Ao
“navegar na net” a propósito dos dialectos portugueses do texto
da Alexandrina, descobri uma das semanais “Cartas do interior”,
do jornal Público, da autoria de Paulo Varela Gomes, publicada em
24.07.2010, com o título acima. Sendo uma outra “versão” dos
falares portugueses, pareceu-me interessante trazer parte dela aqui.
O autor fala do “receio” em usarmos certas palavras …
curiosamente o mesmo “medo das palavras” de que também eu falei
há dias num comentário a propósito do Jornal Sénior.
Com
a devida vénia, dou a palavra a Paulo Varela Gomes.
“Ora
leiam, se fazem favor, a seguinte declaração de um militar da GNR a
um dos telejornais de 2ª feira, 19 de Julho último, a propósito de
uma acção na qual ele participara: “Detivemos alguns indivíduos
que se dedicam ao furto
de estabelecimentos de venda de veículos velocípedes simples”.
É uma pérola do português contemporâneo. Queria ele dizer que
prenderam um grupo que assaltava
lojas de bicicletas.
Mas, é claro, da boca de um polícia nunca podem sair vulgaridades
como “assaltar” ou “bicicleta”. Eles falam policiês, um dos
dialectos portugueses mais rebuscados que conheço. É até por isso
que polícias e jornalistas dizem “a autoridade tomou conta da
ocorrência”, em vez de utilizarem uma expressão mais simples
como, por exemplo, “chegaram os chuis”.
em bicos de pés... |
Os
portugueses de hoje não querem, não são, não têm, não fazem:
desejam, constituem, possuem, elaboram. Só se exprimem
verbalmente de duas maneiras: ou dizem ”eu não tenho palavras”
ou mais valia que as não tivessem porque arrebitam a linguagem até
ao ridículo. A utilização saloia do inglês também é típica
destes tempos: porque é que escrevemos “on line” quando não
dava trabalho nenhum escrever “em linha”? Olhem em volta para os
anúncios: ele é o “retail park”, o “express shopping”,(…).
A
melhor explicação para esta substituição do português pelo
imbecilês é o novo-riquismo. Durante décadas (séculos), a
maioria dos portugueses não tinha qualquer
hipótese
de se exprimir em público, com excepção do círculo familiar.
Agora, que essa hipótese existe, constroem a linguagem como um
parolo constrói a sua nova casa… e fazem idêntica figura de
parvo”(…).”
Assim
escreveu Varela Gomes. E ocorre-me acrescentar que outros “dialectos”
circulam por aí, cada vez com mais sem vergonha. Ele é o
“politiquês”: a refundação, o consenso, a narrativa, o não há
alternativa, tudo para apenas significar “política para enganar o
Zé Povinho”; ele é o “economês”: reajustamento, não há
folga, equilíbrio orçamental, redução do deficit, tudo para
significar apenas “roubar onde é mais fácil, e sempre sem
bulir com a corrupção, a evasão fiscal, com os ganhos
pornográficos de amigos e tubarões”; ele é o “eduquês”:
os “espetadores” sem setas para espetar, o ensino com “metas”
em turmas de 30 alunos, professores com horário zero transformados
em espectadores, mobilidade especial … tudo para significar apenas
que ao ensino de qualidade só pode aceder quem o pode pagar, e os
professores que não tiverem “emprego” que emigrem…
O
pior é que esta histoira, esta nossa histoira, por muito que
possamos “não o desejar”, não vai acabar em vitoira, vitoira.
Mas isso também depende de nós …
José
Auzendo