Um
dia, um minhoto de Braga decidiu descer à “mourama” e cá
ficou…Constituiu família, casou com a Dª. Ana, uma pessoa de uma
simpatia extraordinária e tiveram dois filhos, o José Fernando e a
Maria Olinda, meus antigos vizinhos e meus amigos. Viveu no Sobral
até à sua morte já por volta dos noventa anos. Foi director dos
Bombeiros Voluntários, da Adega Cooperativa do Sobral e da Caixa de
Crédito Agrícola Mútuo de Sobral.

Todos
os dias ia tratar dos seus cães de caça, ele que era também um
caçador, e era a sua bicicleta o seu meio de transporte preferido.
Com um ou dois “caldeiros” com comida no quadro da bicicleta, lá
ia pedalando de um extremo ao outro da vila, subindo a Avenida
Marquês de Pombal, sem se levantar do selim, com uma mão no guiador
a outra a segurar a “carga”: todas as pessoas da Vila o
constatavam, muitos e muitos anos.
Embora
tivesse uma carrinha, a sua bicicleta é que servia para todos os
serviços. O Sr. Fernando Vaz, quando montava a sua “pasteleira”,
era tão feliz como se ela tivesse o conforto de um luxuoso
automóvel… Foi do Sobral a Braga de bicicleta, não sei quantos
dias levou, mas sei que chegou ao destino sem problemas…
Também
sei que em jovem participou numa prova de ciclismo e chegou em
primeiro lugar, foi muito aplaudido, mas não quis os louros do que
não merecia e teve a honradez de dizer: “ Desculpem mas cheguei
primeiro porque me enganei no percurso e fiz menos quilómetros do
que os meus companheiros”. Ninguém tinha dado por isso, mas para o
Sr. Fernando foi melhor a honestidade do que os louros. Homens destes
fazem falta neste País.
No
ano de 1995, a 57ª. Volta a Portugal em Bicicleta passou na nossa
vila, e quem passou a meta em primeiro lugar e foi muito aplaudido
pelo público presente foi o Senhor Fernando, como noticia o Jornal
“A Bola” de 1 de Agosto daquele ano. E passo a transcrevê-la na
íntegra:
“A
primeira fuga desta 57ª. Volta a Portugal em Bicicleta, que percorre
metade do
país, aconteceu em Sobral de Monte Agraço. Andava pela
hora do almoço e, quando o povo esperava ansioso a passagem dos
antropocicletas (que já todos sabem é um animal mítico, metade
homem, metade bicicleta), para, depois, ir almoçar descansado,
surgiu o homem que atacou antes do almoço. Rapidíssimo, apareceu na
frente, antes mesmo das uivantes motos da polícia e passou pelos
aplausos da assistência, indiferente, como se nada fosse com ele. Na
realidade, a sua corrida era outra, pois carregava no quadro do
velocípede – um legítimo modelo “pasteleira com volante de
ciclista”, com selim anatómico de couro e argolas e travões de
chiadeira- uma saca de batatas que dava para alimentar uma casa de
família durante várias revoluções. O
“batacicleta” de Sobral de Monte Agraço passou curvado, com uma
mão no guiador e outra amparando o almoço, mas cheio de dignidade.
Para ele não eram precisos estafetas abrindo caminho, nem sirenes
estridentes, era a voz do estômago, o dramático e pungente rosnar
das entranhas que o guiavam e lhe davam preferência sobre o pelotão
destas e de todas as Voltas”.
![]() |
A Bola (01/08/1995) |
Uma
história que ficou da 57ª. Volta a Portugal em Bicicleta, e que um
jornalista atento passou para o papel…O primeiro fugitivo surgiu na
meta com um saco de batatas.
Maria
Alexandrina
Um dia, um minhoto de “Biana” decidiu descer à “mourama” e cá ficou. Não é caçador, nem veio de bicicleta, e esses são só dois pontos em que se afasta do bracarense da história. Pior é que este minhoto vianense pensou, até à leitura deste texto, que o Sobral de Monte Agraço só tinha passado a andar nas bocas do mundo, o mesmo é dizer da comunicação social, depois do (talvez) não muito simpático anúncio, ou lá o que foi, do “parque infantil”!...
ResponderEliminarAfinal, vai-se a ver, e fica-se a saber que, já há umas boas décadas, um prestimoso jornal de circulação nacional tinha escrito sobre gente desta terra, tendo até cunhado, para o efeito, uma palavra nova, digna de um Mia Couto pouco inspirado - batacleta. O que neste blogue se aprende … Ou recorda, para quem o viveu!
Auzendo
Bem-haja amiga Alexandrina pela forma generosa com que partilha com os outros recordações do seu "Baú de Memórias". São histórias engraçadas que por vezes nos ensinam muito, principalmente quando nos mostram que a humildade é uma Virtude que nem todos a possuem ou compreendem.
ResponderEliminarFaço minhas as palavras do último parágrafo do comentário do Auzendo, fazendo apenas uma pequena rectificação: "Batacicleta" e não "Batacleta".
Um beijinho da
Lourdes.
EliminarObrigado, Lourdes, pela citação. E pela correcção, claro, por causa dessa é que estou a responder. Errar é próprio do homem (espero que da mulher também...) e "corrigir os que erram" é uma obra de misericórdia. Mais concretamente, se outra vez não erro, a terceira das sete "obras de misericórdia" espirituais, segundo o Catecismo de Pio X.
Auzendo
Conheci o Sr. Fernando Vaz a subir a Avenida Marquês de Pombal na sua inseparável bicicleta a caminho da sua casa granítica a norte da vila, como o recorda, ou de visita à sua loja, e tinha a convicção que era natural de Montalegre. Pelo que aqui leio estava errado. Grato pela recordação.
ResponderEliminarSão sempre interessantes estas suas recordações que nos dão para recordar tempos passados e dificies. Obrigada por ter a paciéncia de partilhar.
ResponderEliminarAdelaide