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terça-feira, 7 de julho de 2009

memórias à beira de um comboio


Nasci de uma humilde família de agricultores em terra arrendada.
Em alguns dias da semana os meus pais dedicavam-e a venda de peixe de qualidade inferior como se dizia na altura, sardinhas, carapaus e chicharros.
Com um burro que carregava entre duas a três caixas de pescado, percorriam algumas aldeias da região, ele apregoando ou tocando uma corneta que anunciava a presença do peixeiro e minha mãe com a caixa de madeira à cabeça percorrendo porta a porta as casas vizinhas em laboriosa azafama. Tempos difíceis!
À beira do caminho de ferro apanhava-se lenha utilizada na confecção dos alimentos porque nesse tempo não havia gás , e o petróleo não chegava a todos os lados. Recordo quando menino, ficar muito contente quando via chegar à minha aldeia o carro do combustível, marca já extinta “Sonap” porque sentia que tínhamos, se houvesse dinheiro para a compra, com que nos iluminar e também cozinhar no fogão a petróleo. De outro modo seríamos iluminados com a antiga candeia de azeite e continuaríamos a cozinhar com lenha como fizemos até então. A lenha quando húmida dificultava a combustão provocando muito fumo que nos causava ardor nos olhos e até intoxicações.
Nasci no dia 16 de Maio de 1945. A data do meu nascimento trouxe sorte aos meus pais. Contaram-me que no mesmo dia, nasceu em Inglaterra alguém pertencendo à monarquia e então todas as pessoas que em Portugal nasceram nessa data foram contempladas com um prémio de quinhentos e vinte escudos! Numa época em que o salário do meu pai era de dezoito, imagino o que representou aquela oferta.
Sempre vivi na localidade Serreira, Concelho de Sobral de Monte Agraço freguesia de Sapataria.
Na companhia de outras crianças cresci na minha aldeia, frequentei a escola primária aonde fiz sem perder nenhum ano a primária e o exame de admissão aos liceus e às escolas técnicas, exame necessário para quem fosse estudar. Como o liceu mais próximo era em Torres Vedras e porque as possibilidades dos meus pais também eram limitadas, mandaram-me para a Malveira aprender a mecânico, arte que aprendi e que foi sempre a minha vida profissional.
O caminho para a Malveira era feito a pé por terra batida. Demorava cerca de 1h e 20 minutos se o tempo estivesse bom mas, se estivesse a chover demorava mais e chegava a casa já noite, todo molhado. No outro dia mesmo constipado tinha que ir novamente pois não podia perder dias. Fui o único rapaz saído da escola que fui aprender uma profissão. O ordenado inicial foi de cinco escudos por dia. Os outros meus colegas foram todos trabalhar no campo, junto dos seus pais, com um ordenado de vinte e cinco escudos diários. Isso significava que ao fim da semana as outras mulheres da minha aldeia recebiam mais cento e vinte escudos do que a minha mãe, dada a diferença do meu ordenado em relação ao dos outros meus ex colegas de escola. A compensar no entanto os ordenados mais baixos , os meus pais tinham a venda de peixe.
Muitas eram as críticas dos meus vizinhos que achavam que eu deveria andar no campo de enxada nas mãos como andavam os seus filhos e não limpo e penteado como eu andava a caminho do emprego, chegando até a por em dúvida de eu ser capaz de aprender a mecânico.
O tempo e o meu empenho mostrariam que estavam enganados...
Carlos (Sapataria)

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