Hoje
fiz uma visita ao meu sótão, onde guardo as recordações,
lembranças de histórias do passado, e o que vi fez-me retroceder no
tempo e lembrar-me de quando os nossos jantares eram
demorados…Sentada à mesa, eu ia ouvindo contar histórias de
parentes e amigos, que fizeram história na vila. Nunca as ouvi como
um insulto, mas pela graça como foram ditas. Não havia televisão e
eu, encantada e extasiada, ia absorvendo cada palavra e cada gesto,
como se estivesse a ver um filme… e talvez por isso nunca as
esqueci. São pequenos contos que a pouco e pouco, conforme me for
recordando, vos irei transmitindo. Tendo em conta o espaço e o tempo
em que eu os escutava, não terão agora o
mesmo
impacto que tiveram em mim…mas vou arriscar.
Vivia
na década de trinta, no lugar do Pedralvo, da freguesia de Santo
Quintino, um senhor de nome Joaquim, que era parente do meu padrinho
e era aquilo a que na altura se chamava “um fussanga”: trabalhava
nas suas terras desde o romper do dia até à noite, todos os dias da
semana, de sábado a sábado. Nessa época o ponto de encontro para
um jogo de bisca ou para dois dedos de conversa era a taberna, mas o
bom do Joaquim nunca era visto por lá. Só havia um ritual que o
fazia deixar de lado o trabalho: era o funeral de um vizinho ou de um
amigo, aí sim ele nunca faltava.
Um
dia logo cedo um vizinho viu-o todo arranjadinho, admirou-se e
resolveu perguntar-lhe o que tinha acontecido. E ele com ar admirado
pela pergunta, respondeu prontamente:
-Eu
que aqui vou, alguém morreu!
Assim
viveu um homem, cuja vida foi só de trabalho e cuja única distração
era ir a um funeral…Parece que para ele o convívio com os amigos
não era importante, o importante era acompanhá-los à sua última
morada.
No
Sobral, na época de 50, poucas pessoas tinham automóvel e as
pessoas mais sedentas de conhecimentos inscreviam-se em excursões
organizadas e iam pagando durante uns meses, em suaves prestações
semanais, para que quando chegasse o dia da partida o bilhete
estivesse pago. Os autocarros eram pouco confortáveis e as estradas
cheias de buracos. Quando fazíamos uma excursão de três dias,
chegávamos a casa com os músculos todos doridos.
Na
véspera da partida guisavam-se os coelhos, coravam-se as galinhas,
fritavam-se uns pastéis, coziam-se uns ovos e fazia-se um bolo, que
eram saboreados pelo caminho e à sombra de algumas árvores. As
refeições eram partilhadas… éramos todos vizinhos e amigos.