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Beatriz Ângelo (1877-1911) |
Ao
tomar conhecimento
deste nome, recordei
a história desta
mulher e as lutas a que esteve ligada.
Nasceu
na
Guarda em 1877 e
faleceu
subitamente em
Lisboa em 1911,
apenas com 33 anos
de idade. Deixou
órfã uma filha de
8 anos. Foi
a primeira mulher a
exercer cirurgia em Portugal,
no hospital de S.
José. Trabalhou também no hospital de Rilhafoles, sob a orientação
de Miguel Bombarda, dedicando-se à ginecologia.
Foi, além disso,
uma sufragista
e lutadora pela
emancipação da mulher. Foi
a primeira a
mulher a votar em
Portugal.
Votou
nas
eleições das
Constituintes de 1
911, devido a
uma gafe na lei, que
dava o direito de
voto aos
chefes de família
que soubessem
ler, condições que
ela tinha porque
era médica e viúva.
Como a lei
não
especificava
o sexo,
embora o direito de
voto se destinasse
só
aos
homens,
ela,
aproveitando
essa lacuna, foi
votar. Não
a autorizaram a
votar,
e
recorreu
ao Tribunal.
Ganhou
e tiveram que
autorizá-la a
exercer
o
seu direito. E
votou...
A
verdade é que,
no ano seguinte,
o Parlamento aprovou
uma alteração
à lei com a
seguinte redacção: o
direito ao voto era
para cidadãos com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever, que
fossem chefes de família e do sexo masculino.
Beatriz
Ângelo começou a
sua militância bem cedo:
em
1907 fez parte do
Grupo Português de Estudos Feministas;
em 1909 integrou o
grupo de mulheres que fundou a Liga Republicana das Mulheres
Portuguesas, que lutava pelo direito ao divórcio, ao sufrágio
feminino, à instrução
das mulheres e das
crianças - à
igualdade de direitos com os homens.
Fez parte do grupo
de mulheres a quem Miguel Bombarda encarregou de confeccionar as
bandeiras hasteadas no dia 5 de Outubro de 1910, na proclamação da
República.
Em
Portugal,
só em 1931 as
mulheres,
e só
desde que
chefes de família e
com o ensino secundário
completo ou mais,
puderam
exercer o
direito de voto. Uma
meia vitória que muito se ficou a dever à luta das mulheres,
especialmente as enquadradas na Liga de Sufragistas, de que foi
Presidente, logo em 1911, Ana dos Santos
Osório. Diz-nos a
história que
o movimento feminista se iniciou ainda no século XIX, lutando por
direitos iguais para as mulheres no domínio social, político,
jurídico e económico.
Em
1968,
ainda só às
mulheres alfabetizadas
é que
foi reconhecido o
direito de voto. Nas
eleições de 1969,
uma
escritora
portuguesa,
Maria Lamas,
distinguiu-se pela
sua luta na defesa dos direitos da mulher.
Nessa
altura,
pela primeira vez,
também
eu votei...Mas
as artimanhas que
tivemos que arranjar
para obter os boletins votos!...
É que, embora
a
oposição estivesse
autorizada
a participar nas
eleições, o eleitor/a só recebia o boletim
de voto que o
Governo lhe dava em mão
(da
lista situacionista)
e,
como era perigoso
dar a conhecer a nossa opção de voto, só pela calada da noite
os votos da oposição
nos foram entregues.
Lembro-me
de
que o primeiro nome
da lista do Estado Novo era muito comprido e acabava em Alarcão e
Silva. Havia representantes da oposição a controlar as Mesas, mas
era só fachada, porque não tinham
qualquer poder de
decisão; no
entanto era fácil ver quem votava em quem:
quando o voto era
levantado para o enfiar na urna,
a luz do dia incidia
sobre o voto e distinguia-se se o nome era o tal Alarcão e Silva,
por ser tão comprido. De cada vez que o voto
era da oposição,
um
dos fiscais
oposicionistas
“pigarreava”
para dar
conhecimento de que na urna
tinha entrado um
voto nosso. Não valeu
de nada o controlo,
porque no fim os resultados foram ludibriados. Dizia-se que até os
mortos tinham votado.

Só em 1975 a mulher viu consagrados os seus direitos, em pé de igualdade com os homens: na eleição para a Assembleia Constituinte eu fiz parte de uma Mesa de Assembleia de Voto e vi o que nunca vou esquecer: mulheres em fila para exercerem, pela primeira vez, um direito que só Abril lhes trouxe sem restrições. Não tem sido fácil à mulher ver os seus direitos promulgados em Lei.
Maria Alexandrina Reto
Só posso dizer - que interessante!! Quando ouvi pela primeira vez o nome do Hospital de Loures não sabia quem teria sido a Beatriz Ângelo...
ResponderEliminarQue mulher notável! Nasci em 83 e tenho desde sempre os mesmos direitos (ao menos em teoria, mas isso são outras conversas) que toda a restante população. Não lutei por eles e nem sequer imagino um tempo em que essa igauldade de sexos não fosse reconhecida.
Resta-me aplaudir em pé a todas as mulheres que contribuiram para essa revolução! Obrigada Alexandrina pelo texto magnífico;)
Boa tarde amiga Alexandrina
ResponderEliminarMais um dos seus excelentes, históricos e elucidativos textos. Apesar de ter nascido em 1945, sempre estive afastada das fontes que me poderiam fornecer conhecimentos aprofundados sobre muitos assuntos "proibidos de falar" lá em casa. É que em casa de militar, como era o meu pai, não era permitido falar sobre política nem religião. Então, tudo isso me foi passando um pouco ao lado. Habituada ao silêncio e a este alheamento, depois do 25 de Abril, com família e outras respondabilidades, também essa foi uma matéria que me foi de todo vedada.
Ao saber das lutas, sacrifícios e obstáculos por que passaram as mulheres do passado para que as de hoje tenham os seus direitos reconhecidos, embora alguns apenas no papel (na prática são muitas vezes esquecidos), também eu as quero aplaudir de pé e prestar-lhes a minha Grande Homenagem. O meu OBRIGADA.
Obrigada amiga por mais este seu excelente depoimento.
Um beijinho da
Lourdes.
Maria Alexandrina, que magnifica históia, que não é história, mas sim História, nos contastes hoje. Sabes? Só muito recentemente tomei conhecimento deste Mulher Beatriz Ângelo, precisamente por causa do hospital. Nós, imperdoavelmente, temos a memória muito curta e, à força de nos queixarmos dos tempos que correm, esquecemo-nos dos tempos muito maus que já se passaram. Por isso foi muito bom que nos relembrasses e nos tivesses feito pensar que houve um "tempo" em que nós, mulheres, éramos um 0 à esquerda.
ResponderEliminarO teu artigo está muito bem escrito, o que já não dá para causar admiração, apenas Admiração. Obrigada por me teres feito sentir gente, com direitos e deveres, gente igual a toda a gente, gente que sente que vale a pena viver. O que para aí anda no ar não merece sequer que nos deixemos abater. Há-de passar também. E, se calhar, nem chega a ficar na História. Porque o que faz história é o que é forte, grande, simples, belo e sonho realizado. Mas sofrimento também.
Mais uma vez obrigada.
Mimi
Alexandrina. Os teus temas são sempre de elogiar, porque essas duas mulheres merecem sempre ser recordadas. Eu já conhecia a história fantástica destas duas pessoas; na época era muito difícil ser da oposição, por isso sofreram na pele pela sua coragem.
ResponderEliminarTu começaste mais cedo a estar informada politicamente, eu só comecei a partir do momento de começar a namorar o meu marido. Antes o meio em que vivia era contrário ao teu.
Continua colega, estou pronta a ler os teus conhecimentos.
Lisete Corado
Este texto, a sua oportunidade para a população do Sobral (e não só, claro) é aquilo a que os jornalistas costumam chamar um “furo” ou uma “cacha”. O Hospital Beatriz Ângelo vai servir também os concelhos de Loures, Odivelas e Mafra: será que nestes já foi divulgada a biografia da patrona do Hospital? E no Sobral, à parte este Blogue (e a autora do texto!) já alguém a divulgou publicamente? Quantos a conheciam? Eu, não!...
ResponderEliminarE depois, neste texto, temos a denúncia, justa, de que não tem sido fácil à Mulher ver os seus direitos reconhecidos legalmente. E, já agora, parece-me oportuno acrescentar que, mesmo quando são legalmente reconhecidos, frequentemente não são postos em prática, ou porque muitas leis só são feitas para “eleitor” ver e depois não são regulamentadas nem executadas; ou porque, outras vezes, não poucas, é a mentalidade que faz força para trás. Pensemos na violência doméstica, mais que “proibida”, mas que persiste e até parece aumentar; pensemos na interrupção voluntária da gravidez que se tenta a todo o custo revogar, para os “abortos clandestinos” (e lucrativos…) regressarem em força; pensemos que mesmo com esta lei em vigor há abortos ilegais e clandestinos…mesmo em hospitais públicos, como vimos recentemente aqui bem perto.
Ora como a mentalidade humana muda muito mais dificilmente e mais lentamente ainda que as leis, é cada vez mais premente que mentalidades como a de Beatriz Ângelo nos sejam postas à frente dos olhos, para nos ser mais difícil “adormecer”, a mulheres e a homens…São textos como este que completam e dão sentido ao poema “vemos, ouvimos e lemos; não podemos ignorar”: Sofia de Melo Breyner emparelha bem com Beatriz Ângelo, creio.
José Auzendo
Aquando a atribuição do nome ao hospital de Loures tive a curiosidade de saber quem fora Beatriz Ângelo.Ah, médica...e chegou-me.
ResponderEliminarChegou mal!!!!
Obrigado Alexandrina por não lhe ter chegado.
No meu estatuto de mulher, quero responder a todos os amáveis comentários, um por um, e digo no meu estatuto de mulher, porque foi extremamente honroso ler os comentários de homens, o que me dá a certeza de não estarmos sózinhas nesta luta das mulheres. Foi com admiração e contentamento, que li o comentário de uma jovem mulher que, apesar da sua pouca idade, visita o blogue Sénior: Minha filha, encontraste muita coisa feita, mas, por descuido ou preconceito, há muita coisa ainda para pôr em prática ou melhorar...Compete à tua geração e às vindouras não retroceder, mas sim avançar...
ResponderEliminarA amiga Lourdes, digo-lhe que, felizmente para mim, o meio onde fui criada era muito diferente do que diz ter sido o seu: as mulheres na minha casa foram sempre iguais aos homens, a minha avó era aquilo a que chamavam "o homem da casa", grande mulher. Minha querida Mimi, que palavras tão lindas, que não mereço: nós, as mulheres da nossa idade, vivemos tempos difíceis para a nossa emancipação, e a Mimi sabe bem melhor do que eu o que lhe foi difícil impor-se a uma sociedade completamente retrógada. Lisete, minha colega, minha amiga, ainda bem que tomou consciência política, não interessa se mais tarde ou mais cedo, mas sabe que eu sempre soube que podia contar consigo.
Sr. Auzendo, creio que não foi preciso o Hospital de Loures para conhecer Carolina Beatriz Ângelo. Citou outra grande mulher, Sofia de Melo Breyner, mas de quantas outras se pode falar, e quantas anónimas foram esquecidas pelo tempo? E as " mulheres povo" como Catarina Eufémia, que na luta pela sobrevivência foi brutalmente assassinada. Gostei muito de o ler, lado a lado com as mulheres. Tal como ao professor Afonso, que diz que através do meu texto conheceu melhor esta mulher extraordinária. Não me agradeça, é meu dever, como mulher, não deixar esquecer quem, em tempos tão conturbados, teve a coragem de lutar pelo reconhecimento às mulheres do direito à dignidade.
Agradeço a todos, a todos um grande abraço
Maria Alexandrina
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D. Alexandrina
ResponderEliminarPela minha parte, não tem nada que agradecer a ninguém, nós é que devemos estar-lhe gratos pela sua disponibilidade.
Escreveu aqui, neste blogue, a D. Adelaide, num comentário a outro artigo “… vocês já fazem parte da minha leitura e eu também quero continuar a aprender...”
Eu subscrevo. Tão simples quanto isto.
Obrigada
Inês
Sra. D. Alexandrina
ResponderEliminarObrigado pela bela descrição que fez,de quem foi Beatriz Angelo.
Não fazia ideia de quem teria sido,que teria feito, ao ter conhecimento do nome para o Hospital,é que fiquei curiosa;mesmo assim não procurei saber logo de imediato,agora ao descobrir(não descobri sozinha tive um amigo que me contou deste lindo cantinho de leitura)este blog,aprendi algo sobre alguem que tanto fez pela mulher.Parabéns,vá continuando a escrever cá voltarei com a certeza de que vou continuar a aprender consigo.