Nos
meus tempos de criança e mesmo jovem, as Festas e Feira de Verão de
Sobral de Monte Agraço eram tão vividas na minha casa, como se de
uma coisa nossa se tratasse: era como que uma firma quase nossa, sem
fins lucrativos, diria com grandes prejuízos. Voluntariamente, quase
religiosamente, viviam-se as festas o ano inteiro lá em casa. Isto
nas décadas de 40 e 50, desde que me recordo.
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Filarmónica 1º- Dez, do Montijo (foto da net) |
A
camarata era na Escola primária: tiravam-se as carteiras e abriam-se
as “tarimbas” (camas de madeira, com lona) e lá se faziam as
camas e eram tantas vezes feitas quantas as bandas que nesse ano
viessem de fora. Nessa época, o Sobral carecia de água, só uma
hora por dia nos era possível obtê-la abrindo a torneira. Para que
os músicos a tivessem para a sua higiene, armazenava-se em bilhas de
barro, que se iam encher ao chafariz. Percebe-se que essa iniciativa
partia da minha casa: todos os dias das festas e durante anos e anos.
O mestre (maestro) da banda e a sua esposa auferiam de outro estatuto
e os meus padrinhos dispensavam a sua cama para os hóspedes
pernoitarem, improvisando para os donos da casa uma cama no chão, no
meu quarto.
Festas de 2007(foto da net) |
Todos
os anos se remendavam as bandeiras de pano que estavam rotas pelo
uso: aos desbotados vermelhos, verdes e amarelos eram acrescentados
panos novos das mesmas cores, mas a diferença era grande…Só que,
no cimo dos mastros, quem é que via as diferenças? O Carrasca lá
contratava os homens e eram feitos os buracos nos passeios, para se
erguerem os paus em que se desfraldavam as garridas bandeiras. Não
faço a ideia certa das bandeiras que eram remendadas, mas eram
sempre perto de cem. E todos os anos se voltava a esta rotineira
tarefa. Julgo que às vezes as bandeiras eram só remendos.
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foto da net |
As
Festas e Feira eram idênticas às de hoje, tendo em conta o tempo em
que decorrem e até o espaço. Na feira havia barracas de bugigangas,
carrossel, e umas barracas que, com o tempo, se perderam: as chamadas
barracas de tiro, onde meninas atraíam os homens para darem um tiro.
Nunca percebi muito bem como eram, porque não nos era permitido o
acesso. Na praça havia a célebre quermesse abrilhantada por um
grupo de gentis meninas de bem. Bandas de música, touradas, ciclismo
e nuns anos até hipismo eram as variantes da festa. Além do cinema
e do célebre baile de fim de festas, onde debutavam a maior parte
das raparigas.
Havia
uma Comissão em que cada um tinha a sua função, mas desde o
peditório pela vila e pelas aldeias e em todos os mais pequenos
detalhes estava sempre presente um homem, de seu nome Matias Flor,
meu padrinho, que já aqui recordei. Não se viveu tudo isto em
poucos anos, na minha casa; desde que tomei o conhecimento suficiente
para reparar nestes pormenores, posso afirmar que os vivi
continuadamente, durante mais de vinte cinco anos.
O
Sobral era uma vila pequena e o acontecimento festivo de maior relevo
do ano era as Festas e Feira de Verão. Os sobralenses que viviam
fora vinham assistir às “suas festas”. Os parentes e amigos eram
convidados, a mesa era farta e as casas enchiam. Era até habitual
verem-se rapazes e raparigas de fora a colaborarem na quermesse. A
Festa era de todos.
Maria
Alexandrina
É bom recordar esses tempos das Festas do Sobral, e de louvar o senhor Matias Flor: foi um homem que trabalhou anos e anos para as Festas do Sobral, e não só. Foi um homem muito respeitado por todos, muito trabalhador, um belíssimo bombeiro. Um pouco esquecido, como muitos outros Sobralenses. Ao contrário dos gatunos de Portugal que ficam na História.
ResponderEliminarTudo muda; vivíamos as festas doutra forma, as mesas estavam sempre postas para receber os amigos, que muitas vezes só os víamos de ano a ano. Tantos e tantos momentos para recordar… mas para quê escrevê-los? Só a quem os viveu interessam…
Lisete
Começo por contestar, veementemente, a última frase do comentário da D. Lisete: então os acontecimentos, as recordações deles, só interessam a quem os viveu? Nem vale a pena argumentar, tão deslocada é a afirmação, para mais vinda de quem já aqui tem revivido connosco a infância das suas ruas, as ruas da sua infância…Foi certamente um lamento de quem tem pena de ter visto as coisas mudarem.
ResponderEliminarE embora o texto da D. Alexandrina seja mais sobre as recordações que tem de como vivia as Festas na sua adolescência, do que sobre as Festas em si, nota-se que há diferenças importantes em relação ao que são hoje, à forma como são vividas, naturalmente menos intensa.
Só recentemente comecei a “andar” pelas Festas, e com certeza que as viveria de outra forma se por lá ainda houvesse … “meninas a atraírem os homens para darem um tiro.”… Sorte a dos homens desses tempos…
José Auzendo
Por razões particulares as Festas deixaram de fazer sentido para mim mas agradeço que as recordem como merecem ser recordadas. Antigamente o espirito era outro era mesmo o acontecimento do ano que dava oportunidade à convivência entre todos os sobralenses e até dos familiares que estavam longe e se juntavam a nós.
ResponderEliminarAdelaide
Amiga Alexandrina
ResponderEliminarComo "forasteira" que sou nesta bonita terra, apesar de habitar cá há cerca de 10 anos apenas, desde os anos 60 que a frequento assiduamente e por isso tenho acompanhado de um modo menos minucioso do que a minha amiga algumas transformações nos hábitos destas festas. Tudo o que se relacione com a evolução e revolução dos tempos, será sempre bem-vindo, pois as épocas mudam, as mentalidades também, e há que saber aceitá-las e respeitá-las. Mas normalmente quando se vive e acompanha intensamente algo que nos deixa recordações felizes, há sempre o espectro da saudade a acompanhar-nos. Mas isso não quer dizer que não se aprecie e valorize o que os tempos novos nos vão oferecendo. Tudo tem a sua beleza e interesse, as diferenças estão nos gostos e nos olhos de quem as analisa. Espero e desejo sinceramente que a JUVENTUDE SOBRALENSE continue a saber sempre honrar com dignidade as tradições dos seus antepassados. Só assim a História, poderá ter continuidade.
Um beijinho
Lourdes.