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sexta-feira, 13 de julho de 2012

PERCURSO DE VIDA MUSICAL (2ª. parte)


Depois do meu pai se convencer, lá voltei encantada novamente às lições e treinos do piano.
A professora já era outra freira. Tinha fama de ser terrível e várias vezes a vi castigar com um “pauzinho”, os dedos de algumas colegas quando erravam as notas do piano. Por incrível que pareça, fui sua aluna durante cerca de três anos e nunca soube qual era o gosto desse pauzinho que ela tinha sempre à mão. Para freira, era “meiga” demais!
1960 Liceu de Macau (14anos)
E nas festas de Natal em que costumava participar como vocalista, passei também a participar tocando piano a solo. Até que passado algum tempo, a certa altura, o meu pai que adorava música de acordeão, convencido de que tocar era fácil uma vez que eu tocava piano, comprou-me uma acordeão de teclas. Mas piano não é acordeão e o dito lá permaneceu fechado na caixa durante algum tempo. Foi para ele uma desilusão. Até que um dia chegou a casa e disse: - Lourdinhas, já arranjei um professor para te ensinar a tocar. Vem cá a casa ensinar-te. E qual não foi o meu espanto quanto um ou dois dias depois entra na minha casa um chinês, refugiado com a família em Macau desde a 2ª. guerra mundial. Tocava acordeão todas as noites na Piscina Municipal e de dia dava aulas. E por influência minha ainda lhe arranjei mais dois alunos, meus colegas do liceu.
1960 Comemorações Henriquinas
Mas esta aprendizagem tornou-se muito mais fácil do que eu julgava, pois com as bases que eu já tinha não só do piano, mas também das aulas de canto e formação musical do liceu e escola primária, foi tudo muito rápido. Estas aulas duraram pouco tempo, apenas cerca de um ano e meio, pois o regresso de meu pai a Lisboa, depois de permanecer nove anos no serviço militar, veio interromper todo este ciclo musical que se estava a formar à minha volta. Para mim foi como se o mundo tivesse desabado. Quando lá cheguei tinha seis anos e quando parti vim completar quinze anos já cá na Europa. Com todos os altos e baixos que sempre tive, é um período da minha vida que gosto de recordar e talvez seja mesmo do que tenho mais saudades! Julgo que as mudanças radicais que acontecem na adolescência deixam-nos marcas para o resto da vida. E sei que os meus gostos têm muito a ver com o Oriente. Essa marca ficou-me.
1960 com colegas do Liceu
E recordo com muita saudade as festas do liceu em que eu além de participar vocalmente, passei também a integrar-me na parte de animação musical. Adorava fazê-lo!
Ao regressar de Macau, uma viagem no Paquete Niassa que durou 50 dias, travei conhecimento com o acordeonista da orquestra de bordo, com quem viria a casar 5 anos mais tarde.
Um tio meu que morava em Alhos Vedros, cujo filho (meu primo, portanto) também tocava acordeão e dava aulas, ao ouvir-me tocar mexeu logo os “cordelinhos” para eu ter uma licença para poder tocar em público, documento necessário naquela época para dar espectáculos, uma vez que era menor e não podia ter ainda carteira profissional. Apesar dos muitos e grandes protestos do meu pai, o meu tio lá conseguiu convencê-lo, e obtive a tal licença em Setúbal.
E a minha 1ª. experiência em dar um baile a troco de dinheiro, tinha eu apenas 15 anos. Foi na Monda do Arroz, no Carregado. Só que, tristemente, calhou num dia terrível. O baile foi combinado com cerca de 1 mês de antecedência e 3 dias antes, morre a minha avó. Apesar das voltas que o meu tio deu para mudar o dia do baile ou arranjar outro acordeonista, na véspera do evento, nada conseguiu. Teríamos que indemnizar a organização pelas despesas, e então no dia seguinte ao funeral da minha avó, lá fui eu dar o meu 1º. espectáculo público.
Escusado será dizer que nessa época, apesar de muito nova, andava toda vestida de preto o que, mesmo que eu quisesse, não me deixaria abstrair do desgosto que tinha tido pela morte da única avó que conheci e com quem convivi apenas 6 meses depois de ter chegado de Macau.
Mas lá me saí muito bem e acabou por ser uma noite muito engraçada e divertida com as ceifeiras todas à minha volta. Como “criança” que ainda era, e como não havia comboios de noite para nos trazer de volta a Lisboa, tivemos que lá ficar os 3 a dormir: eu, o meu pai e o meu tio. E as ceifeiras que eram imensas, levaram-me com elas para uma casa enorme onde dormiam todas no chão. E foi no meio delas que fiquei a dormir o resto da noite. Foi esta a minha 1ª. experiência a tocar publicamente em Portugal Continental, jamais poderei esquecer!
Lourdes Henriques

9 comentários:

  1. Olá Milú
    Mas que que vivencia tão emocionante!!! E muito bem descrita. Emoções, amores,publico,viagens tudo isso encimado com a paixão pela musica. Até aqui lindo!!!

    Fico-me á espera...curiosa do crescimento da estrela, tem brilho para isso...

    Parabens e bjs

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  2. Olà amiga Lourdes, pois adorei a sua historia e como diz a amiga avoluisa, pois tem muito geito para isso, pois queremos mais! Com um beijinho Anna

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  3. Amiga Lourdes, a sua primeira experiência como "profissional", que nunca esquecerá, acabando por dormir uma noite rodeada de ceifeiras, trouxe-me à lembrança o livro "Vindima" de Miguel Torga, na parte em que o autor descreve como homens e mulheres, que desciam da serra para as vindimas do Douro, dormiam em camas de palha por cima de um chão de terra batida, numa casa ampla, divididos apenas por uma meia parede, que se completava com um reposteiro de teias de aranhas chegando a um telhado de telha vã, por onde passava a luz da Lua e se adivinhava um céu estrelado. O livro foi escrito em 1945, mas lembro-me de, por volta de 1950, na minha terra, em que quase todas as propriedades pertenciam uma família latifundiária, virem do Norte os "malteses" e, também estes, se acomodavam numa casa ampla. Como havia no grupo rapazes e raparigas novos, os meus primos e primas, que viviam na aldeia, de vez em quando, quando tinham disposição para o fazer, iam ao "quartel" para um bailarico e levavam-me com eles.

    Um ou mais tocadores de harmónica de boca soltavam no ar as suas chulas e malhões e, com cantigas ao desafio, assim se entrava pela noite dentro, fazia-se a festa e arranjavam-se namoricos.

    A realidade que observou na sua experiência devia ter sido menos deprimente do que a que assisti, porque foi uns anos mais tarde, mas não deixou de ser para si uma visão de vida, muito diferente daquela a que estava habituada. Ainda bem que foi acarinhada e se sentiu feliz, a sua música deve ter sido um bálsamo para as ceifeiras, mulheres que passavam os dias enterradas nos terrenos alagadiços, dobradas na monda do arroz. Ainda bem que lhes levou a sua música e a sua simpatia.
    Beijinhos
    Maria Alexandrina

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  4. Minha Querida, Gostei Muito!!!

    Continua com a tua Odisseia...
    Somos todos "ouvidos" e olhinhos ah ah ah

    Beijinhos

    Filho Velho

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  5. Boa noite Lourdes.
    Muito obrigado , por ter partilhado com os seus amigos e leitores deste blog, a paixão que tem pela música, e das voltas que sua vida deu até chegar ao Sobral. Feliz de quem que tem boas recordações do seu passado. “Recordar é viver”
    Gostei muito.
    Beijinhos da amiga
    Mariana

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  6. Que bom conhecer ainda mais pormenores da tua juventude!De facto tiveste sorte em muitas coisas bonitas que a vida te reservou. Essa forma positiva de veres a vida,perfumada com uma certa ingenuidade, fez com que aproveitasses ao máximo tudo o que viveste e te sentisses grata por isso(Ainda hoje é assim! ).As pessoas fazem os lugares, os momentos, através da forma com que os vêm e os partilham com os outros, e tu tens o condão de tornar tudo tão cor-de-rosa... ;-)
    Vou continuar a "espreitar", pois adoro saber pormenores que desconhecia sobre o teu percurso musical, que tanto influenciou o meu... E que outros partilhem também as suas memórias, pois como diria a canção "recordar é viver"!
    Beijinhos
    Marina

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  7. A sua vida dava um filme. Afinal o seu pai, apesar de não querer ouvir falar em “artista”, foi contribuindo para lhe alimentar o “bichinho”.

    Do piano ao acordeão, foi só o tempo de arranjar um chinês - nunca imaginei um chinês a tocar acordeão, deve ser giro, calculo o seu espanto – e, para assegurar que em 50 dias de viagem não esquecia o aprendido, nada como travar “conhecimento com o acordeonista da orquestra de bordo…” do navio. Já conhecia a história, mas confesso que adorei vê-la aqui escrita com uma adorável simplicidade, como se esse acontecimento não fosse determinante na sua vida.
    Inês

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    1. Pois é amiga Inês, não queria, não queria, mas quando os amigos iam lá a casa, "o bibelot" tinha que fazer entretenimento. E quer saber a melhor? Quando passei do 2º. para o 3º. ano do liceu, sabe qual foi o presente? Adivinhe! Nada mais do que um BANDOLIM! Fiquei a olhar para ele como "um burro para um palácio!" Esse nunca consegui dominar!
      Quanto ao conhecimento de bordo ... "O destino marca a hora"! A música foi a culpada!
      Beijinhos
      Lourdes.

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  8. És sem dívida uma fonte de inspiração!! Devias escrever histórias para crianças... e n precisas de muito para fazer sorrir..
    Adoro-te!!

    Filha Rabina

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