. No fim perguntámo-nos onde estava aquele Senhor, que na minha ideia era um pouco austero, distante, inacessível. Era preciso ser dotado de uma grande humildade, educação e inteligência para nos fazer sentir tão à vontade!...

Álvaro Cunhal nunca aceitou ser condecorado, embora lho tivessem proposto: nunca se considerou um herói individual. O que defendia era um colectivo e esse colectivo era o Partido que ele representava. Em 1995 reconheceu publicamente que usou o pseudónimo de Manuel Tiago, nos romances Até Amanhã… CamaradasCinco dias…Cinco Noites e a Estrela de 6 pontas. Publicou depois A Casa de Eulália, Fronteiras, Um risco na areia, Os Corrécios e outros contos, etc.

Deixou obras de cariz político, como Rumo à Vitória e Partido com paredes de vidro. Tem sido biografado por pessoas dos mais variados sectores políticos, destacando-se em Portugal o trabalho de Pacheco Pereira, conhecido militante do PSD. Deixou também uma vasta obra na pintura e no desenho. Os dois primeiros daqueles romances foram adaptados ao cinema.
Morreu em Lisboa no dia 13 de Junho de 2005, está sepultado no cemitério do Alto de S. João, e no seu cortejo fúnebre participaram altas individualidades portuguesas e estrangeiras. E o Povo, o Povo que ele defendeu, encheu as avenidas de Lisboa…

É grande o meu atrevimento em querer escrever sobre uma pessoa com uma vida tão marcante como o Dr. Álvaro Cunhal. Pretendi, apenas, deixar-lhe aqui a minha singela homenagem. Foi um Homem, um Senhor, um Político, um Escritor, um Pintor, um Desenhista. E foi sobretudo… um lutador incansável pelas suas convicções.
Maria Alexandrina

10 comentários:

  1. Amiga Alexandrina
    Este texto denota bem o seu vínculo político, que respeito e admiro.
    Já aqui afirmei que não gosto de/nem sou política. Odeia a política. Mas isso não impede que saiba apreciar um texto tão bem escrito que nos dá a conhecer, além do político, o Homem. Esse sim, sempre o apreciei por ser coerente e fiel às suas convicções. As suas ideias poederiam estar um tanto ou quanto ultrapassadas (apenas o que eu ouvia comentar) mas tinha personalidade e não mudava de opinião conforme os interesses. Admirei-o como Homem. O político passou-me ao lado.
    Parabéns e obrigada pela partilha desta homenagem póstuma.
    Beijinhos da
    Lourdes.

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  2. Amiga, não é para mim surpresa a inquestionável apetência que tem para nos ir presenteando com os seus escritos sempre válidos e interessantes. Leio-os atentamente e sempre consigo aprendo como é gratificante saber dos seus sentimentos ao passear algures por esses campos desta terra, como refelito na importância que sempre atribui às lembranças dos lugares, costumes e pessoas que foram fazendo parte do seu percurso de vida. Afinal como podemos viver o presente, construir o futuro, sem preservar o passado?
    Hoje , como tem feito com tantos outros, fala-nos de uma pessoa que além do mais, e sem qualquer avaliação ou preconceito em relação à sua actividade política, foi de facto um vulto da cultura portuguesa. Bem haja por o ter feito, pois lembrar algumas pessoas, às vezes é complicado!!!!!

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  3. No século xx, Portugal teve uma razoável quantidade de personalidades cuja projecção se estendeu bem para lá das suas fronteiras. Nalguns casos, devido à cegueira política que nos desgovernou durante a maior parte do século, essa projecção sentiu-se mesmo mais para lá das nossas fronteiras. Entre muitos outros, vou destacar aqui Egas Moniz, Fernando Pessoa, António Sérgio, Agostinho da Silva, Eduardo Lourenço, Fernando Lopes Graça, Álvaro Cunhal, José Saramago.

    Álvaro Cunhal foi dos que mais se destacaram, como pensador político, como lutador por um ideal que cedo começou a construir, como artista, pintor e escritor. Não partilhei sempre as suas propostas políticas, mas li com grande prazer quase todas as obras mencionadas no texto, ainda antes de saber que eram da sua autoria. E, de todos os livros que li dele, talvez o que mais fundo calou em mim tenha sido “A Casa de Eulália”, passado durante a guerra civil espanhola. E já o li sabendo quem era o verdadeiro autor. Vi os seus desenhos da prisão aí em 1972, e ainda guardo a profunda impressão que me deixaram.

    Vou terminar com uma frase de José Saramago: “E compreendo, garanto que compreendo, o que um dia Graham Greene (1) disse a Eduardo Lourenço: «O meu sonho, no que toca a Portugal, seria conhecer Álvaro Cunhal». O grande escritor britânico deu voz ao que tantos sentiam. Entende-se que lhe sintamos a falta.”

    (1) Escritor inglês, 1904/1991, jornalista, autor de peças teatrais e de famosos romances policiais, tais como “O Expresso do Oriente”, “O Nosso Homem em Havana”…

    Auzendo




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  4. Fico contente por ter sido a Alexandrina, mulher, a ter este “atrevimento”.
    Álvaro Cunhal era um homem fisicamente bonito e sedutor e a Mulher ocupa na sua obra um lugar de relevo: forte, corajosa, trabalhadora; está sempre presente, lutando ou trabalhando ao lado do homem, mas também dançando, nos desenhos, cheia de leveza e graciosidade.
    Também a sua tese de licenciatura em Direito reflectiu essa relevância, ao tratar o tema “O Aborto, Causas e Soluções”. Não consigo imaginar a coragem necessária para falar sobre este assunto com professores reaccionários, no regime de ditadura profundamente dominado por uma Igreja retrógrada.

    Figura controversa da nossa história, despertou sentimentos de admiração e ódio. Desdobrou-se em várias existências: ele era o homem político, o artista, o ensaísta, o escritor…
    Quando esteve preso em Peniche, traduziu em segredo o clássico da literatura mundial “Rei Lear”, de William Shakespeare: não precisou de licença sabática ou bolsa de estudos para o fazer. E não esqueço também a sua ilustração para a capa do livro Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes.

    Comparar a sua dimensão intelectual e cultural com o que por aí vemos hoje é o mesmo que comparar uma peça de filigrana com um qualquer objecto de plástico. Era de uma verticalidade e coerência raras, daí um homem raro.

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  5. Amiga Alexandrina,
    Apesar do atrazo, aqui ficam os meus parabêns por mais este interessante texto. Admiro a facilidade com que escreve tantos e tão belos apontamentos. Em relação a Álvaro Cunhal, essa ilustre pessoa, sobre a qual já muito foi dito, por isso pouco mais me resta acrescentar. Devo dizer que, sempre o admirei e continuo a admirar, pela coragem que sempre teve, pela persistência, inteligência, por tudo o que sofreu nas prisões por onde passou, e sem que a voz lhe doesse, sempre gritou bem alto os seus idiais.
    Obrigada por tudo o que nos deixou.
    Descanse em páz.
    Rosa Santos

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  6. Não tenho por hábito agradecer os comentários que fazem aos meus textos, o que será uma indelicadeza da minha parte, mas cada um é como é...

    Hoje resolvi agradecer e vou fazê-lo individualmente a quem teve a simpatia de comentar.

    Amiga Lourdes como já disse, cada um é como é, a amiga não gosta de política e eu gosto muito. Diz a minha amiga que o texto denota as minhas preferências políticas, também não tentei esconder... Não sou crente e aceito e respeito todas as religiões, não gosto de futebol, mas respeito os adeptos, por isso acho que as opções políticas de cada um também devem ser respeitadas tal como a amiga referenciou.

    Meu amigo, professor e colega Manuel, é verdade que é complicado, ainda hoje, falar de certas individualidades, mas calar sentimentos chegou até um certo dia 25 de Abril … Por isso tive muito gosto em falar de Cunhal.

    Amigo, professor e companheiro de blogue Auzendo: depois de uma conversa que tivemos foi o senhor que me incentivou a homenagear este vulto da cultura e da política portuguesas, e com o seu tão completo comentário enriqueceu o meu texto.

    Amiga Inês as mulheres, quando querem, são "atrevidas" e ousam falar ou escrever de quem a muitos ainda incomoda. Encantou-me o seu comentário que vou classificá-lo com uma frase que há muito não escrevo: Lindo de morrer...

    Amiga Rosa não chegou atrasada para dizer mais umas das coisas bonitas que costuma escrever... Vem sempre na hora.

    Para todos um abraço de ternura e amizade e contem comigo.

    Maria Alexandrina

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  7. Eu/nós é que devemos estar gratos à Alexandrina por nos presentear com os seus textos, todos eles escritos com evidente entusiasmo, que quero aqui realçar.

    Não, não é uma questão de atrevimento, é sim uma questão de cidadania, e eu, enquanto cidadã, gosto de dizer o que penso, é um direito de que não abdico. Uma troca mais ampla de pontos de vista tornaria este blogue mais activo e dinâmico, e todos sairíamos mais enriquecidos, mas a vida é como é… as pessoas são como são… a memória é curta… e temos outros interesses (leia-se: tratar da nossa vidinha) cada vez mais acentuados nesta sociedade mediática, onde todos querem ficar bem no retrato. E como diz o amigo Manuel “lembrar algumas pessoas, às vezes é complicado!” E, então, com medo …calam-se. É uma tristeza que pessoas que se reclamam das ideias políticas de Álvaro Cunhal não tenham tido um minuto para nos darem aqui o seu testemunho, aproveitando a bela oportunidade que a Alexandrina nos deu…

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  8. Parabens D.Alexandrina por mais este artigo a homenagear uma grande figura.Parabens D.Ines por gostar de dizer aquilo que pensa pois às vezes também é complicado. Cada um continua a tratar da vidinha e depois logo se vê.
    Adelaide

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  9. D. Alexandrina, embora o seu texto tenha alguns dias não poderia deixar de lhe deixar a minha opinião.
    Obrigada pelo seu "atrevimento" e pela sua homenagem, não poderia concordar mais com tudo o que escreve acima. E também eu me lembro muito bem pelo menos da última das suas visitas ao Sobral, daqueles cabelinhos brancos, do olhar profundo e do discurso sempre claro e conciso, cheio de força e coragem.
    Cumprimentos, Hortense Bogalho

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  10. Sou de Braga, estive lá no seu ultimo adeus, ruas completamente cheias de pessoas, bandeiras vermelhas, pessoas de todas as ideologias politicas, momento marcante para o resto da minha vida. Das personalidades mais importantes de sempre do nosso país, não sei pq não está no Panteão Nacional....

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