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Fonte: http://www.escolademodalacorte.wordpress.com |
Na
minha meninice e adolescência havia no Sobral três alfaiates na Rua
Miguel Bombarda - a Alfaiataria Camelo, a Alfaiataria Amaral e a
Alfaiataria Flor, e ainda mais um na Rua França Borges, o Senhor
José da Arruda, que por acaso se chamava Pascoal, e que por essa
altura, fazia principalmente capas alentejanas.
Todos
eles tinham sido bons profissionais, mas nessa altura já o Senhor
Camelo se encontrava em decadência, o Senhor Amaral ainda tinha ao
serviço algumas costureiras, mas poucas. Quem estava no auge da
carreira era o Senhor Artur Flor, por ser bastante mais novo: tinha
mais trabalho e um maior grupo de costureiras ao seu serviço. Eu já
tinha destinada uma cadeira na sua alfaiataria, por ele ser irmão do
meu padrinho, e aos doze anos lá fui eu ocupá-la. Assim me vi a
aprender a costurar, o que não me agradava nada, não era essa a
minha vocação. Era então aquilo a que chamavam de aprendiza, e
durante um ano não ganhei nada, parece que ainda dava prejuízo ao
patrão. Uma das minhas funções era “arranjar” os ferros de
engomar, de hora a hora: tinha que sacudir a cinza, pôr carvão e
manter o ferro quente. O “monstruzinho” pesava cerca de cinco
quilos, e eu tinha que o levantar da mesa, que era mais
alta do que
eu, pegar nele, passar um corredor, descer uma escada, atravessar um
pátio, e por fim lá estava eu na “casa velha”, onde tinha que
me mascarrar toda com o carvão e levantar o ferro quente no ar, para
sacudir a cinza através de um orifício que ele tinha atrás. E eu
era um pouco desastrada, também não tinha muita força para o
erguer e o resultado era andar sempre com as mãos e os braços
cheios de queimaduras.
Em
meados dos anos cinquenta apareceu um novo alfaiate na vila, o Senhor
Albano Henriques, com uma forma nova de trabalhar … E depressa
ficou bem afreguesado. Com muito que fazer e com ideias mais
modernas, decidiu admitir, para além das empregadas, um oficial para
o ajudar: para o contratar mandou colocar um anúncio num jornal.
Tendo
vindo de Barcelos como aprendiz de alfaiate, um rapaz ainda menino,
veio morar com a família para Lisboa, e aí completou a sua
aprendizagem nos diversos alfaiates onde trabalhou. Um dia pega no
jornal e lê um anúncio sobre o pedido de um oficial para uma
alfaiataria para a província, com comida, cama e roupa lavada;
decide responder e, entre os seus pares, ele foi o escolhido. Chega
ao Sobral, em 1956, Guilhermino Reto que, com 16 anos, teve o arrojo
de tomar conta de uma alfaiataria onde trabalhavam umas sete ou oito
raparigas. O patrão limitava-se ao corte e às provas. Com o
declínio da alfaiataria e porque quis mudar de
profissão, o Senhor
Artur Flor, onde eu trabalhava, fechou a loja e eu fui pedir emprego
ao Senhor Albano … Passei a ter como chefe o Guilhermino que um
tempo depois, virou meu namorado. Foi para a tropa e o Sr. Albano,
que já não estava habituado a trabalhar sozinho, pôs a alfaiataria
a trespasse e emigrou. Foi então a vez de o Senhor Raposo, que era
alfaiate em Lisboa, tomar conta também desta alfaiataria, o que não
resultou porque ele não tinha capacidade para estar em dois lados ao
mesmo tempo. Pouca gente o conheceu.
O
Guilhermino saiu da tropa e empregou-se em Lisboa, onde voltou a
viver. No fim-de-semana costurávamos para alguns clientes que nos
procuravam. Casámos e o agora meu marido continuou a trabalhar em
Lisboa, para onde se deslocava todos os dias de comboio. O Senhor
Raposo, ao saber do seu regresso, contratou-o para trabalhar para ele
na alfaiataria do Sobral e, poucos meses depois, propôs-lhe o
trespasse da loja. O Guilhermino Reto, em 1964, com 24 anos,
tornou-se alfaiate por conta própria. Hoje, aos 73 anos, ainda
continua no seu estabelecimento, sendo o comerciante mais velho no
activo e único alfaiate. Depois dele quem se seguirá?
Maria Alexandrina
Excelente descrição da alfaiataria tradicional do Sobral. Gostava muito de fazer um curto documentário sobre o trabalho do Sr. Guilhermino Reto. Será que ele estaria disponível e disposto a isso? Obrigada!
ResponderEliminarFilomena Sousa
Doutora Filomena muito obrigada pelo seu comentário e venho informá-la de que a partir de 2 de Setembro, o meu marido estará disponível para conversarem.
EliminarMaria Alexandrina
Muito obrigada! Em Setembro entro em contacto.
EliminarFilomena Sousa
Amiga Alexandrina
ResponderEliminarEsta é realmente uma das profissões com tendência a acabar.
O pronto a vestir e o fabrico em série chegaram para ficar, dando lugar a uma moda mais barata mas sem o cunho personalizado nem a perfeição do alfaiate tradicional.
Também os meus padrinhos de baptismo trabalhavam como alfaiates e faziam os fatos para muitos membros da GNR, em Lisboa. Ele era empregado nos CTT mas sempre teve o gosto pela costura de fato de homem. A minha madrinha era doméstica, e nas horas em que não tinha a lida da casa, trabalhava colaborando com o meu padrinho. Isto durante várias décadas.
Apesar de a Alexabdrina não gostar da profissão, foi nela que encontrou o seu Príncipe Encantado. Quanto mais não fosse, só por isso já valeu a contrariedade de ir trabalhar numa profissão que não gostava.
"Deus escreve direito por linhas tortas", lá diz o ditado.
E foi através de um caminho não desejado que encontrou o caminho da sua vida.
Quanto à alfaiataria do seu marido, quem será que o seguirá?
O futuro o dirá.
Desejo que continue a ter sempre trabalho e clientes à altura e que encontre sem grande dificuldade um sucessor.
Beijinho da amiga
Lourdes
É algo muito inspirador, para um jovem como eu de 20 anos, que pretende seguir a Alfaiataria! Obrigado por tal texto!
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