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Feira de Gado |
A
Feira dos
Santos da
minha infância
era uma
feira de
grande dimensão,
tanto no
número de
feirantes como
no de
visitantes: a
estrada do
Sobral até
Almargem ficava
todo o
dia repleta
de gente
e de
animais. Uns
que iam,
outros que
vinham…Os
lavradores abastados
usavam a
sua junta
de bois
para o
seu trabalho
agrícola e,
quando achavam
que eles
já não
eram necessários,
ou porque
já estavam
velhos, ou
porque já
não davam
o rendimento
esperado, e
também porque
nessa altura
já tinha
acabado a
campanha para
que estavam
destinados, aproveitavam
para negociar
a venda
dos bois
na Feira
dos Santos.
Alguns voltavam
para a
casa do
dono, por
não terem
tido comprador…
Os
bois vinham
todos enfeitados
de fitas
vermelhas, verdes
e brancas,
presas de
chifre a
chifre, e
caíam de
cada lado
da cabeça.
O abegão
trazia-os à
mão, puxados
pelas rédeas:
o homem,
com o
seu barrete
no alto
da cabeça,
com uma
mão segurava
as rédeas
e com
a outra
segurava o
aguilhão que
lhe descansava
no ombro.
De vez
em quando
“aconchegava” o
aguilhão no
lombo dos
animais. A
estrada alcatroada
fazia com
que os
cascos dos
bois escorregassem
e, como
normalmente vinham
aos pares
dificultando ainda
mais a
deslocação, chegavam
a cair
de joelhos.
E assim
era todos
os anos,
a história
repetia-se, era
uma grande
feira de
gado. Vinham
compradores de
muito longe,
muitos negociantes.
Com saudade
recordo o
meu avô,
com o
seu barrete
preto e
o cigarrito
ao canto
da boca,
a puxar
a junta
de bois
do patrão;
vinha de
S. Domingos
de Carmões
até Almargem,
a pé,
conduzindo-os. O
patrão vinha
mais tarde
na sua
charrete. Mas
não eram
só bois
que se
vendiam na
Feira, também
se vendiam
cavalos e
burros, porcos,
cabras, ovelhas…Os
regatões aproveitavam
para vender
a criação
e os
ovos.
Couratos - Hoje |
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Fritada - Outros tempos |
A
atração mais
popular da
Feira eram
as barracas
de comida,
onde se
comia a
bela da
fritada, nesse
tempo não
havia a
ASAE a
proibir fosse
o que
fosse. E
nunca constou
que alguém
tivesse morrido
pela fritada
ter sido
feita ao
ar livre,
com pó
e tudo.
As cozinheiras
eram especializadas
neste tipo
de comida,
por ser
uma tradição;
e talvez
também pela
liberdade de
se comer
sem preconceitos,
sabia tão
bem… Ainda
hoje em
muitos lares
da Vila
e dos
lugares limítrofes
se come,
no dia
1 de
Novembro, a
fritada de
carne de
porco. A
água-pé nova
era provada
sempre na
Feira e
acompanhava a
comida. Muitos,
quando regressavam
da feira,
já não
vinham “sozinhos”!...
Frutos secos |
Os
frutos de
inverno, nozes
e castanhas,
eram vendidos
em grandes
quantidades. Os
sapateiros expunham
o seu
calçado e
os mercadores
de fatos
prontos a
vestir (já
os havia
nessa altura,
mas só
nas feiras
ou mercados
e era
produto de
qualidade inferior),
tinham-nos expostos
em cabides,
assim como
as samarras
e as
capas alentejanas.
A roupa
interior de
homem, os
barretes, chapéus
e bonés
também eram
comercializados. Como
tinham acabado
as vindimas,
e o
trabalho de
lagar ou
estava quase
pronto ou
já pronto,
o povo
sempre tinha
mais algum
dinheirito… Os
pais aproveitavam
para comprar
calçado e
roupa para
os filhos.
Utensílios de cozinha |
Em
campo aberto
viam-se os
cântaros, alguidares
e outros
artigos em
barro, até
miniaturas. Os
brinquedos à
venda eram
em madeira
ou folha,
os únicos
que havia
na época.
Os ouvires
expunham os
seus ouros
em expositores
de veludo
e presos
com alfinetes
à lona
das barracas…
Outros tempos!
Lembro-me muito
bem do
Sr. Batista,
um ourives
ambulante, que
vinha frequentemente
à Feira.
O
movimento começava de madrugada e acabava já noite escura.
Promoção e negócio |
A
pouco e
pouco foi
rareando o
gado, as
máquinas substituíram
os animais,
as pessoas
começaram a
utilizar outros
meio de
transporte. Os
automóveis invadiam
a Feira;
já na
década de
sessenta, os
autocarros andavam
em constante
movimento a
transportar as
pessoas de
e para
a Feira,
e por
vezes era
mais rápido
ir a
pé do
que de
transporte motorizado.
Continuou ainda
por muitos
anos a
ser uma
feira muito
visitada. Hoje
é bem
diferente, embora
se mantenham
ainda algumas
das características
da feira
da minha
infância. Os
vendedores e
compradores de
hoje é
que já
não têm
nada que
ver com
aqueles que
eu então
via, e
que faziam
da Feira…
uma verdadeira
feira.
Aceito
as mudanças, mas que era muito mais bonita a feira do Almargem… lá
isso era.
Maria
Alexandrina
E ali fiz, juntamente com o Quim Miranda e o Vítor Duarte, a primeira reportagem da minha vida! Procurem no Sizandro que lá está!...
ResponderEliminarMais um oportuno e muito interessante testemunho com que a D.Alexandrina nos presenteia. Sou "novo" por cá, mas desde o primeiro ano que me habituei a ir à Feira e, soube-o agora, durante alguns anos lá saboreei a tradicional fritada, sem saber que era tradicional ou fritada. Mas gostei do seu aspecto fumegante e dos pratos fundos em barro vermelho...e do sabor do molho abundante e da carne de porco.
ResponderEliminarAcho que esta Feira, onde ainda vêm feirantes de quase todo o País, é, além do mais, um factor de socialização: ali se encontram pessoas de variadas origens e interesses que, uma vez por ano, se revêem e convivem. Pela descrição que nos foi oferecida vê-se que já assim era umas décadas atrás, com características próprias e certamente mais genuínas.
Foi bom "revisitar" a história da Feira.
José Auzendo
Amiga Alexandrina
ResponderEliminarNão tenho grandes memórias de feiras em criança pois muito cedo saí de cá e quando voltei a minha vida era apenas estudar e para pouco mais tinha liberdade. Daí não ter recordações idênticas às suas, mas por isso mesmo gosto de saber os usos e costumes que desconheço e nem sei bem avaliar. Mas na realidade o tempo vai passando, as coisas vão-se modificando, e com a modernização vão desaparecendo certos hábitos que pertencem à raiz de um povo.
Bem haja por ir deitando cá para fora do seu "baú" as suas recordações, colaborando assim para que os jovens possam continuar a celebrar as suas origens. Só quem as viveu e tem na memória, poderá fazer comparações com a vida actual. Mas tudo muda e nós temos que acompanhar as mudanças, pois não podemos ficar no passado. Ainda bem que tem capacidade para aceitar e acompanhar a evolução, apesar das suas memórias que lhe deixam saudades.
Obrigada e um beijinho da amiga
Lourdes.
Olá colega Alexandrina
ResponderEliminarNão era só o seu avô que vinha a pé de São domingos de Carmões para a feira de todos os santos no Almargem. Muita gente das aldeias vizinhas gostava de vir à feira. Como não havia transportes públicos todos tinham de ir a pé. Também eu vim muitas vezes a pé da minha aldeia por caminhos muito estreitos onde só se podia andar em fila indiana: era assim o nosso trilho até chegar ao Sobral.
Muita gente aproveitava ter ganho algum dinheiro nas vindimas e vinha comprar roupa e calçado para vestir no Inverno que se aproximava; também era tradição ir há feira comprar castanhas e figos eram mais baratos que nas lojas tradicionais. Eu gostei sempre daquela feira e quase todos anos lá vou, mas a feira já não é como era antes.
É sempre bom haver alguém que relembre como era a nossa vida antigamente nada era fácil, hoje ninguém anda a pé, depois fazem caminhadas por causa do sedentarismo, a que todos se habituaram.
Muito obrigado por ter-se lembrado de fazer este bonito texto.
Um beijinho querida amiga
Mariana.