Com
este título, trazia o jornal Público de Domingo, dia 3.3, uma longa
reportagem nascida da “crise” e das consequências desta na vida
das famílias. Todos os dias, um pouco por todo o lado, no Sobral
também, famílias ficam desesperadas porque um dos membros do
casal fica no desemprego, quando não os dois…Em várias fases,
foi o que aconteceu a Maria Alzira, agora com 56 anos e ao marido, de
53, dois filhos a estudar.
Maria
Alzira sempre gostou de alimentar os outros, mesmo quando trabalhava
numa empresa de informática. Desempregada ao fim de onze anos a
trabalhar por conta de outrem, começa a vender rendas para roupa
interior feminina, mas os produtos chineses aparecem em força e
depressa arruínam o negócio. Passou a dedicar-se à cozinha,
fazendo bolos que vendia nas pastelarias de S. João do Estoril:
tortas de laranja, bolos de bolacha…
Entretanto,
o marido também ficou desempregado, e passou a viver de um ou outro
trabalho precário. Decidem então mudar-se para o Cadaval, onde
arrendam uma casa. Maria faz refeições para estrangeiros que
frequentam uma escola de línguas. Começa a aproveitar as peras,
as maçãs e os figos da própria casa para fazer doces caseiros.
Indo atrás dos gostos dos estrangeiros, começa a fazer bolachas de
aveia integral com açúcar e canela. São as que hoje mais
vende. Mas tem outras, muitas mais variedades: bolachas de laranja
com sementes de sésamo, bolachas de alfarroba e amêndoa, umas com
ovos outras sem ovos, bolachas de gengibre, de alfarroba e figos, de
sêmola de trigo e pinhões e outros doces de maçã bravo de
Esmolfe, de pera rocha, de pêssego da Cova da Beira…
Faz
hoje 13 variedades de bolachas, simples ou com recheio, e 30 compotas
diferentes. Tudo com ingredientes naturais, de origem portuguesa,
tudo feito de forma artesanal, sem conservantes ou gelificantes.
Primeiro só na cozinha da própria casa – alturas havia em que
tinham de afastar caixotes para entrarem no quarto de dormir.
Depois
construíram uma cozinha à parte. Tudo isto no Cadaval, daí a marca
Zira
Cadaval, que pode conhecer melhor na net. Mas, com o
agudizar da crise, as coisas ficaram negras, quase desistiram, e
tiveram de ir vender bolachas de porta em porta.
Viram,
Alzira e Rui, o marido, que tinham de alterar os planos iniciais.
Fizeram formação, pediram o apoio de consultores, reduziram custos
e candidataram-se a um apoio do QREN
e relançaram o projecto, agora instalado na zona industrial do
Alto do Ameal, em Torres. Têm 6 empregadas, apostam na exportação,
nas grandes cadeias de distribuição, de hotéis e restaurantes,
lojas gourmet, feiras de artesanato e gastronómicas nacionais e
internacionais. Em 2012 facturaram 160 mil euros, esperam atingir
os 280 mil em dois anos, dos quais 30% em exportações.
“Os
abalos da vida acabaram por empurrar os acontecimentos”, diz
Maria Alzira. É aqui que quero terminar. Lembro-me do que tenho lido
sobe as tradições gastronómicas e outras do Sobral, e penso que
muito poderá aprender-se, adaptando, do exemplo dos nossos
“vizinhos” Maria Alzira e Rui Silva. Situações como a que eles
viveram temos muitas, como a que eles vivem haverá poucas. Destas,
as que existirem e chegarem ao nosso conhecimento, teremos muito
gosto em relatá-las aqui.
José Auzendo
Obrigada Amigo Auzendo por nos dar conhecimento desta "história de vida" que poderá ajudar a mudar de rumo e a voltar a ter Esperança, algumas pessoas que infelizmente no presente se encontram sem emprego. A "Esperança é sempre a última a morrer" e este exemplo é a prove disso.
ResponderEliminarUm belo exemplo de perseverança e sem ela não existe sucesso.
Um abraço
Lourdes.
Crise é a palavra que habitualmente se usa para esconder a incompetência de alguns e a corrupção de outros, mas temos que viver com ela e tentar vencê-la.
ResponderEliminarNão sou economista para dizer o que está errado, no entanto “penso logo existo” segundo Descartes, e como tal acho que muita coisa errada se fez, mas não foram os nossos jovens que contribuíram para isso. Que legado lhes deixamos? O desemprego e as consequências a ele inerentes, tal como a Alzira e o Rui, muitos jovens e até menos jovens têm sido confrontados com dificuldades de toda a espécie, até a de entregar a casa que julgavam ser sua à entidade credora. Eles exibem os seus diplomas de Licenciatura, de Mestrado e até de Doutoramento, uma mão cheia de tudo em troca de nada.
O professor Auzendo descreve-nos e muito bem um caso de sucesso: assim o horizonte não parece tão negro, vislumbra-se uma réstia de Sol; esperemos que o céu depressa se torne todo azul e que esta fase das nossas vidas seja só uma nuvem passageira… Mas eu não acredito.
Maria Alexandrina
Uma bela história de mudança de vida! ainda bem que existe gente com garra e não vira as costas ao trabalho.
ResponderEliminarUm beijo.
M. Emília
Pessoas como a Maria Alzira é que o nosso país precisa, gente empreendedora, que não desiste e não tem medo do trabalho. Se todos fossem assim, não havia tanta gente a ganhar o rendimento mínimo.
ResponderEliminarMuito obrigado professor Auzendo por ter partilhado connosco, uma história de vida tão bonita
Mariana
Apraz-me registar os comentários que este texto está suscitando. A história de vida relatada, e mais ainda o tema central da história, são matéria que poderia originar um debate aprofundado que, naturalmente, não cabe neste espaço. Mas é salutar (“obrigatório mesmo”, escrevi aqui há dias) que se troquem opiniões sobre os assuntos, mesmo quando, ou especialmente quando, temos divergências de opinião.
ResponderEliminarSubscrevo inteiramente a síntese da Lourdes: a história é “um belo exemplo de perseverança e sem ela não existe sucesso”. Também não acredito, tal como a Alexandrina, “que esta fase das nossas vidas seja só uma nuvem passageira”. E sim, que estamos a ser vítimas da “incompetência de alguns e da corrupção de outros”(…embora eu preferisse substituir as palavras “alguns” e “outros” por … muitos).
Ainda bem que existe gente que “não vira costas ao trabalho”, ainda bem que existe gente que “não tem medo do trabalho”. Se transcrevo estas frases é porque concordo com elas, é porque acho que fui e sou um desses. Mas não posso deixar que se pense que é isso, não virar as costas, não ter medo, que pode resolver os graves problemas que enfrentamos. Nós, em Portugal, e no resto da Europa. As centenas de milhares de desempregados que temos, os milhares de famílias que desesperam aqui "ao nosso lado", os milhares que emigram, as dezenas que se vão suicidando, não existem, não são uma triste realidade por serem preguiçosos ou medrosos.
Auzendo
Parabens à Maria Alzira mas parece que não temos motivos para grandes alegrias, quando vemos os nossos familiares a deixarem o país quando querem e precisam de trabalho.
ResponderEliminarAdelaide
Tem toda a razão, D. Adelaide. Minutos depois de, ontem, escrever o meu comentário atrás, foi noticiado um estudo que adiantava estar a verificar-se uma média de cinco suicídios por dia em Portugal. Com a agravante, como sabemos, de alguns pais estarem a levar filhos para a morte com eles…Mesmo se aquele número parece algo exagerado, é certo estar a haver um considerável aumento de pessoas a suicidar-se…no País. E isto só pode deixar-nos tristes, preocupados, revoltados…
EliminarNão obstante, devemos sempre regozijar-nos com quem consegue salvar-se do naufrágio; e, mais ainda, quando alguém, como é o caso da Maria Alzira, consegue não só salvar-se, mas também evitar que outros naufraguem.
Auzendo