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domingo, 22 de julho de 2012

PERCURSO DE VIDA MUSICAL (3ª. parte)


Agosto de 1961 (15 anos)
Nessa época em que comecei a “despertar para o público” morava em Benfica na rua do antigo lar dos Benfiquistas. Quando os futebolistas passavam pela minha casa ouviam o acordeão e despertou-lhes a atenção. Vezes sem conta apareciam músicas na caixa do correio, sem eu nunca ter descoberto o autor de tal façanha. Até que, sem eu saber como, alguém foi a minha casa fazer-me uma proposta para eu ir participar numa festa do Clube Futebol Be nfica, a tocar uma valsa para dois bailarinos dançarem. E a seguir à experiência com as ceifeiras, esta foi a minha estreia “como acordeonista” num palco, no Cinema da Venda Nova. Fui muito aplaudida julgo que por ser uma miúda, pois naquela época, uma menina a tocar acordeão não era lá muito visto.
Entretanto, quando já tinha 16 anos, uma vizinha que gostava muito de mim e conhecia o Professor Vitorino Matono, pediu licença aos meus pais para me apresentar ao Matono, para ver se eu poderia frequentar as aulas na escola dele. Mandou-me fazer um teste e escusado será dizer que fiquei. As suas palavras para a amiga foram: “A pequena tem muito jeito”. E lá andei até aos meus 19 anos, tendo chegado a participar no primeiro conjunto formado por ele “CONJUNTO MUSICAL MATONO”. Ele dizia que eu a ler música era um “caso muito sério” pois lia rápida e correctamente. Já a tocar era menos habilidosa. E para meu espanto, o meu papel no conjunto era a tocar num acordeão contrabaixo, que nem sequer tem botões na mão esquerda. Foi uma experiência que adorei. Éramos 6 elementos, todos com acordeão, sendo que o meu era o contrabaixo e eu o único elemento feminino.
Verão de 1963 (17 anos)
Além das lições, todos os domingos lá estava eu na escola para irmos ensaiar. E a nossa estreia foi no antigo Cinema Império, na Alameda D. Afonso Henriques. Para mim foi um delírio, participar num conjunto do Professor de acordeão mais conceituado da época. Chegámos a tocar para o maestro Belo Marques e já tínhamos tudo acertado para andarmos para a frente com um projecto de disco, mas entretanto o professor adoeceu e teve uns tantos impedimentos que acabou tudo em nada, o que me desmotivou bastante e a partir daí, comecei a perder o interesse. Mas isoladamente sempre ia tocando aqui e ali. Uma das actuações que não esqueci, foi numa colectividade na Calçada dos Mestres, julgo que (me perdoem se estou enganada) nos Alunos de Apolo, onde fui calorosamente ovacionada.
Acabei os meus estudos e contrariamente à ideia de meus pais, arranjei emprego e iniciei o namoro com o meu futuro marido, que entretanto já tinha deixado a orquestra de bordo e mudado de profissão. Apesar de nunca me ter dito nada, sempre soube que não aceitaria de bom grado que a minha vida passasse por uma faceta musical, pois por experiência própria, sabia que seria difícil conciliar a vida familiar com a artística. E para mim, o que estava em 1º. lugar era a família, e este jovem foi na minha vida o meu Príncipe Encantado. E logo me comecei a afastar lentamente das festas públicas, de livre e espontânea vontade para não lhe desagradar, pois já não saberia conceber a minha vida sem ele. E as últimas actuações como animadora de bailes, que me lembre, foram em Turquel e Unhos. Esta última deixou-me uma saudade especial. Era numa colectividade com muita gente e eu sozinha no meio do palco. Claro que tocava músicas da época, mas faltava acompanhamento. E eis que um jovem saltou para o palco e começou a tocar numa bateria que lá se encontrava. Para mim uma novidade. Nunca tocara assim, ainda por cima sem ensaios, e ao acertarmos “o passo” tão bem, deu-me um entusiasmo que toquei horas a fio sem sentir cansaço. Porém nessa época, apesar de andar sempre a cantar e tocar, não tinha ainda a consciência da minha verdadeira vocação. E o 1º. trabalho que rejeitei foi fazer uma passagem de ano em Turquel, local que já me tinha contratado uma vez e onde fui muito acarinhada.
Pus os pesos na balança, de um lado a música com toda a alegria e entusiasmo que me proporcionava, do outro o meu casamento realizado apenas há 3 semanas, e claro que o prato do coração pesou mais.
A partir daí nunca mais aceitei trabalho algum musical. O meu marido nunca interferiu nas minhas decisões, mas soube depois pela minha cunhada que achou a minha atitude muito sensata. Sensata ou não, foi o que na altura achei que deveria fazer. 
Lourdes Henriques
 

11 comentários:

  1. Já revelei que não foi fácil "convencer" a D. Lourdes a escrever a sua "biografia musical". Um dos argumentos que me apresentava era: "já não estou com cabeça para isso". É caso para dizer: como seria se estivesse?

    Continuamos a assistir, neste terceiro capítulo, ao desenrolar sereno mas intenso de toda uma carreira cheia de sucessos. E quem havia de dizer que aquela que, aos 16 anos, não deixou de ir tocar, toda de preto vestida, três dias depois da avó morrer, no que foi a sua primeira actuação profissional, no Carregado, acabaria por deisistir uns anos depois devido ... a um dito "príncipe encantado"...

    Vimos que muito do que nesta saga a D. Lourdes nos escreveu é novidade para os filhos, que unanimemente aqui têm vindo dar testemunho disso mesmo, e não só. E só isso já faz a diferença.

    José Auzendo

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  2. Amiga Milú

    É uma história de encantar,até tem um "princepe"!!!
    Tem vindo a prender desde o primeiro dia...e no auge surge a escolha...
    Foi dificil e intensa creio...mas certa!!!(sem queixas)

    De qualquer modo aqui a temos inteirinha a animar a "malta"
    Parabéns!!! adorei!!!

    Bjs

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  3. D. Lourdes, este capítulo da sua história podia começar: “Era uma vez…” com a diferença que o seu príncipe encantado, ao contrário do “tal” da história, não apareceu montado num cavalo alado branco, mas num acordeão… - alterando o destino da “princesa” a quem se adivinhava uma carreira bem diferente daquela que veio a escolher- … escreveram a história à sua maneira e construíram o seu castelo…
    Hoje deu-me pra ‘qui (espero que não se zangue) :-)
    Inês

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    1. Amiga Inês
      Zangar-me porquê? Se fosse para me zangar não teria contado a história. É verdade, o meu "príncipe apareceu com um adordeão" mas andou vários anos a dar música por outros lados. Só 4 anos depois é que "descobriu a princesa adormecida" ...
      Fico contente pela minha "história" ter originado comentários muito engraçados e curiosos! É que esta é uma "História Real" que por vezes até parece ficção!
      Obrigada por ter gostado e acompanhado.
      Beijinhos da
      Lourdes.

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  4. Amiga Lourdes é sempre um prazer lê-la. Escreve e descreve os acontecimentos da sua vida musical e não só, na perfeição, como é natural em si...
    A culpa não foi só do pai de se opor ao que seria, com toda a certeza, uma brilhante carreira musical. Mas um certo menino, com cara de anjo e de flecha ao ombro, atirou-lhe uma certeira ao coração. Embora tivesse sido um decisão só sua, O "Cupido" aquele grande maroto, deu-lhe volta ao juízo e lá se foram o canto e o acordeão. Não se pode pôr a culpa só ao pai..
    Desculpe a brincadeira, quem sou eu para dar sugestões a alguém sobre se agiu bem ou mal, mas que o fez po amor!
    Um abraço
    Maria Alexandrina

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  5. Olá Linda

    Quando na vida nos deparamos com uma "encruzilhada", nunca
    sabemos se fazemos a escolha acertada...
    Uma coisa podes ter a certeza, há algo que fizeste e fazes,
    como ninguém...
    Ser MÃE!!! (sou suspeito eh eh)

    Filho Velho Babado

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  6. Cresci a ouvir histórias contadas pela minha mãe, que devido à sua expressividade natural, as contava como ninguém ( maninhos, perdoem-me...:-(). De todas elas, as que mais gostava eram as "da vida real", deste "príncipe" e desta "princesa" que, como já alguém aqui escreveu,foram construindo o seu castelo encantado e "viveram felizes para sempre"... pelo menos era assim que eu pensava!
    Admiro todos aqueles que têm a capacidade e coragem de abdicar de tudo em prol de um sentimento tão nobre(algo raro nos dias de hoje...). Se a escolha foi certa ou errada, quem poderá dizer? Foi feita em plena harmonia com o coração.
    Quero agradecer ao professsor Auzendo o desafio que lançou à "princesa", pois de outro modo estes pormenores deliciosos perder-se-íam no seu "jardim das memórias".

    Nesta encruzilhada, em que um grande amor afastou uma possível carreira artística, a paixão pela músisa e o desejo de construir uma família fruíram, lado a lado...não terá a princesa conseguido o melhor de dois mundos?
    Marina Henriques

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  7. Olá querida amiga.
    Já vamos no terceiro capítulo do seu romance. Uma história bem contada, excelente lição de vida onde o amor falou mais alto. Teve um percurso artístico muito curto. Optou por aquilo que achou melhor, aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal. Tem uma família bonita, uns filhos que falam da mãe com muito orgulho. É uma história que expressa um final feliz.
    Beijinhos da amiga
    Mariana

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  8. É com muito prazer que devolvo à Marina Henriques os agradecimentos que expressa: nós, os seniores deste blogue, é que devemos estar-lhe gratos pela sua presença entre nós. Já antes de saber "quem ela era" (era outra a frase que ia saindo!) ia lendo com prazer o que ela escrevia, e cheguei mesmo a citar uma frase sua num meu comentário.

    Espero que continue por cá, e, se possível, com participação cada vez mais variada: não tendo nós a pretensão de ensinar nada, temos todos experiências que será interessante partilhar, e também para isso é que este blogue existe.

    O último parágrafo desta minha nota foi-me "roubado" pelas duas últimas linhas, acima, da D. Mariana; subscrevo-as, melhor não era possível dizer.

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  9. Professor Auzendo, o prazer é meu em poder aprender com todos os que por aqui vão deixando testemunhos da "vida real", por isso, continuarei com muito gosto a dar uma espiadela sempre que possível.
    Julgo que este espaço foi criado com a intenção de colmatar a exclusão social que muitas vezes arrasta os mais velhos, provando-lhes que não perderam capacidades, valor e o seu lugar na sociedade.Muito pelo contrário. A comprová-lo está tudo aquilo que aqui é escrito e comentando por esta "gente muito gira"...pelo que, considerem o objetivo cumprido e ultrapassado!

    Até breve
    Marina Henriques

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  10. Só agora tive oportunidade de seguir este "lindo conto de fadas" do qual sou também uma personagem secundária. E a Princesa tornou-se Rainha e criou 4 belos rebentos (pelo menos dizem os entendidos na matéria, modéstia à parte)... O que de melhor ficou no meio de todo este enrredo, é que apesar de todas as "marretices" q o dia-a-dia impõe a um casal com 40 e tantos anos de comunhão, é LINDO ler a expressividade e carinho com que escreves estas palavras. Sem amargura, de peito aberto e acima de tudo, com muito AMOR!! É incrível que ao fim destes anos todos, consegues surpreender e mostrar que "uma simples" história de vida, pode afinal ser um lindo conto de fadas em que (os marretas) viveram felizes para sempre :-)
    Qui ça, fonte de inspiração para todos nós!!
    Continua assim Mamy Doce.

    Bjks da Filha Rabina

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