
Ramirito vivia de
expedientes, ou melhor, vivia essencialmente da fruta que roubava aos
vizinhos. Conhecia todos os pomares da região e, quando alguém lhe
encomendava fruta, sabia aonde se dirigir. E quando lhe perguntavam
que árvores de fruto tinha ele, ele, com o seu ar matreiro, dizia
que até tinha uma árvore de “pera-figue”, tanto dava peras como
figos.
As pessoas da
vila compravam-lhe fruta e, um dia, alguém lhe encomendou uns quilos
de peros, com a recomendação de que os queria verdes para que
aguentassem mais tempo. Dizia-se, nestas situações, que era “fruta
para o tarde”. Logo ele respondeu que tinha uns peros muito bons,
que eram “peros dabane”. E lá fizeram o negócio. Passado algum
tempo, o comprador, indignado, dirigiu-se-lhe reclamando do mau
estado dos peros. Ele, com o ar mais natural deste mundo,
respondeu-lhe que não o tinha enganado, porque bem lhe dissera que
eram peros de “abane”: ele abanava a árvore e a fruta caía, era
natural que se magoasse ao cair…
Outro cliente
pediu-lhe que lhe arranjasse uns pêssegos muito bonitos, que eram
para oferecer, pensando o cliente juntá-los a outros que tinha nos
seus pessegueiros. O Ramirito não se fez rogado e depressa apareceu
com o cesto dos pêssegos. Só depois de ter pago, o comprador
percebeu que a fruta não era nem mais nem menos do que a sua, dos
seus pessegueiros, que o Ramirito de noite lhe tinha ido roubar.
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Sei quem foi, mas não me acuso... |
Muitas histórias
se sabem do Ramirito, mas estas serão as mais conhecidas. A
esperteza dele, que segundo se afirmava tinha tanto de esperto como
de maroto, foi uma forma de sobrevivência. No período em que não
havia fruta para roubar, ele dedicava-se a apanhar agriões na beira
dos charcos, e vendia-os bem vendidos...
Além das
histórias do roubo de fruta, ele era também conhecido pelo seu
descaramento, e de entre as histórias que se contam, esta que vou
descrever é a mais digna de ser divulgada (algumas não podiam mesmo
ser escritas neste blogue). No início dos anos cinquenta, veio ao
Sobral o Cardeal Cerejeira. Estava a Praça engalanada para o
receber, as crianças das Escolas faziam guarda de honra, e a Guarda
Republicana lá estava com o seu fardamento de luxo para a ocasião.
À porta da Câmara Municipal as altas individualidades esperavam.
No fundo da Rua pára um belo carro e dele sai o Senhor Cardeal, que sobe a Rua em direcção à Câmara, acompanhado pelo Administrador do concelho e vereadores, enquanto a multidão aplaudia entusiasmada.
Nisto, salta o Ramirito para a estrada e dirige-se ao Cardeal nestes
termos:
No fundo da Rua pára um belo carro e dele sai o Senhor Cardeal, que sobe a Rua em direcção à Câmara, acompanhado pelo Administrador do concelho e vereadores, enquanto a multidão aplaudia entusiasmada.

- O Senhor é que
é o senhor “ bispe”, está todo porreirito, de chapéu à “
tourero”.
Escusado será
dizer que toda a gente desatou a rir e o Ramirito foi levado pela
guarda. Não sei se foi preso, mas isso também não o devia
incomodar, a vida dele era desgraçada sempre, uma desgraça a mais
ou a menos pouca importância tinha já para ele.
Maria Alexandrina
Olá amiga Alexandrina
ResponderEliminarAqui temos um texto que considero hilariante, pois só a senhora me conseguiu pôr às gargalhadas sozinha. Na realidade estes episódios não dignos de ser divulgados. É que nos tempos que correm, toda a gente a lastimar-se, rir com gosto levanta o ânimo e ficamos a conhecer mais um personagem que dava para o teatro, com certeza revista.
Agradeço-lhe a boa disposição que me proporcionou com tanto rir.
Um abraço e um beijinho da amiga
Lourdes.
Olá Alexandrina,
ResponderEliminarAchei muito curioso o seu apontamento.
Em todas as terras há um gago, um maneta, um mentiroso compulsivo, um vendilhão, enfim um RAMIRITO.
Eles fazem parte das nossas vivências, das nossa vidas colectivas, quer se goste ou não, que NUNCA se renegue ou que tenha vergonha da identidade.
Esta hilariante história da D. Alexandrina é, também, talvez antes de mais, uma deliciosa lição de História. Nela se vê, de forma bem ilustrada, por palavras e imagens, como se vivia por aqui ainda não há muitos anos. Por aqui e não só, pois em qualquer recanto do País encontrávamos filme semelhante: o sobrevivente (sem alternativa?) que vivia de expedientes e aqueles que se aproveitavam desses expedientes. E lá estão as autoridades civis e religiosas a enquadrar a situação…
ResponderEliminarAliás, é assunto velho em Portugal: foi temática do teatro de Gil Vicente, de Almeida Garrett, que sei eu? E, como também já aqui escrevi, retrata uma situação a que estaremos a regressar, com aquilo a que, por medo (?), vamos chamando “crise” …
José Auzendo