Por
opção,
estou
sozinha
nesta
varanda
virada ao
mar, e
com um
sol lindo,
mas o
meu
pensamento
está no
Sobral, nos
meus
montes, na
“minha
rua”.
Não na
rua onde
moro, mas
na rua
da minha
infância.
Sem dúvida
que agora
está
maior, mais
bonita, mas
está
também
mais pobre.
Recordo as
pessoas, as
coisas, as
lojas, os
ofícios e
o comércio
que havia
na minha
rua, a
Miguel
Bombarda,
com início
no Campo
da Feira.
Começo
por um
ferreiro, o
senhor
Alfredo,
com a
sua forja,
o fole,
a bigorna,
o ferro
em brasa;
dez metros
depois a
Senhora
Joaquina
Félix a
fazer os
seus belos
enchidos
para serem
vendidos no
talho.
Ainda no
princípio
da rua,
o António
Libânio,
cutileiro e
também
ferreiro. A
mulher, a
tia
Henriqueta,
uma mulher
de coração
grande,
sempre com
medo que
as pessoas
tivessem
fome,
oferecia de
comer a
toda a
gente. O
Manuel
Libânio,
funileiro,
era um
homem de
grande
habilidade,
tinha em
casa uma
aldeia em
miniatura
feita em
folha, com
moinhos de
vento e
banda de
música,
nada
faltava,
tudo em
movimento.
![]() |
Rua Miguel Bombarda |
Na
porta
seguinte, o
José dos
olhos
grandes,
sapateiro;
um pouco
mais abaixo
a barbearia
dos Melos,
a seguir
a Viagem
pela rua
da minha
infância,
a padaria
e a
taverna do
António, o
Bibi; a
casa dele,
e da
mulher, a
tia Glória,
era a
casa de
todos: a
rapaziada
adorava ir
pôr a
mão na
massa dos
bolos, e
dançar ao
som do
acordeão
do tio
Bibi. Na
porta
seguinte a
Maria
Félix, que
fumava rapé
e tinha
duas vacas
no quintal,
que
atravessavam
a casa
para irem
para o
dormitório.
Algumas
vezes, a
neta mais
nova
entretinha
a avó
para nós
irmos mugir
as vacas
e bebermos
o leite:
que bom
que era!...
![]() |
Ferro de engomar de alfaiate |
![]() |
Rua Miguel Bombarda |
A
seguir o
Joaquim
Firmino com
a sua
taverna: a
mulher
fazia os
petiscos e
ia dizendo
aos
fregueses,
comam,
comam, o
meu jaquim
gosta muito
… No
primeiro
andar
morava a
mestra
Xavier,
professora
que tocava
piano -
acabou a
vida a
vender
lotaria! Ao
lado mais
uma casa,
a da
Maria
Alfazema,
especialista
no
pão-de-ló.
A seguir
o Lima
cutileiro
e, na
porta ao
lado, o
Félix
funileiro.
A seguir
a Cesária,
com
mercearia e
taverna.
Seguindo o
roteiro,
vinha a
mercearia
da tia
Luisa do
Chato. O
marido
fazia
peneiras e
arranjava
guarda
chuvas. A
tia Luisa,
sempre de
sorriso
aberto, e
a meter
o dedo
no
alqueire …Por
um acaso,
fui eu
que
“herdei”
esse
alqueire,
ainda o
conservo na
minha sala.
Depois,
ao lado,
a casa
de fazendas
e mercearia
da família
Máximo.
Era uma
família
também de
agricultores,
uma porta
aberta para
ricos e
pobres, na
mercearia a
folha azul
dos fiados
não tinha
fim. Quase
ao fim
da rua
o Guilherme
ferrador a
calçar os
animais. Do
outro lado
da rua,
a primeira
casa era
a da
D. Palmira
Lopes: nos
últimos
tempos
vendia
velas e
artigos de
cera. A
seguir o
Augusto,
correeiro e
albardeiro,
que mais
tarde
passou para
o filho
Augusto
Corado, o
qual passou
a ser
também
estofador e
meu marido.
As irmãs
dele eram
quatro
lindas
raparigas,
naquela
casa havia
sempre
rapazes à
porta. Era
o ponto
de encontro
das meninas
da terra.
Na porta
seguinte,
um mecânico
onde muitos
jovens
aprenderam
o ofício;
depois a
sapataria
Leandro, os
Bombeiros e
a
camionagem
Serreira.
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Casa antiga |
Tudo isto só numa rua. Sempre ouvi dizer que nessa rua tinha havido uma fábrica de lanifícios, e por isso as casas eram todas iguais, uma porta uma janela. Com o tempo foram-se alterando, actualmente são poucas as que existem e com modificações. E além das lojas havia gente, famílias. Recordo a casa do Álvaro Branco, que por sinal tinha mais de preto que de branco, era uma casa que vendia de tudo, ferragens,
![]() |
Rebuçados "matacões" |
Repito:
tudo isto,
mais o
que me
esqueço,
numa rua.
Outros
tempos.
Hoje faz-me
pena ir
à minha
rua.
Lisete
Corado
A D. Lisete já aqui há tempos nos tinha trazido algumas recordações de infância, de situações que ela própria vivera na rua onde cresceu. Agora “armou-se” em repórter e decidiu mostrar-nos o que era essa rua nesse tempo, a vida que tinha. E é de pasmar, eu acho. Se não soubesse que a autora é uma respeitável e respeitada anciã desta terra, seria tentado a pensar que ela não tinha resistido à tentação de “meter o Rossio na Betesga”.
ResponderEliminarNa minha infância e adolescência, quer na aldeia quer na cidade, tive oportunidade de conviver com ferreiros, funileiros, latoeiros, ferradores, tanoeiros, merceeiros, tavernas, padeiros, sapateiros, alfaiates…Mas, para “correr” todos eles teria de palmilhar uns bons quilómetros, por muitas ruas, caminhos e lugares: ter tudo isto, e mais ainda, numa rua nem muito comprida, é-me difícil de imaginar. E não só as coisas, também um pouco da própria vida, do ambiente da época: as vacas que atravessam a casa para irem para o curral, as passadeiras da loja a passarem a tapete da rua sem ninguém ir parar ao hospital, a merceeira “a meter o dedo no alqueire”…acho que percebemos para quê…É pena Hollyhood ser tão longe, talvez nos fizesse uma reconstituição viva do que essa rua era…
Mas, é justo dizê-lo outra vez, este post (linda palavra portuguesa esta!...) não seria o que é neste blogue sem o esmero das ilustrações do nosso “gestor”…Que, além do mais, até os “matacões” nos trouxe e a cores; e, mais ainda, começou a querer que os leitores acrescentem informação além da dos textos publicados, clicando nas palavras que ele vai pintando de azul ao longo do texto. E neste caprichou mesmo…Fazem uma bela equipa, a autora do texto e o autor das ilustrações…
José Auzendo
Querida amiga Lisete
ResponderEliminarAs suas lembranças pormenorizadas da rua da sua infância, é de "invejar". Memória priveligiada que recorda todos os cantinhos e pessoas que neles viveram, recoradações muito queridas que ajudam a viver, pois recordar também é viver.
Os tempos e os hábitos mudaram, mas o "registo no nosso cérebro" faz-nos relembrar o que vivemos no passado e permite-nos comparar com o presente, que apesar de "mais evoluido" nem sempre é melhor.
Deus lhe conserve por muitos e bons anos essa memória fantástica.
Beijinhos da amiga
Lourdes.
Amiga Lisete
ResponderEliminarNão cresci nessa bela rua mas lembro-me igualmente de todos os artesãos mencionados e por força do destino ainda vivi nessa rua e sinto tristeza quando lá passo pois sinto saudades, principalmente do edifício dos bombeiros onde os meus filhos tanto brincaram e onde o meu sogro tanto trabalhou nessa Instituição.Passava os tempos livres a lavar e arranjar as viaturas para que tudo estivesse operacional quando tocava a fogo.
Como morava mesmo ao lado era sempre o motorista de serviço.
Era de facto uma rua onde todos pareciam uma grande família.
Um abraço da Manuela também conhecida por Nélinha
Amiga Lisete
ResponderEliminarNos tempos de criança, em que não havia ainda televisão em Portugal e em que a telefonia era um "luxo", do qual não podia usufruir, a solução era ir para a cama cedo, e o sono onde andava ele? Muitas vezes lembrava-me de contar as pessoas que havia na vila. Era sempre a sua rua a última a contar, por ter muitas casas pequeninas e geralmente eu acabava por cair nos braços de Morfeu, sem acabar a contagem. E embirrava sempre na casa da "Tia Betina", nunca sabia ao certo quem lá vivia. Por laços familiares e pelo primeiro trabalho, fui parar à sua rua, que passou também a ser um bocadinho minha. Interessava-me pelas suas histórias, que ouvia com prazer e que vou reproduzir algumas delas.
O Álvaro Branco era um paradoxo e namoradeiro: pelo Carnaval fizeram-lhe um verso assim: Álvaro Branco, branco?/escuro como o pano-cru/namoras duas mulheres/com qual delas casas tu. Ele casou com a pior porque, coitada da pobre senhora, foi doente a vida inteira. O Tio Manuel da Bicha, que era contínuo nos bombeiros, e que também lá trabalhava de sapateiro, no rés-do-chão, fazia de vez em quando uns petiscos para o pessoal que frequentava a Associação e era hábito ele dizer: meus senhores são servidos de uns pastelinhos "pagando"? A D. Palmira Lopes tinha um pátio onde recolhia animais para pernoitarem, quando iam para as feiras, e ela sempre que podia ia mugir as cabras para recolher o leite: uma noite enganou-se e quis mugir o bode, que, coitado, berrava e ela insistindo dizia:" Nem mé nem meio mé, estás aqui tens que dar leite como as mais".
Falava-se muito de histórias do alfaiate Sr. Camelo, um homem de Seia, que tinha muitas histórias sempre para contar. Um dia ouvi uma frase rimada, pelo Carnaval, que penso ser assim: "Coradinho da minha rua, faz xixi na cama e diz à mãe que sua". Quem teria sido a autora? Não me recordo, mas parece-me ter sido uma provocação de amor! Lembra-se Lisete? Tudo isto também se passou na Rua da Bela Vista (actual Miguel Bombarda).
Maria Alexandrina
Boa noite amiga Alexandrina
ResponderEliminarObrigada pelo seu depoimento ajudando a complementar a descrição da rua da vossa infância. Só sei que adorei.
Quero agradecer o momentos HILARIANTES que me proporcionou!!!
Ah, ah, ah,.... para rir estou por aqui.
Beijinhos da amiga
Lourdes.
EliminarOLÁ BOM DOMINGO LOURDES!!!
DESCULPA PELO ATREVIMENTO DE COLOCAR AQUI A MINHA RESPOSTA
MAS COMO O CREPÚSCULO DESAPARECEU VENHO AQUI AGRADECER!!!
OBRIGADO PELA VISITA, PELAS PALAVRAS AMIGAS!!!
POIS EU ESTOU AGORA A PREPARAR O MEU NINHO FINAL, O MEU OÁSIS DE REFUGIO SE A VIDA ME DEIXAR COM SAÚDE USUFRUIR!!!
OU...SE OS ACONTECIMENTOS DA VIDA ME EMPURRAREM PARA LÁ MAIS CEDO DO QUE O PREVISTO... PELO MENOS MAIS UNS 8 ANOS DE TRABALHO!!!
1 BEIJINHO AMIGA!!!
VOLTE SEMPRE!!! 1 BEIJO LÍDIA
Para as amigas Alexandrina e Nelinha. Nós, Sobralenses, temos sempre algo em comum. A Nelinha falou no sogro e com muita razão: foi um grande homem de trabalho e um belíssimo bombeiro; e, falando dos teus filhos, fizeste-me recordar os caramelos que eu fazia para eles e para outros lá da rua: ainda hoje, já homens, falam disso.
ResponderEliminarE tu, Alexandrina, tens memória de elefante, pois essa do Coradinho é comigo, mas podes crer que me tinha esquecido por completo. Obrigada por me teres lembrado. Lembras-te do tio Manuel (da Bicha)? Além de ser bombeiro também era ele que fazia os capacetes para os bombeiros. Estou convencida que os bombeiros de hoje não sabem disto.
Que bom ter este blogue para trocarmos as nossas vivências, as nossas recordações. Quando formos para um lar já não teremos memória.
Beijocas
Lisete
De realçar a memória das “meninas” que viveram na Rua da Bela Vista: não era uma rua qualquer, mas uma rua com passado e com história(s). Cada uma que escreve sobre ela acrescenta-lhe mais uns episódios, e eu, por mais que leia e me esforce, não consigo imaginar como cabia tanto acontecimento naquela rua onde passo todos os dias, de carro, sem ver “ninguém”, nem espaço para alguém passear ou andar, quanto mais carregado com alqueires de feijão, funis ou … albardas…
ResponderEliminarPela descrição, um verdadeiro “Outlet shopping” da época.
Inês
para esclarecer a menina Ines, a rua da Bela Vista era um verdadeiro Corte Inglez os burros iam provar as albardas ,as cabeçadas todas enfeitadas com fitinhas de várias cores,saiam da alfaiataria prontas para um casamento.
ResponderEliminarLisete
querida Lizete!
ResponderEliminarAgora sou eu que moro , nessa rua tão cheia de tradição e ainda com encanto...
Há amigos...quando se ouve barulho na rua vimos á janela para ver se a nossa ajuda é necessaria...enfin outros tempos...outros hábitos mas o amor que sinto por estas pedras é omesmo!
Alizete foi uma das pessoas que me ensinou a amar a nossa rua....
OBRIGADO!
Dirijo-me a si, que fez o comentário ao meu texto “A rua da minha infância”, dizendo que começou a gostar da rua "ensinada" por mim. Como se deve ter esquecido de “assinar” gostava que se identificasse, porque não imagino quem possa ser. Ainda por cima chama-me "querida Lisete", mais curiosa fico ainda…
EliminarObrigada
Lisete.