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terça-feira, 10 de julho de 2012

PERCURSO DE VIDA MUSICAL (1ª. parte)

Vou trazer-vos esta história em episódios, para não cansar muito.

E para começar mesmo do princípio, tenho que dizer que o meu pai cantava muito bem o Fado e a minha mãe também. Desde que me lembro da minha existência, sempre me recordo de ouvir os meus pais cantarem. A minha mãe cantava em casa e tinha uma bonita voz. O meu pai, em festas com colegas militares.
Quando eu tinha cerca de seis anos foi-me contado pela minha mãe que um belo dia, tinha eu apenas dois anos e meio, foi encontrar-me empoleirada num banco, a lavar roupa no tanque, toda molhada, a cantar uma música que ela cantava, na minha língua-de-trapos. Imitava o seu ritual. Nada mais do que a Marcha do Centenário. Daí para a frente começaram a achar graça ao “bibelot” que também se abanicava todo a fingir que dançava e queria aprender todas as músicas que ouvia os adultos cantar. 
 
Aos 9 anos "Projecto Piano"
O meu pai, homem de uma grande sensibilidade, muito cedo se apercebeu da minha vocação para a música, e a partir da altura em que comecei a crescer e a gostar de participar em festas a cantar, começou a fazer uma guerra psicológica sem eu perceber porquê. E dizia-me muitas vezes: - Não penses em ser artista, porque eu não quero e não deixo. E eu, na minha santa ingenuidade de criança, apesar de já adolescente, não percebia o porquê de tanto medo. No entanto, foi um pau de dois bicos. Quando a minha única irmã fez 1 ou 2 anos, não estou bem certa, ofereceram-lhe um piano para brincar. Era pequenina e não ligava ao piano, e eu, com quase oito anos a mais, comecei a açambarcá-lo. Acontece que algum tempo antes eu tinha participado numa festa de Natal em que fui cantar uma música. E surpresa, comecei a tirar a música de ouvido, ajudada pelo meu pai, naquele pequeno projecto de piano. Ele, se por um lado temia o despertar da minha vocação, por outro ficava delirante quando me ouvia cantar. E com a experiência com o pequeno piano, percebeu que eu tinha jeito também para tocar. Se por um lado gostava de ouvir, por outro receava que eu quisesse mais tarde enveredar por uma vida artística. Tinha pavor só de ouvir a palavra “artista”. 
 
No palco aos 10 anos


-“Que ideia – respondia a quem lhe tocasse no assunto - é má vida e quero que a minha filha um dia seja uma pessoa respeitada, uma professora”. 
 
Eram estas as suas palavras! Então aí entrou a minha mãe em acção, pessoa de uma vontade férrea e poderosa, que dizia: -Se a miúda gosta de tocar, vai aprender a tocar piano. E se bem o disse, melhor o fez. No dia seguinte matriculou-me no Colégio de Santa Rosa de Lima, em Macau (vivi lá dos 6 aos 14 anos), um colégio de freiras que sempre frequentei pela parte religiosa. Aí me deslocava várias vezes por semana. Como não tinha piano em casa, ia para lá praticar e uma ou duas vezes em cada semana (já não me lembro bem ao certo) tinha lições com uma freira de quem eu gostava muito. Foi de tal modo o meu entusiasmo que, no fim do ano lectivo (e andava eu no 1º. Ano do liceu), claro está que reprovei. Só via música na minha frente, de manhã, à tarde e à noite, mesmo nas aulas o meu pensamento estava sempre na música. E estudos, nada. Furioso o meu pai castigou-me, e o castigo foi tirar-me do piano.
 
Escusado será dizer que para mim foi uma frustração, pois aquilo que tanto gostava de fazer foi-me vedado. Durante algum tempo andei triste e deprimida, mas como sempre fui muito persistente, estudei imenso, consegui boas notas e dei a volta à cabeça da minha mãe de tal maneira, que ela lá conseguiu convencer o meu pai a deixar-me regressar à aprendizagem do piano...

Lourdes Henriques

10 comentários:

  1. Gostei Muito

    Mais um capitulo, no teu filme atribulado... Agora, dá asas à imaginação e procura no "baú",
    outras memórias, para continuarmos embarcados nesta viagem no tempo.

    Beijinhos

    Filho Velho

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  2. Esta D. Lourdes tem, de vez em quando, o condão de me surpreender. É uma das principais animadoras deste blogue, nem sempre concordo com o (aquilo que) ela escreve, mas geralmente agrada-me a maneira como escreve. Mas esta é a segunda ou terceira vez (um dia já o escrevi aqui) que ela escreve de forma cativante, bem, em suma. Volto já ao tema.

    Não resisto a fazer uma revelação: tenho insistido insistentemente (!...) para que ela continue a escrever artigos (e não só comentários) e, há dias, sugeri-lhe que fizesse isto mesmo, a sua biografia musical. - Que já tinha escrito uma biografia o ano passado, que não sei quê, mas depois de alguns mails trocados entre nós lá se decidiu. E não esteve com meias medidas: como os grandes escritores, “refugiou-se” um fim-de-semana na Ericeira, sem o marido, só com a cadela, e vai disto…Quando eu esperava um texto de 700 palavras, escreveu um romance seis vezes maior do que “a encomenda”.

    Este texto lê-se com o mesmo prazer com que se lê um bom romance: leve e profundo, realista e psicológico, que sei eu para me pôr aqui a falar disto? E vai outra revelação: o que a D. Lourdes escreveu, naquele fim-de-semana, integra ainda uma outra parte que será publicada à parte, mais lá para Setembro, noutro contexto. Mistérios…Deixo para outra altura o dizer algo sobre a biografia…

    José Auzendo

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  3. Como a minha vizinha gosta e sabe,de musica,pode fazer mais: com outros colegas fazer uma teatrinho para no Natal irmos fazer rir os velhotes e crianças.Sei que vai já pensar nisto.beij
    Lisete

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  4. Olá Milú

    Gostei muito deste inicio de percurso!! e ainda tem muito que contar presumo...que bom, temos muito que ouvir.
    Um conto real, bem vivido,bem contado numa memória presente,
    á quanto tempo e, quanta distancia em km,quantos continentes de premeio!

    Parabens.

    Um abraço da amiga

    Luisa

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  5. A Lourdes viajou ao tempo da sua infância, para nos contar uma bonita história de vida. Os pais de antigamente eram assim! Protegiam demais os filhos. E ser artista naquele tempo não era profissão que agradasse aos pais. Gostei muito
    Beijinhos
    da amiga
    Mariana
    Aproveito para dizer á Alexandrina, que gostei muito do último texto que ela escreveu.
    Beijinhos
    Alexandrina da colega
    Mariana

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  6. Amiga Lourdes, que bonita a história da música na sua vida, até aqui só a sua infância, espero conhecer todo o seu percurso musical. Que gracinha de menina, que se previa prendada. Conheço o seu gosto pelas artes, mas com todo este pormenor, e tão bem descrito é muito mais interessante.
    Confesso-lhe que há quinze anos atrás tive a mesma atitude do seu pai, quando a minha filha Iris se matriculou na Faculdade, a sua preferência era o Conservatório de Teatro, e a minha "democrática" resposta foi um enorme não... porque conheço bem a minha filha! As razões não foram as mesmas do seu pai, mas a atitude foi igual. Porque queremos sempre o que achamos melhor para os filhos, torna-nos ditadores.
    No caso da minha filha foi uma paixão momentânea, porque nunca mais ouvi falar em teatro,mas com a Lourdes não foi assim, porque o "bichinho" ainda aí continua. Agora como está mais disponível e sem ninguém a dar-lhe ordens, continue a encantar-nos com o seu acordeão, e acontece dois em um: diverte-se e diverte-nos...
    Beijinhos
    Maria Alexandrina


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  7. Ah! Filha de peixe sabe nadar.
    Com tantas atribulações podia ter ficado pelo “projecto piano”, mas a sua persistência e talento tudo venceram.

    Para nós até foi bom o pai da D. Lourdes ter-lhe “cortado as asas”. Por onde andaria agora? Por outros palcos, outras vidas… e nós sem termos, provavelmente, o privilégio de usufruir das suas actuações… e dos seus escritos.
    Inês

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  8. Gostaria de responder um a um, a todos os amigos/as que comentaram, mas para não tornar a lista muito extensa, vou responder colectivamente, agradecendo desde já a todos, os comentários carinhosos e lisonjeiros. O que escrevo não é nada de especial, apenas sai.
    -O Professor Auzendo tem uma análise muito curiosa e engraçada da minha pessoa, e para desafios é um tratado. Obrigada por nos ajudar a correr com o "alemão".
    - Amiga Lisete já me conhece bem e sabe que as suas palavras não caem em saco roto. Depois falamos do seu projecto.
    - Amiga Luisa bem pode estar atenta aos "acontecimentos" pois o melhor ainda está para vir.
    - Amiga Mariana percebeu o ponto de vista do meu pai. Obrigada.
    - Amiga Alexandrina também caiu no mesmo erro por amor à filha, e ainda bem que não lhe deixou marcas profundas.
    - Amiga Inês tem razão, se as minhas "asas não tivessem sido cortadas", eu não estaria aqui a esta hora, com certeza. Os meus voos teriam sido outros bem diferentes. Mas ... Será que seria mais feliz? Quem poderá saber? Gosto de estar aqui, nesta terra, neste grupo, onde me sinto bem e a quem me afeiçoei como se sempre os tivesse conhecido!
    - Por fim ao meu Filho Velho que é um querido que está sempre pronto a "amparar" a mãe, quero agradecer o seu carinho.
    O meu muito obrigada a TODOS/AS pelas vossas palavras que muito me sensibilizaram e aproveito para deixar aqui um apelo: Este blogue é um "cantinho especial" de amizade, convívio saudável e troca de vivências, experiências de vida bem diferentes umas das outras. Quero pedir a todos que continuem a participar e não o deixem morrer!
    Um beijinho a todos/as.
    Lourdes.

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  9. Também eu tenho que começar por dizer que a minha mãe cantava muito bem o fado. Cantava e canta!Esta afirmação foi confirmada por especialistas!(os alunos da Escola EB2,3 Ferreira de Castro que em Março passado a ouviram cantar).
    O ambiente musical vivido por ti na infancia, transmitiste-o também a nós. Lembro-me de te ouvir cantar enquanto fazias o jantar. Era uma espécie de "musicoterapia" caseira ;-). Quando estavas chateada, pedia-te para cantares. Sabia tão bem o efeito que a música tinha sobre ti...Apesar de tudo o que o teu pai fez para impedir que tivesses uma carreira nesta área, também foi ele que te passou esse "bicinho", por isso...considera-o perdoado! E sem dúvida a tua convicção e aptidão não permitiram que esse dom se perdesse. A tua forma de estar com a música é tão mais saudável e genuina que a maior parte dos artistas...
    Beijinhos, Marina

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  10. Recordo com saudade o que a Marina falou... Tenho boas e agradáveis memórias de adormecer em cima da tua cama, a ouvir a tua vós e a ouvir-vos tocar.... a "música dos palhaços" era a minha favorita. N tivesse sido eu uma "callona", estaria tb a cntar essa história!
    Bjs
    Filha Rabina

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